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Coração, diabetes e mais: como apps revolucionam nosso cuidado com a saúde

Saúde tem se modernizado com auxílio de aplicativos - Getty Images/iStockphoto
Saúde tem se modernizado com auxílio de aplicativos Imagem: Getty Images/iStockphoto

Daniel Dieb

Colaboração para Tilt

06/01/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Apps revolucionam cada vez mais a maneira que médicos e pacientes cuidam da saúde
  • Novas tecnologias conseguem medir até batimentos cardíacos por meio de câmera
  • Mas apps são auxiliares e não substituem cuidados, dizem médicos especializados
  • Anvisa ainda discute e faz estudos sobre regulamentações para o setor

Graças aos aplicativos, mercados tradicionais se tornaram digitais. A lista é longa: ensino de idiomas, entregas, transporte particular e por aí vai. Mais recentemente, a área da saúde passou a se beneficiar disso e a tendência já ganhou até um nome: a saúde móvel, ou mHealth para os íntimos.

Embora a definição não esteja consolidada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera como saúde móvel as práticas médicas e de saúde pública que usam as funcionalidades dos aparelhos móveis (celulares, tablets, vestíveis).

Os aplicativos de mHealth servem para monitorar traços da doença, fornecer conteúdo médico ao profissional da saúde e estabelecer comunicação à distância.

Um cardiologista, por exemplo, pode acompanhar os dados do batimento cardíaco de seu paciente que estiver à distância, em uma viagem. Ou uma mulher na 38ª semana de gestação pode enviar ao obstetra informações sobre seus incômodos, para esclarecer se são dores comuns à gravidez ou não, o que eliminaria a necessidade de ir até o consultório.

Os possíveis benefícios passam pela qualidade do serviço oferecido. Atestá-la é um desafio, em especial entre os apps que monitoram sinais vitais. Os médicos lembram que apps são apenas auxiliares.

Ainda não tem como assegurar. Você acredita que os marcadores estejam corretos, mas tem que ver se tem estudos e pesquisas que fundamentam o aplicativo
Carlos Gouvêa, vice-presidente da Abiis (Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde)

Para Mario Jorge Tsuchiya, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), eles "são facilitadores principalmente no acompanhamento à distância, pois facilitam o encaixe para consulta e permitem uma avaliação mais rápida com o médico".

Tarefas variadas

Um dos aplicativos que monitoram sinais vitais do paciente é o Heart Care (iOS, Android), que informa os batimentos cardíacos por meio da câmera do celular e do flash usando a fotopletismografia. A grosso modo, a técnica, validada por estudos científicos, determina o batimento cardíaco pela mudança na quantidade de luz absorvida pela câmera.

A alteração ocorre porque o volume sanguíneo aumenta quando o coração pulsa e bombeia sangue pelo corpo. Quando o usuário checa o batimento, ele deve informar como se sente, o que está fazendo, além de altura e peso. O aplicativo emite um alerta ao usuário caso note algo de anormal, como um número alto de batimentos em uma situação supostamente mais tranquila, como em casa vendo TV.

Segundo Tsuchiya, aplicativos que fornecem conteúdo médico são "bem-vistos" pelo Cremesp e pelos médicos em geral e seguem protocolos internacionais de condutas consagradas pela comunidade médica.

Dois exemplos que se destacam são o Whitebook (iOS, Android) e o InsulinApp (iOS, Android). O primeiro, com 180 mil usuários ativos, reúne 8 mil informações médicas, de bulas a protocolos.

Segundo Bruno Lagoeiro, executivo-chefe da PebMed, empresa dona do Whitebook, ele é para ser usado "na beira do leito, para auxiliar a prática médica". Ou seja, serve para embasar a decisão do profissional da saúde, trazendo informações sobre a patologia de acordo com o código internacional de doenças ou protocolos e diretrizes que são consenso na comunidade médica.

O processo da criação de conteúdo do Whitebook passa por 40 profissionais da empresa, de médicos e enfermeiros a jornalistas. Eles se baseiam em protocolos e diretrizes consolidados pela literatura médica e pelos conselhos e sociedades de medicina do Brasil, Estados Unidos e Europa. "Ficamos atentos a atualizações, recebemos comentários de usuários, que podem avaliar cada conteúdo individualmente", diz Lagoeiro.

Por sua vez, o InsulinApp "tenta direcionar médicos que não estão habituados a controlar a diabetes, especialistas em outras áreas", explica Marcos Tadashi, um dos criadores do aplicativo. Endocrinologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, Tadashi diz que a ideia surgiu ao perceber que o hospital não tinha conduta definida e padronizada para casos de hiperglicemia, quando a glicemia se encontra acima do normal.

O InsulinApp funciona assim: o médico cadastra o paciente, insere os dados de glicemia coletados ao longo do dia e o aplicativo gera um modelo de prescrição, desenvolvido com base em consensos da literatura médica, que indica a dose de insulina necessária. Para Tadashi, não só a Anvisa, mas estudos médicos devem verificar os aplicativos.

Regulações a caminho

A regulação de dispositivos médicos, que inclui softwares e aplicativos para celular, faz parte da Agenda Regulatória (AR) 2017-2020 da Anvisa, um calendário de discussões e relatórios sobre tópicos considerados prioritários que podem resultar em atos normativos (requisitos técnicos e administrativos obrigatórios) ou instrumentos regulatórios não normativos (guias e manuais, por exemplo).

Associações relevantes do setor, como a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), e grupos de pesquisa da Unicamp e da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba) atuam nas discussões. Como ainda está em fase de debate, não há resolução publicada pela Anvisa — a previsão é de que ela saia em maio de 2020.

Para Gouvêa, é questão de tempo até ter um regulador, que teria o papel de verificar se está tudo certo com o aplicativo, "fazendo de um jeito que não seja barreira de entrada para novos players [empresas interessadas]".

Tsuchiya, por sua vez, ainda não considera necessário algum tipo de controle, a não ser que apareçam conteúdos com falhas de informação. "Nós vamos aperfeiçoando qualquer sistema com a detecção das falhas. Felizmente ainda não houve nada que impusesse isso, até porque os aplicativos têm creditação pela comunidade médica internacional."

Contato remoto

Além dos aplicativos que monitoram sinais vitais e fornecem conteúdo médico, há apps que exploram a comunicação assíncrona —que não ocorre ao mesmo tempo— gerada pelos celulares conectados à internet, como o OrienteMe (iOS, Android). Parte da Eretz.Bio, incubadora de startups do Hospital Albert Einstein, esse é um aplicativo de psicoterapia online criado por Bruno Haidar com as irmãs Fernanda Maluf e Daniela Chohfi.

O diferencial do OrienteMe em relação à terapia presencial é o de não haver necessidade de marcar horário e ir à clínica. Se o paciente quiser, não precisa nem se identificar. A plataforma conecta o usuário ao psicólogo por meio de um algoritmo que, segundo Haidar, se baseia nas perguntas que o usuário responde ao se cadastrar na plataforma. "A gente tenta encontrar na plataforma um psicólogo de acordo com histórico de pacientes que ele atendeu e com as necessidades da pessoa."

Embora os criadores não venham da área da psicologia, há uma psicóloga que gerencia os outros profissionais do ramo que atuam na plataforma. O OrienteMe é pago e oferece quatro planos, que duram de duas a quatro semanas, ao longo das quais o paciente poderá mandar mensagens de texto, áudio, vídeo e imagens para o psicólogo, que deverá responder todos os dias, duas vezes por dia, de segunda a sexta. No pacote completo, há ainda a possibilidade de fazer videochamada por 30 minutos.

Em caso de problemas, o paciente pode pedir para trocar de terapeuta. Porém, diz Haidar, menos de 5% das 31 mil pessoas que passaram pela plataforma pediram para mudar de psicólogo. A prática da prestação de serviços psicológicos por meio de tecnologias da informação e comunicação é validada desde maio de 2018 pelo Conselho Federal de Psicologia.

Promessa de economia e melhores serviços

Aplicativos de conteúdo, monitoramento e comunicação à distância são exemplos "mais simples de como essas tecnologias podem ser impactantes", segundo Fernanda De Negri, pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Autora do artigo "As tecnologias da informação podem revolucionar o cuidado com a saúde?", ela considera que os dados coletados pelos aplicativos são "muito mais promissores".

Segundo De Negri, eles podem impactar os sistemas de saúde público e privado, ao otimizar os gastos e aumentar a efetividade no atendimento. Isso se daria com a integração de prontuários eletrônicos em um único arquivo, evitando a repetição de exames, e o uso dos dados coletados, como hábitos de vida, medicamentos que a pessoa toma e sinais vitais, para melhorar tratamentos.

"Você consegue usar essas informações para melhor prever o grupo de pessoas com mais riscos de desenvolver determinada doença", argumenta.

É assim que, por exemplo, o Heart Care e a IBM usam a inteligência artificial Watson para fazer uma análise preditiva, antevendo o surgimento da doença antes que ela se manifeste a partir dos dados coletados.

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