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Rumo ao MIT: jovem cria Tinder do emprego para moradores de Paraisópolis

Estudante Davi Silva é bolsista do Insper e vai ao MIT apresentar o seu projeto - Arquivo Pessoal
Estudante Davi Silva é bolsista do Insper e vai ao MIT apresentar o seu projeto Imagem: Arquivo Pessoal

Janaina Garcia

Colaboração para Tilt

31/12/2019 04h00

A virada do ano para um jovem estudante brasileiro de engenharia mecatrônica promete muito mais do que votos de saúde e paz. Em 2020, Davi Dom Bosco Silva, universitário bolsista do Insper, vai levar o nome do Brasil para uma das instituições de ensino mais importantes no mundo, o MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos.

Aos 21 anos, o estudante se prepara para vencer distâncias. E não só a física. Distância, aqui, tem um sentido mais amplo: o de ir além dos próprios preconceitos na busca por aprender com o outro e também ajudá-lo.

Em terras estrangeiras, o jovem vai apresentar para alunos e docentes do MIT a sua plataforma online "Quero Trampo", uma espécie de Tinder do emprego para os moradores de Paraisópolis, segunda maior comunidade de São Paulo.

A ideia de Silva foi elaborada junto com Flávia Rodrigues, estudante de marketing da faculdade Ítalo-Americana e educadora social de Paraisópolis.

Como a ideia surgiu e como vai funcionar

A oportunidade de levar o nome do Brasil para o mundo surgiu a partir de uma parceria entre o Insper e o MIT Brasil, braço da universidade norte-americana por aqui. E tudo ganhou forma durante o curso de férias "Design com contextos sociais".

Voltado para estudantes de diversas áreas, os dois universitários escolheram como objeto de estudo e trabalho do curso "a problemática da empregabilidade na favela". Trocando em miúdos, a gigante expressão resume a dificuldade que os moradores de comunidades enfrentam ao buscar um emprego simplesmente ao revelarem sua origem, conta Silva.

Com o tema definido, os dois jovens foram se aproximando de Paraisópolis. Conheceram alguns projetos sociais e compreenderam que havia uma necessidade de conectar os moradores às vagas disponíveis no mercado de trabalho, e não só criar sistemas que apenas armazenassem currículos.

"Inicialmente, o projeto era bem aberto: a ideia era ir lá e identificar qual o principal problema dos moradores. Fomos às ruas, fizemos várias entrevistas e perguntávamos: 'Qual a maior dor enfrentada pela comunidade? Em quase 100% das vezes, o desemprego foi o relato ouvido", lembrou Silva.

"Ouvimos pessoas que estavam na fila por atendimento médico havia horas. Foi muito impressionante ouvir ali, naquela condição, com problemas mais evidentes, que mesmo a empregabilidade era a maior dor delas", acrescentou.

Tinder do emprego

Já com o problema detectado, agora era hora de pensar formas para resolvê-lo. Ou pelo menos, tentar.

Em contato com o programa "Emprega Paraisópolis", desenvolvido na própria comunidade, os estudantes perceberam que o deslocamento dos moradores até o projeto era um dos fatores limitantes para o fortalecimento da iniciativa —isso limitava cadastramentos (presenciais e centralizados em uma única pessoa, por exemplo).

Foi então que a plataforma online "Quero Trampo", nos formatos de site e aplicativo, ganhou vida para auxiliar os moradores da comunidade a formularem os seus próprios currículos e conectá-los a vagas compatíveis oferecidas por empresas parceiras.

"Pude entender o quanto ainda de preconceito há contra as pessoas simplesmente em função do local em que elas vivem. A plataforma vai digitalizar e deixar mais ágil o match entre candidatos e vagas, mas a ideia por trás disso é tentar mudar a perspectiva das empresas de que um mercado com mais diversidade é melhor para todo mundo, inclusive para elas, explicou.

"Foi novo e enriquecedor entrar em uma nova realidade e tirar os pré-conceitos da mente para realmente entender a necessidade das pessoas dali, e não vir, simplesmente, com uma fórmula pronta para resolver", acrescentou.

A versão beta da plataforma deve ficar pronta até março do ano que vem.

Os custos de viagem e hospedagem para os Estados Unidos serão bancados pelo MIT Brasil. Mas, por não ter condições de arcar com o restante, Silva tem tentado diferentes formas para conseguir pagar as futuras despesas.

Uma delas foi a confecção e venda de chaveiros com a mensagem "I love Paraisópolis" —o que já rendeu a ele algum trocado. Paralelamente, começou a procurar estágio para as férias de verão.

Davi Dom Bosco Silva e Flávia Rodrigues durante venda de chaveiros "I love Paraisópolis"  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Davi e Flávia durante venda de chaveiros "I love Paraisópolis"
Imagem: Arquivo Pessoal

Do preconceito a um novo olhar sobre Paraisópolis

O trajeto de Silva até o MIT foi de esforço, mas contou também com boas oportunidades que foram surgindo pelo caminho. Estudou em escola pública a vida toda e é um dos três filhos de um casal de vendedores de pão de queijo de Franca, interior paulista, cidade em que cresceu.

Na infância e adolescência, a saída para uma condição financeira um pouco melhor teve um foco desde cedo: "Sempre tive que buscar meu crescimento e revolução a partir da educação - sempre me interessei por cursos de língua. Por meio de bolsas [de estudo], fiz trabalho voluntário, com a Igreja, com moradores de rua, em projetos para biblioteca. Isso foi me proporcionando oportunidades muito legais", lembrou.

Uma dessas oportunidades surgiu em 2013, quando ele ganhou um curso de inglês oferecido pela embaixada americana a alunos de escola pública e de baixa renda. Em 2015, participou do programa "Jovens embaixadores", por meio do qual passou um mês nos EUA em estudos focados em justiça social e liderança.

Já na graduação de engenharia mecatrônica, se tornou bolsista integral e passou a viver em um alojamento estudantil fornecido pela universidade.

Encontrei meu próprio encantamento com os jovens extremamente incríveis dali, que estudam, que sonham. Pude ver diversas faces sociais de uma comunidade que não desiste, apesar das tantas dificuldades estudante Davi Dom Bosco Silva

Quando perguntado sobre o que mudou após a experiência em Paraisópolis, o jovem ressaltou que o seu olhar sobre a comunidade mudou bastante. Com o aprendizado diário durante o período que frequentou o local, certas percepções criadas a partir de estereótipos e pela falta de conhecimento foram caindo por terra.

Um dos pré-conceitos, segundo Silva, dizia respeito à própria apresentação do projeto. Inicialmente, foi pensando apenas como site. Nada de aplicativos. Durante a experiência, percebeu que um sistema móvel seria muito mais prático para os moradores.

"Nunca me veio à mente criar um app. E eu deveria entender que, em pleno século 21, todo mundo tem internet, celular", admitiu. "Meu olhar era muito cru, e creio que toda a percepção que eu tinha era a que me passavam os meios de comunicação. Então, eu estava também muito ansioso para entender aquela realidade", completou.

Os planos para o futuro de Silva não têm limites. Ele quer continuar usando a sua "engenharia mão na massa" para criar soluções no mundo real. Fora isso, ajudar os seus pais a conquistar o sonho da casa própria está entre as suas metas para o futuro. "Ajudar meus pais seria o sinônimo de sucesso para mim", concluiu.