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Sob gritos de "vergonha", Câmara de SP adia de novo votação sobre Uber

Aplicativos como Uber são alvo de regulamentações na Câmara de SP - Divulgação
Aplicativos como Uber são alvo de regulamentações na Câmara de SP Imagem: Divulgação

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

11/03/2020 18h21

A Câmara dos Vereadores de São Paulo adiou mais uma vez nesta quarta (11) a votação do polêmico projeto de lei 419/18, de autoria do vereador Adilson Amadeu (DEM), por falta de quórum. O PL tem como pontos controversos uma limitação do número de motoristas na capital, restrição ao emplacamento em São Paulo e obrigação de que o motorista seja dono do veículo, o que pode afetar o número de motoristas e preços na cidade.

Houve discussão sobre a possibilidade de votação por causa do quórum na Câmara. Vereadores chegaram a pedir para que outros colegas descessem dos gabinetes para votar a questão. A falta de vereadores reflete um possível temor de se comprometer com a questão polêmica em ano eleitoral. Foram propostos dois substitutivos ao projeto, com mudanças que devem ser discutidas pelos vereadores.

O painel chegou a apresentar 47 vereadores presentes na Câmara durante a tarde, mas no momento da votação o número não atingiu 28. Como o número não foi alcançado, a sessão foi adiada mais uma vez sob protestos do público presente que queria uma definição da questão e criticaram os vereadores com gritos de "vergonha".

A discussão do projeto teve clima quente na Câmara, com discussão entre vereadores, público e até "show" com desfiliação de partido.

O plenário da Câmara contou com representantes da classe de motoristas, aplicativos e também de taxistas. Barulhento, este último grupo fez cânticos contra aplicativos e a favor do vereador Adilson Amadeu (DEM), autor do polêmico projeto e conhecido por defender os táxis, inclusive já tentando anteriormente proibir os aplicativos na cidade.

Cada manifestação de vereador era alvo de aplausos de diferentes grupos na bancada da Câmara. O plenário virou praticamente um estádio, com "torcidas" de ambos os lados se manifestando. Para defender seu projeto, Adilson Amadeu passou um vídeo com supostos problemas dos aplicativos e regulamentações ao redor do mundo. Ele ainda citou que iria ganhar votos na eleição garantidos pelos taxistas, citando dirigentes presentes no plenário.

"Eles (apps) acabaram com o viário, o transporte público está sofrendo. Quem vai pagar as contas do subsídio somos nós. Vocês (motoristas) são explorados pelas empresas de aplicativo. As locadoras hoje estão dando risada", alegou o vereador.

O vereador Police Neto (PSD), autor do PL 421/15 e menos desfavorável aos apps, questionou a tentativa de fazer reserva de mercado para taxistas na cidade de São Paulo. Ele apontou que não se deveria confundir o transporte de natureza privada dos apps com o de natureza pública de táxis, lembrando que dados apontam até que taxistas cresceram no período de 2007 e 2017, segundo dados da OD (pesquisa origem e destino). O vereador pediu que uma decisão fosse tomada, citando que "ninguém mais aguenta a ameaça de amanhã não ter trabalho".

"Os taxistas comemoraram a regulamentação que o Bruno Covas fez. Nós já temos regra. Hoje o recurso capturado na cidade por quilômetro rodado, sendo o primeiro pedágio público do Brasil, é pago pelos aplicativos. Quando falamos que o ônibus perdeu passageiro foi pela incompetência. São as mesmas famílias no setor. E perdeu para metrô, com novas linhas lilás e amarela. Passamos a olhar o carro não como status, mas como serviço de transporte. A sociedade mudou. Quero debater segurança, não retrocesso de voltar para um monopólio que já faliu", disse.

Discussão dentro de partidos e desfiliação de Holiday do DEM

Por outro lado, o vereador Milton Leite (DEM) se mostrou favorável a uma limitação, sem citar números e lembrando a necessidade de estudos, citando que aplicativos afetariam o transporte público e também poluiriam a cidade. Tanto Milton Leite (DEM) quanto Soninha (Cidadania) levantaram a ideia de que diferentes horários na cidade poderiam ter diferentes regulamentações e limitações de apps - como incentivo a eles durante a madrugada, quando o custo dos ônibus é alto para a Prefeitura.

Já Janaína Lima (NOVO) questionou a criação de mais regulamentações na cidade e lembrou que os aplicativos repassaram R$ 500 milhões em arrecadação de impostos na cidade. Da mesma forma, Fernando Holiday (DEM) chamou o projeto de "absurdo". Ele disse que o PL de Adilson Amadeu "na prática acaba com o emprego de 200 mil pessoas de um dia para o outro" e lembrou o padrasto taxista para criticar uma suposta "máfia" que se aproveita dos taxistas na cidade.

"Prefiro perder meu mandato a ficar aliado ao Adilson e o PL419. Decidi sair dos Democratas no dia que Adilson entrou. Esse partido não mais me representa", exaltou Holiday, que rasgou no palanque sua filiação ao DEM. Houve acusações de ofensa racista na bancada da Câmara, que passou a investigar. Holiday já negociava há um tempo a saída dos Democratas, fato lembrado por Milton Leite para criticar o "show" do vereador. Ele se filiará ao Patriota.

Em resposta, Camilo Cristófaro (PSB) anunciou que votaria contra o projeto, mas fez críticas a Holiday por atacar Adilson e lembrou que o MBL (Movimento Brasil Livre) era grande presença na Câmara. Ele atacou o vereador agora ex-DEM por "falso moralismo". Os dois trocaram ofensas, com frases como "cala a boca" e "covarde".

Caio Miranda Carneiro (PSB) criticou taxistas que faziam "show" na bancada da Câmara e lembrou que taxistas pagam por estarem atrasados. Ele fez críticas ao "sistema burro e ultrapassado" que ocorre no modelo de táxis atualmente, com aferição de táximetro e alvarás. Ele lembrou que taxistas deveriam brigar para "destravar o táxi e não limitar o outro serviço que surgiu".

Já Mario Covas Neto (Pode) propôs um substitutivo ao projeto que prevê "algo como 140 mil condutores na cidade" dividindo "metade entre aplicativos e metade com taxistas". Algo parecido, contudo, foi proposto pelo próprio Adilson em entrevista ao Tilt. Ele ainda pediu retirada de termos como "motoristas ser dono do carro", mas reforçou que o emplacamento deve ser feito em São Paulo.

O vereador Alfredinho (PT), por sua vez, criticou o debate com "baixarias e palavrões", jogando "trabalhador contra trabalhador". Ele disse se inconformar com a maneira como motoristas saem de casa, trabalham 15 horas e fazem pouco dinheiro, sendo explorados. Ele se recusou a votar a favor do PL do jeito que está por tirar empregos, mas criticou a mentalidade de quem "protege as empresas que exploram os trabalhadores". O mesmo caminho foi seguido pela colega de partido Juliana Cardoso.

Por fim, Celso Gianazzi (PSOL) se manifestou com voto contrário ao PL do Adilson Amadeu, mas também afirmou ser contrários às "empresas que exploram os trabalhadores" e citou o número de desempregados para se recusar a limitar o número de condutores.

Projeto polêmico

O PL 419/18 é cercado de polêmicas, tendo esta sido a sexta vez que a Câmara iniciou o debate dele. A ideia do vereador é limitar carros dos aplicativos e favorecer taxistas na cidade. O vereador sequer nega ser um defensor da categoria que foi mais afetada pelas chegadas dos serviços de transporte como Uber.

"Eu sou sim defensor dos taxistas, aliás eu considero os taxistas uma profissão nobre. Sou neto de taxista, meu gabinete é temático, tem réplica do ponto do meu avô. Eles (motoristas de apps) entraram em cima de uma profissão acabando com o taxista, que é nobre", afirmou ao Tilt o vereador.

Os principais pontos da lei proposta por ele são:

  • Limitação do número de motoristas de aplicativo ao número total de taxistas em São Paulo (atualmente são cerca de 40 mil taxistas)
  • Motoristas precisam ter um carro licenciado em São Paulo de sua propriedade
  • Impedimento da criação de pontos físicos (como os pontos de encontro da Uber em aeroportos)
  • Compra e fiscalização dos créditos de quilômetros por parte dos apps (atualmente, empresas já pagam imposto por quilômetro rodado na cidade)
  • Regulamentação das caronas solidárias (como Waze Carpool e outros), com empresas tendo que se cadastrar (pagando um preço anual ou mensal à Prefeitura)
  • Regulamenta compartilhamento de veículos sem condutor, que é a locação de veículos disponibilizados em vagas de estacionamento ou nas ruas como alguns apps já fazem. Empresas precisam de outorga e de pagar taxa à prefeitura.

Se aprovada, a lei pode afetar drasticamente a frota de aplicativos na cidade, ocasionando perda de renda para motoristas que seriam descredenciados das plataformas e possivelmente um preço mais alto para usuários do serviço, já que haveria menor oferta de condutores. A justificativa do vereador é que existe um número exagerado de motoristas de aplicativo na cidade.

"A bagunça que está atualmente não tem condição. O secretário de transporte em uma entrevista diz que tem de 300 mil a 500 mil carros trabalhando em um viário que não comporta isso. E estou cobrando o governo para provar que quem está pagando essa conta é a população. A população está saindo do transporte público e indo para o aplicativo", alega Adilson Amadeu.

Os principais pontos criticados pela Uber e outros apps, que podem afetar passageiros e motoristas, são a limitação do número de veículos ao número de táxis, a exigência de propriedade do veículo dirigido e o emplacamento no município de São Paulo. A Uber faz os seguintes cálculos para os três cenários, caso a lei seja aprovada:

  • Limitação dos veículos aos taxistas: 70% de motoristas sem renda, 1,9 milhão de usuários sem serem atendidos por mês principalmente na periferia e R$ 109,5 milhões de perda de renda para a cidade em ISS e Preço Público
  • Proibição de carros licenciados fora de São Paulo: 44% dos motoristas sem renda, 1,3 milhão de usuários sem serem atendidos por mês principalmente em regiões próximas a outras cidades da Grande São Paulo e R$ 73 milhões de perda de renda para a cidade em ISS e Preço Público
  • Obrigação do motorista ser proprietário dos veículos: 65% dos motoristas sem renda e R$ 108 milhões de perda de renda para a cidade em ISS e Preço Público

Ao Tilt, o vereador disse que um número ideal na capital seria elevar os taxistas para 60 mil na cidade e diminuir o número de carros de aplicativo para 60 mil. O secretário de transporte diz ter 500 mil condutores de apps cadastrados para atuar na cidade, mas nem estão ativos.

As justificativas que o vereador apresenta para sua lei são dados da ANTP (Associação Nacional dos Transporte Públicos), que aliam uma queda no uso de transporte público ao surgimento de modalidades como Uber Juntos. Há críticos do estudo que apontam para o aumento do desemprego e da economia no período como mais preponderante.

Já a alegação para permitir apenas carros emplacados em São Paulo é de que existem muitos carros de locadoras nas ruas, emplacados em outros Estados e sem pagar imposto na cidade. No entanto, críticos apontam que esses carros estão gerando dinheiro pra cidade ao circular nas ruas e consumir, por exemplo, gasolina que tem uma carga de imposto. Além disso, essa medida pode afetar motoristas da Grande São Paulo que acabam pegando corridas para a capital.

O vereador lembra ainda que diferentes países e cidades do mundo já colocaram restrições para a Uber por diferentes razões - entre os casos citados, estão Nova York (Estados Unidos), Londres (Inglaterra), Colômbia e Alemanha.

Em entrevista à CBN, o atual secretário de Transportes da cidade, Edson Caram, se mostrou inclinado a uma limitação no número de carros ofertados pelos aplicativos atualmente na capital, citando um número aceitável entre 50 mil e 60 mil.

"O aplicativo é um grande ganho para a população, mas precisamos de organização. Fiz um elevantamento e temos mais de 500 mil carros inscritos na Secretaria da Fazenda. Tem no mínimo 80 mil a 100 mil carros por dia rodando na cidade de São Paulo, ás vezes vazio. Tem que ter uma organização. O aplicativo é muito bem-vindo, mas precisamos colocar regras que muitas vezes não são aceitas por eles. Se você trabalhar com um limite de até 50 mil ou 60 mil carros, é aceitável", disse o secretário.

Já nasce inconstitucional?

A legislação, se aprovada futuramente em São Paulo, pode já nascer inconstitucional. Isso porque a Justiça já deu seguidas vitórias para os aplicativos quando cidades tentam fazer regulamentações mais rigorosas - como impedir aplicativos ou limitar o número de motoristas em um município.

No ano passado, o STF considerou inconstitucional projetos de leis que limitavam o número de motoristas de aplicativos em cidades do Brasil - a decisão veio após inclusive analisar um projeto de São Paulo. É muito provável que os aplicativos acionem a Justiça para evitar que o PL siga adiante.

O que os apps dizem

Em contato com Tilt, a Uber lamentou que pela sexta vez os vereadores de São Paulo tentem votar o PL 419/18, projeto que "contém sérias restrições à atividade dos motoristas", é "historicamente contra qualquer plataforma moderna de mobilidade" e "ignora os benefícios do serviço para a cidade". A empresa ainda aponta que o projeto ignora a lei federal e estabelece uma "proibição disfarçada de lei", com medidas como essa já sendo declaradas inconstitucionais pelo STF.

"Regulações modernas e justas usam a tecnologia para o bem das pessoas e das cidades. Esse projeto de lei vai na contramão disso e pode, da noite para o dia, ser um retrocesso para São Paulo", aponta.

Já a 99 apontou que, sobre o PL 419/18, o STF já considerou que "proibir ou restringir o uso de aplicativos de mobilidade é inconstitucional e fere princípios como a livre iniciativa e a concorrência". A empresa lembra que "em vez de modernizar a legislação que regulamenta o serviço de táxi na cidade, a proposta do projeto burocratiza o serviço por aplicativo e impõe regras ultrapassadas".

A 99 diz que, caso aprovado, o projeto "tirará 70% dos motoristas autônomos do mercado, impactando a renda de centenas de milhares de famílias, além do direito dos paulistanos de escolher como desejam se locomover". Também diz que que serão retirados R$ 280 milhões dos cofres públicos pela redução dos impostos pagos pelas empresas. Segundo o app, somente em 2019 foram repassados R$ 6,5 bilhões aos motoristas do aplicativo, o que equivale ao orçamento projetado para capitais como Fortaleza e Porto Alegre. A empresa afirma ainda estar aberta ao diálogo com o governo.

A Cabify, por sua vez, se limitou a dizer que "segue atenta aos movimentos do legislativo para o tema e afirma que defende uma regulamentação justa para todos: cidade, órgãos públicos, população e empresas".

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