Este vestido vale R$ 46 mil, mas o mais louco é que ele também não existe
Matheus Fernandes
Colaboração para Tilt
12/03/2020 04h00Atualizada em 12/03/2020 12h21
Em maio de 2019, um vestido foi vendido em um evento em Nova York por US$ 9.500, cerca de R$ 46 mil na cotação atual. Mas a peça não é uma criação de alta costura nem pertenceu a nenhuma celebridade. Pior: ela nem ao menos existe, não da forma que estamos acostumados. Ela só pode ser usada por sua nova dona em fotos, onde é editada e ajustada por alfaiates virtuais.
Já estamos acostumados a gastar dinheiro em skins [modificações visuais] de videogames, peças específicas de roupas se tornam itens virais nas redes sociais e até os influenciadores ganharam sua versão ciborgue, os "virtual influencers". Mas designers querem aproveitar esse momento para mudar nossa forma de se vestir, levando as roupas para o universo digital.
O vestido, batizado Iridescent, foi produzido pelo estúdio holandês de moda digital The Fabricant e se tornou a primeira peça de moda virtual a ser leiloada. Uma única cópia sua existe somente de forma virtual. O estúdio aposta nos jovens para mostrar ao mundo que "o vestuário não precisa ser físico para existir''.
O estúdio mistura designers tradicionais e especialistas em 3D, e tem uma abordagem que envolve o uso de redes generativas, a criação de avatares virtuais e a digitalização 3D. O resultado aparece tanto nas coleções próprias, disponíveis gratuitamente online, quanto em parcerias com lojas como a I.T. Hong Kong, para quem a Fabricant criou versões virtuais de peças da Bape, Helmut Lang e Alexander McQueen.
A loja de departamento dinamarquesa Carlings também lançou sua primeira coleção virtual. Após escolher uma das peças, que custam na faixa de algumas dezenas de euros, o consumidor faz o upload de uma foto, a peça é inserida virtualmente nela e pode ser compartilhada nas redes sociais. A justificativa é expressar seu estilo online, sem deixar uma pegada negativa no mundo.
O semioticista Bruno Pompeu, sócio-fundador da Casa Semio, explica que a moda "digital cumpre muitas das mesmas funções que costumou cumprir até aqui", como embelezar, ao mesmo tempo em que troca sua função prática por novas possibilidades.
"Trata-se de dar conta dessa nova concepção de mundo, que inclui toda a complexidade da vida online. É um imenso desafio, que se impõe aos designers, aos criativos, às empresas e às marcas de moda", diz.
Para a Fabricant, a moda digital vai "abrir novos caminhos além dos limites do mundo físico, enquanto promove a sustentabilidade e reduz drasticamente os impactos ambientais". Mas para Bruno, essa questão é mais ampla. "Não é porque estamos falando mais de sustentabilidade, sobretudo nas redes sociais, que estamos necessariamente nos comportando de forma mais comprometida".
Brasil na tendência
No Brasil, a moda virtual também começa a andar. Na última edição do SPFW, em outubro do ano passado, o designer Lucas Leão fez uma parceria com a empresa alemã Beyond Compare para modelar digitalmente suas peças. Outro designer, Cairê Moreira, da Atelier 4.0, escaneou seus clientes após escolherem as peças. Os ajustes são feitos virtualmente antes das roupas serem produzidas —sim, de forma física, ao contrário das outras citadas aqui.
Cardigan da marca 4.0, desenvolvido virtualmente
A inspiração veio da vontade de transcender os padrões pré-estabelecidos de tamanho, após o designer perceber a dificuldade de suas amigas para encontrar roupas nas lojas tradicionais. "Quase todo mundo tem algum tipo de problema com o padrão de tamanho", relata Moreira O Atelier 4.0 já consegue entregar, de forma experimental, uma peça personalizada em uma hora.
"O desejo de produção e consumo mais consciente parece ser muito mais forte nos designers mais jovens, bem como a vontade de criar para corpos e gêneros mais amplos e diversos", explica Suzana Avelar, professora do curso de Têxtil e Moda da EACH-USP.
A empresa de tecnologia Genyz foi pioneira no Brasil em outro aspecto da moda digital: o uso de influenciadores virtuais. Para reduzir os custos com modelos e fotógrafos enquanto mantém o controle sobre a narrativa da marca, nasceu Mia, alienígena de feições humanas. O resultado foi positivo, com as peças modeladas por Mia se destacando em vendas.
Impacto na indústria
Algumas grandes marcas já começam a adotar essa tecnologia. Em novembro, a Tommy Hilfiger, anunciou que até 2022 todo seu processo de design será digital, reduzindo o gasto de materiais e o tempo do processo. A The Fabricant é uma das parceiras nesse processo.
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Para Karina Nobbs, pesquisadora britânica que estuda o futuro da moda, essa mudança podem ajudar em um mundo onde já existe um excesso de roupas. "Peças digitais podem reduzir a sobreprodução se as marcas puderem esperar para produzir com base nas reações no e-commerce e nas redes sociais".
Roupas virtuais, lojas físicas
E como vender uma peça que só existe de forma virtual? Essa é a questão que Karina Nobbs quer responder. Em novembro de 2019, ela foi responsável pela primeira loja pop-up de roupas digitais, a HOT:SECOND, em Londres.
Para entrar na loja, durante os quatro dias em que ela funcionou, era preciso doar um artigo —físico— de vestuário. Os visitantes então tinham a chance de experimentar uma peça virtual das marcas Fabricant, Carlings e Raeburn por meio de um provador em realidade aumentada e sair de lá com uma foto vestindo essa peça.
Cerca de 11 milhões de roupas vão parar em lixões do Reino Unido a cada semana, e a tendência pode ajudar a reduzir este índice. "Se os consumidores pudessem fazer o download de uma peça digital e ter sua dose de moda e endorfina, eles não precisariam comprar outra peça física", diz Nobbs.
Influência gamer
Nos últimos meses, ocorreram uma série de colaborações suntuosas entre o universo dos jogos e o da moda, como os casos de Nike x Fortnite, Moschino x The Sims e Louis Vuitton x League of Legends. "Nos games é muito comum você comprar roupas digitais, as skins, e é nisso que a gente se baseia para mostrar como faz sentido existir uma dessas para postar nas redes sociais. É só questão de tempo", diz Cairê.
E está começando. No Drest, misto de rede social e jogo liderado pela ex-editora da Harper's Bazaar britânica Lucy Yeomans, o usuário ganha pontos ao montar looks para seus avatares com peças de marcas como Gucci e Louis Vuitton, compradas com a moeda do jogo ou com dinheiro real.
O processo é semelhante ao que acontece em jogos populares como BTS World, com criações podem ser compartilhadas na plataforma ou em outras redes sociais, mas aqui há a opção de adquirir a versão física da peça de uma loja parceira. O Drest está em uso de testes, e seu lançamento completo é previsto para os próximos meses.
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