Pregação 2.0: religiosos relatam apuros e amadurecimento nas redes sociais
Sem tempo, irmão
- Multiplicação de fiéis transformou redes sociais em espaço sagrado para lideranças
- Papa Francisco quer que cristãos mostrem "comunhão" nestes canais
- Apesar da popularidade, religiosos como Padre Fábio já foram até "cancelados"
- Internet também pode virar espaço de "guerra santa" entre diferentes igrejas
Com 150 metros de extensão e 220 de comprimento, a Basílica de São Pedro, no Vaticano, pode receber até 60 mil pessoas durante uma celebração. Com um tuíte, o papa Francisco se comunica com 4,3 milhões de seguidores só em língua portuguesa —o equivalente a 71 basílicas de São Pedro.
Não é exatamente um milagre dos pães, mas a multiplicação de fiéis transformou as redes sociais em um espaço sagrado para lideranças de diversas religiões.
A importância das redes para a comunicação religiosa é tanta que, em junho do ano passado, em mensagem do 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, o papa pediu aos cristãos para manifestar nestes canais "a comunhão que marca a nossa identidade de crentes, abrindo o caminho ao diálogo, ao encontro, ao sorriso".
É o que vem fazendo nomes como Reginaldo Manzotti, padre e cantor católico que se tornou também um fenômeno no Facebook, onde conversa, posta mensagens e compartilha vídeos para nada menos do que 6,7 milhões de seguidores (número que lotaria o equivalente a 111 Basílicas de São Pedro).
Apesar da multidão, Manzotti conta que, no começo, demorou a aceitar que as redes sociais eram também espaços a serem ocupados pela evangelização. "Quando percebi que já tínhamos duas gerações nascidas na era digital, busquei uma nova forma de me comunicar e utilizar essas ferramentas", diz o padre ao Tilt. "A tecnologia é um caminho sem volta."
Padre Marcelo, um pioneiro
Outros fenômenos pop do catolicismo seguiram o caminho. Um dos mais conhecidos é o padre Marcelo Rossi, que, entre mensagens motivacionais, desejos de bom dia e boa semana e imagens de santos e Jesus Cristo, se comunica diariamente no Instagram com 3,5 milhões de seguidores — detalhe é que ele segue apenas um perfil, o do papa.
"Fé é igual wi-fi. Você não vê, mas sabe que existe. E eu uso até wi-fé", disse o padre em uma entrevista à revista "Veja" logo após aderir às redes —que, para ele, "são uma bênção quando bem usadas".
Mas, nem sempre a relação é imune aos atritos da vida em rede.
As idas e voltas de Padre Fábio
No caso do padre Fábio de Melo, que tem 7 milhões de seguidores só no Twitter, um comentário sobre a "saidinha" de condenados durante os feriados, em agosto do ano passado, rendeu tanta dor de cabeça que ele decidiu se afastar.
Após defender que prisioneiros como o casal Nardoni só deveriam ter o direito a passar o feriado em casa no Dia de Finados, ele lamentou ter sido chamado de "justiceiro, desonesto, desinformado, canalha e outros nomes impublicáveis".
Fábio de Melo manteve ativa a conta, onde compartilha sacadas sobre o dia-a-dia e um certo humor nonsense, mas deletou o app do celular, como revelou em uma entrevista. Desde então, o Twitter deixou de ser a primeira coisa que via ao acordar e a última antes de dormir.
Após o sumiço de quase seis meses, ele voltou à forma recentemente com um tuíte especulando que se Deus criou o pão na chapa, o diabo fez a bolacha de arroz. Não demorou para as primeiras rusgas surgirem.
Em fevereiro, o padre Joãozinho reclamou que as postagens do colega eram "absolutamente inúteis". Ouviu de volta que, para "não carregar um fardo além dos que já tem", bastava deixar de seguir. Procurada, a assessoria do padre Fábio disse que ele não estava disponível para entrevistas.
Entre a cruz e a espada
O episódio com o Padre Fábio colocou em evidência as armadilhas e os conflitos a que todos estão sujeitos nas redes —inclusive as lideranças religiosas, que podem ser "canceladas" em tempos de discussões mais exacerbadas.
O dilema é que, em pleno século 21, dialogar com o público sem levar em conta os canais eletrônicos ficou tão obsoleto como manter a iluminação dos templos à base de velas e castiçais. Isso para qualquer religião.
"A internet e as redes sociais abriram um espaço para que as pessoas de má índole espalhem notícias falsas, criem perfis falsos e disseminem o ódio de forma inconsequente. Precisamos estar muito atentos a tudo que recebemos e compartilhamos", analisa o padre Manzotti, que já sofreu com a publicação de uma notícia falsa —a de que ele teria engravidado uma mulher de 21 anos.
Depois dessa situação, sempre falo da importância de verificar se aquilo que você está passando para frente é verdadeiro ou não. Precisamos ter responsabilidade do que compartilhamos e escrevemos, fazendo das redes sociais um lugar de humanização, de abertura ao outro, um lugar de diálogo a serviço de uma cidadania responsável, como disse papa Francisco
Padre Manzotti
Em seu perfil, Manzotti diz buscar um conteúdo evangelizador, motivacional e catequético. "Quero que as pessoas encontrem em meus canais uma mensagem que transforme o dia delas, que ajude a deixar de lado aquele sentimento ruim, aquele pensamento negativo", diz.
Já em suas pregações, Manzotti costuma dizer que "se você quer conhecer uma pessoa, é só olhar o celular dela".
Mãos em prece
Monja Coen Roshi conta que a internet se tornou seu canal principal de comunicação, seja por emails, textos para jornais e revistas, livros a serem editados ou contratos sociais. Recentemente, ela passou a oferecer um curso online sobre fundamentos teóricos e práticos do Zazen Zen-Budismo.
Segundo a monja zen budista, as redes sociais podem e devem ser usadas para fazer as pessoas capazes de refletir, expor e contrapor ideias. Mas, ela reitera, que atualmente "parecemos crianças que aprenderam a gritar e dizer palavrões".
Ela cita que é preciso cuidado para não passar adiante notícias falsas, não ser hackeado e proteger crianças e adolescentes. "Sem excessos, sem faltas, sem apegos e sem aversões, as redes sociais podem e devem ser instrumentos de libertação, de amizades, de divertimento sadio", diz a monja, atualmente com 1,1 milhão de seguidores só no Instagram.
Os mandamentos das redes
Com 4,7 milhões de seguidores no Facebook, onde costuma compartilhar vídeos de palestras e pregações, o pastor Cláudio Duarte, da Igreja Batista Nacional, conta ao Tilt que na maior parte do tempo é um usuário "comum, porém muito atento ao que efetivamente precisa ou não entrar em meu celular ou até mesmo na minha casa através das redes sociais".
Eu tenho facilidade para lidar com diversos comportamentos e respeito as pessoas, porém não negocio meus princípios e valores. A Bíblia me ensina que tudo me é permitido, mas nem tudo me convém e é partir desta premissa que lido com a internet
Pastor Cláudio Duarte
Pastor Cláudio diz aproveitar a facilidade e a mobilidade adquirida com os smartphones para estudar, se atualizar, acompanhar sua agenda, realizar anotações, registrar fotos, interagir em redes sociais e apresentar o evangelho para aqueles que ainda não consegue atingir de forma presencial.
O pastor lembra que, ao longo da história humana, inúmeras inovações foram apresentadas. "Em dado momento algumas delas, nas mãos erradas, tomaram rumos diferentes, porém não podemos dizer que o problema está na inovação propriamente dita, mas sim no fim que um indivíduo insiste em dar. Assim foi com o fogo, com os automóveis, com os aviões, com alguns descobertos da química e não é diferente com a internet", compara.
Ele lista uma série de cuidados que se devem tomar no ambiente virtual, como:
- Não tornar público o que pode ser resolvido no privado
- Não comprar uma briga que não é sua
- Não seguir as pessoas erradas para não sofrer as influências erradas
- Não confundir o mundo virtual com o mundo real
- Adquirir o hábito da leitura que vá além das manchetes. Entender que um release, por melhor que seja, não substitui a leitura de um bom livro, a experiência de um bom prato ou até mesmo um bom roteiro turístico
Religiosos checam fatos?
Em novembro, o pastor Silas Malafaia compartilhou uma notícia falsa sobre Dilma Rousseff. O boato dizia que Adélio Bispo, o homem que esfaqueou Jair Bolsonaro, havia trabalhado como assessor da ex-presidente. Malafaia foi tão criticado que precisou pedir desculpas. Foi um dos muitos episódios que mostram a linha tênue entre religião e política.
Integrante do coletivo de checagem de fatos Bereia, que averigua a veracidade de notícias do mundo religioso, o pastor da Igreja Presbiteriana da Aliança André Mello tem criticado, em artigos e entrevistas, o que chama de aliança entre trono e altar —uma posição que costuma gerar atritos nos debates online dos quais participa.
Para ele, o primeiro mandamento na relação com as redes sociais é evitar bate-bocas. "As redes têm uma limitação. Num grupo de WhatsApp, se duas pessoas começam a debater num grupo e começa a ter intercorrência de outras pessoas, quem entra 15 minutos depois não entende mais nada. É uma conversa na praça de alimentação de shopping. Não dá para você argumentar e debater numa conversa que tem 500 pessoas", diz.
Ele critica os linchamentos virtuais e afirma que o melhor caminho é chamar a pessoa no pessoal ou montar grupos de no máximo quatro pessoas para debater. O bloqueio, afirma, nunca é eficiente. "A Bíblia diz que você não pode responder o insensato com insensatez. Está em Provérbios. O bloqueio, muitas vezes, é uma resposta que a pessoa quer."
A nova guerra santa
Apesar das armadilhas e do conturbado ambiente político, é possível dizer que as redes sociais serão canais cada vez mais importantes para a propagação da fé. Mesmo para quem já conta com conglomerados midiáticos para isso.
"Acho que todas as igrejas estão usando muito bem suas redes sociais, além de sites, portais e blogs", diz o jornalista Gilberto Nascimento, autor do livro "O Reino: a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal".
Segundo ele, a Universal e o bispo Edir Macedo têm atuado cada vez mais nestes canais. Nascimento conta ter ficado surpreso com o volume de notícias, debates e denúncias nas redes sociais entre integrantes e ex-integrantes da igreja. Segundo ele, a "guerra santa" que marcou a disputa entre igrejas nos anos 1990 e sua programação na TV, hoje migrou para a internet.
Um dos dissidentes mais conhecidos é Alfredo Paulo, que saiu da igreja e hoje mantém um canal no YouTube. Outro que foi expulso e mantém um canal para criticar os antigos aliados é o Palhaço Cristão —-que, como o nome sugere, se veste de palhaço enquanto tece os ataques.
"Esses ex-bispos e ex-pastores repercutem imagens, vídeos, informações de reuniões fechadas e mesmo o que é dito no culto. Eles têm canais no YouTube e grupos no Facebook, WhatsApp, Telegram, em tudo quanto é lugar, onde travam uma guerra nos bastidores", diz Nascimento.
O pastor André Mello aposta que o aprendizado leva as novas gerações a tomar mais cuidado, com o receio de que suas conversas privadas se transformem em uma conversa de milhões ou que suas opiniões viralizem. "As pessoas entendem que isso é um problema e pode haver um desapego dessas plataformas."
Felipe Zangari, teólogo e mestre em Ciências da Religião, faz outro alerta. Para ele, o papa Francisco "mata a charada" para resolver se a experiência religiosa pode se bastar no online. "Eis o que ele diz: 'Se uma comunidade eclesial coordena sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso'. Assim, uma experiência religiosa cristã que não se traduza em encontro, em alteridade e em partilha de vida, é estéril", diz.
Para ele, o risco é que as redes produzam "uma falsa experiência de fé que pode até passar por uma piedade interior, mas que é só um verniz para o isolamento e o culto à própria personalidade".
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