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"Éramos livres": italianos se rendem à tecnologia na quarentena

Arredores da Catedral de Milão, sem visitantes no começo de março de 2020 em meio ao surto do coronavírus na Itália - Flavio Lo Scalzo/Reuters
Arredores da Catedral de Milão, sem visitantes no começo de março de 2020 em meio ao surto do coronavírus na Itália Imagem: Flavio Lo Scalzo/Reuters

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

13/03/2020 12h00Atualizada em 13/03/2020 17h33

As restrições impostas pelo governo da Itália para enfrentar o novo coronavírus mudaram radicalmente a rotina da população. A quarentena atingiu todo o país, e agora estudantes só podem ter aulas virtuais, o deslocamento entre várias cidades só acontece se for devidamente justificado como emergência ou trabalho, e quem infringir as novas regras pode levar uma multa pesada.

Por conta dessa realidade, muitos moradores dessas regiões passaram a usar mais aplicativos e serviços da economia compartilhada, indo na contramão de seus próprios hábitos, já que segundo brasileiros ouvidos pela reportagem, muitos italianos têm pouco interesse em tecnologia, de acordo com brasileiros que moram por lá.

No último domingo (8), o governo ampliou a quarentena para outras regiões e várias cidades entraram em situação de isolamento. Calcula-se que 16 milhões de pessoas devam ficar fechadas em suas províncias.

Segundo a brasileira Maria Aguiar, 48, que mora no norte do país há 18 anos e tem dois filhos em idade escolar, o clima por lá ainda é de entendimento. Para não entrar na histeria, ela e sua família tentam manter uma rotina tranquila, mas já sentem os impactos das mudanças.

"A nossa vida mudou completamente. Antes nós éramos livres para sair de casa. A maior dificuldade para mim é que gosto de sair, fazer as compras de casa com meus filhos, gosto de qualidade na mesa. Para o italiano também. Ele lida mal porque não está acostumado a não sair", contou Aguiar.

"O italiano gosta de comer bem. Tem muita fruta, muita verdura à disposição [dentro de casa], peixe fresco, carne boa. Ele também está acostumado a encontrar os amigos, tomar café na rua, bater papo com os vizinhos", acrescentou.

Até o novo decreto de quarentena ser divulgado, a brasileira já estava saindo de casa somente quando necessário. Para fazer compras no mercado, pegar o medicamento que um de seus filhos necessita na farmácia.

Mas com o aumento dos casos da Covid-19, doença respiratória causada pelo novo coronavírus, Aguiar decidiu testar aplicativos de compra para não ter que sair de casa. O fato de o filho mais velho, de 17 anos, se tratar de bronquite asmática, é o principal motivo.

"Eu sou aquela pessoa que, para tecnologia não sou a última, mas sou quase. Só que depois de ver como a situação está eu vou me inscrever para fazer as compras [de casa] online. Aqui a gente não vai poder ficar arriscando de sair e nem nada. Quero ter mais segurança", explicou.

Aguiar lembra que na última vez que foi no mercado e na farmácia ela se deparou com filas na porta dos estabelecimentos. Funcionários faziam o controle da entrada e só permitiam poucas pessoas por vez. Todos estavam respeitando a distância uns dos outros, determinadas pelo governo.

Para ajudar a convencer a população a ficar em suas casas, vários famosos começaram a fazer campanhas no Facebook e Twitter, principalmente os mais velhos, segundo Aguiar. Apesar de uma situação difícil, a brasileira não discorda da decisão.

"A gente está tentando passar tranquilidade para as crianças. Se for necessário se fechar [em casa] por quinze dias, um mês, a gente vai fazer para que depois o resultado possa ser um pouquinho mais tranquilo", diz.

Os filhos de Aguiar até que estão enfrentando a quarentena de um modo calmo. Além dos estudos (a mãe faz questão de dizer que cobra isso deles), para se distrair eles jogam jogos mais "analógicos": carta, dominó e brincam no quintal, entre outras atividades.

Gabriele Milanesi, 47, italiano se preocupa com a mãe de 70 anos em meio ao novo coronavírus - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriele insiste para que a mãe de 70 anos fique em casa em meio ao novo coronavírus
Imagem: Arquivo pessoal

O crescimento de casos da Covid-19 também fez o italiano Gabriele Milanesi, 47, repensar a sua rotina. A sua preocupação, além da esposa e filha de quase dois anos, é principalmente com a sua mãe, que tem 70 anos. Acostumada a frequentar mercados e ter uma vida social ativa, ela foi insistentemente orientada pela família a não sair de casa.

A alternativa, segundo Milanesi, será fazer compras online e solicitar que elas sejam entregues na casa de sua mãe, já que as visitações devem diminuir para não colocá-la em risco.

"Ela é teimosa, quer no cemitério, no supermercado, fazer as comprinhas dela. Conversamos com ela e ela falou 'está bom!', mas nunca se sabe", afirmou o italiano.

Cientista brasileira Rafaela da Rosa Ribeiro, doutora em biologia celular que participa, inclusive, de pesquisas sobre o novo coronavírus,  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A cientista brasileira Rafaela mora em Milão e relata que as aglomerações estão proibidas
Imagem: Arquivo pessoal

Morando em Milão, a cientista brasileira Rafaela da Rosa Ribeiro, doutora em biologia celular que participa de pesquisas sobre o novo coronavírus, conta que aglomerações estão proibidas e só estabelecimentos como mercados e farmácias podem ficar abertos.

"As pessoas estão sendo recomendadas a ficarem em casa. Bares, danceterias, não funcionam. Se você puder trabalhar em casa, deve ficar. No meu caso, que sou pesquisadora, preciso ir para o laboratório. A gente está fazendo um revezamento para não ficar todo mundo junto no mesmo ambiente", afirmou Ribeiro.

"É um pouco isolado assim, mas é necessário e eu estou super de acordo com a medida que a Itália implementou. Claro, não é uma vida normal. Tem muitas lojas fechadas, comércio fechado, mas são medidas de segurança", acrescentou.

Maryan Id, brasileira que mora há três anos em Roma, fala sobre novo coronavírus - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maryan mora há três anos em Roma e diz que as informações sobre quarentena estão confusas
Imagem: Arquivo pessoal

Mais ao sul

O norte da Itália é sem dúvida o mais afetado pela quarentena. Mas a população da região central e sul também tenta entender o que pode e não pode com o novo decreto e o crescimento da Covid-19.

Em conversa com Tilt, a brasileira Maryan Id, 28, explica que as coisas em Roma, onde vive, estão mudando o tempo todo. Segundo o decreto, quem vive por lá não está impedido de sair de casa, mas recebe esta recomendação.

A loja em que a jovem trabalha fechou suas portas temporariamente na quarta-feira e os pontos turísticos da cidade estão completamente vazios.

"A maior mudança aqui é essa ansiedade. Eu estou tranquila, mas o clima está meio estranho. Tem pouquíssima gente na rua. Tenho amigos que já começaram a trabalhar de casa, amigas professoras estão dando aulas online", afirmou Id.

Já acostumada a usar aplicativos para tudo, de táxi a delivery, a jovem acredita que não terá que mudar tantos os seus hábitos. Mas que seus amigos italianos com certeza precisarão aprender a usar tecnologias assim.

Tenho muitos amigos jovens que eu tive que ensinar a pegar táxi, sabe? Mas acho que eles vão ter que aprender. Uso aplicativo para tudo. Peço muito delivery, uso para saber do transporte. Eles vão ter que se adaptar

Foto de ônibus com placa de "mantenha distância" em ônibus em Roma - Maryan Id - Maryan Id
Alguns ônibus em Roma começaram a circular com placas de "mantenha a distância"
Imagem: Maryan Id

O coronavírus pelo mundo

Nesta quarta-feira (11), a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou pandemia do novo coronavírus. Até o último balanço, a Covid-19, doença respiratória causada por ele, infectou mais de 118 mil pessoas no mundo e 4.291 mortes. O maior número de infecções aconteceu na China, país onde os primeiros casos surgiram.

A Itália é o segundo país com o maior índice de infectados. Até terça, ela havia registrado mais de 10,1 mil casos. Na segunda-feira (9), o governo italiano decretou estado de quarentena para todo o país e passou a restringir a entrada e saída de pessoas na região pelo menos até 3 de abril.

A recomendação e de que a população fique em casa. O deslocamento entre cidades está proibido, salvo exceções, que precisam ser justificadas mediante a apresentação de documento oficial que explique a necessidade. Quem não cumprir, pode levar multa.

Veja algumas das restrições impostas com o novo decreto italiano:

  • Reuniões públicas ficam proibidas;
  • Escolas, universidades e museus ficam fechados;
  • Discotecas e bingos não podem abrir;
  • Lojas, supermercados e outros estabelecimentos comerciais podem abrir, mas os frequentadores devem respeitar a distância mínima de um metro de distância entre eles;
  • Missas, casamentos e funerais estão proibidos;
  • Bares e restaurantes deverão fechar após 18h.

O Brasil tem mais de 70 casos confirmados.

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