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Como seria se... todo mundo resolvesse andar de carro durante uma pandemia

André Rodrigues/UOL
Imagem: André Rodrigues/UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

17/03/2020 04h00

Com o avanço do novo coronavírus, especialistas têm alertado a população para diversas ações que ajudam a diminuir a velocidade com a qual o vírus contamina as pessoas. Mas, um dos maiores desafios é o transporte. Muitos gostariam de evitar trens e ônibus cheios para se deslocar só por carros. Sabe qual seria o impacto se todo mundo fizesse isso?

Dependendo da quantidade de pessoas que troque o transporte coletivo pelo individual, a já caótica situação das nossas grandes cidades tende a ficar muito pior.

Em São Paulo, a maior cidade do Brasil, diariamente são feitas 13 milhões de viagens utilizando transporte motorizado individual, como carros, táxi e motos. A partir daí, estima-se que as ruas da cidade recebem 1,7 milhão de carros todos os dias. Os dados são da pesquisa Origem e Destino, do Metrô de São Paulo, realizada pela última vez em 2017.

Nó impossível de ser desatado

Em um cenário hipotético onde os usuários de ônibus, trens e metrôs passassem a usar carros para se locomover, esse número aumentaria numa enorme proporção. Para se ter uma ideia, são 15,3 milhões de viagens diárias usando os modais citados acima.

Vamos tentar facilitar a conta. Partiremos do pressuposto que esse número se refere apenas a viagens individuais e de ida e volta, o que significaria que, diariamente, 7,65 milhões de pessoas usam esses sistemas de transporte.

Especialistas estimam que, em média, cada carro que circula na cidade carrega entre 1,2 e 1,5 passageiros. Vamos, então, considerar a média mais otimista: essas 7,65 milhões de pessoas que largaram ônibus, trens e metrô para andar pela cidade de carro significariam um acréscimo de 5,1 milhões de veículos nas ruas.

Levando em conta apenas o impacto no trânsito, seriam 6,8 milhões de carros nas ruas —isto é, a soma dos carros que já circulam com a nova "carga" mais a quantidade original de veículos.

Eles já significariam um número superior à atual frota de automóveis da capital, segundo dados do Detran-SP. E seriam suficientes para fazer com que ninguém conseguisse ir para lado nenhum, o que só reforça a conclusão de que o transporte individual é o de menor eficiência em grandes centros urbanos.

Tamanho importa

Um dos grandes problemas do transporte individual é que a relação entre área ocupada e passageiros transportados é totalmente desfavorável para automóveis —e pior ainda, para veículos como picapes e SUVs.

Considerando um ônibus, o veículo ocupa uma área de cerca de 25 metros quadrados para levar por volta de 60 passageiros. Usando a média de 1,5 passageiro por carro, para transportar essa quantidade de pessoas seriam necessários 40 carros.

Para calcular a área ocupada por esses carros, usaremos como base o Chevrolet Onix, modelo mais vendido no país atualmente. Com seus 4,16 metros de comprimento e 1,47 metro de largura, ele ocupa uma área de 6,11 metros quadrados. Os 40 carros ocupariam, portanto, um espaço de 244,4 m².

Nesse espaço caberiam quase dez ônibus, que poderiam transportar mais de 600 pessoas.

Se a relação entre automóvel e ônibus já é desfavorável, ela fica ainda pior se compararmos com ônibus e metrô. Se o cálculo for feito levando em conta a Linha 4 de São Paulo, cada composição comporta 1.946 passageiros. Seguindo a média de 1,5 passageiro por carro, cada trem lotado poderia ser "convertido" em impressionantes 1.297 carros.

Mas não é só isso.

Questão de saúde pública

Uma vez que o número de carros nas ruas subisse de maneira acentuada, uma cidade como São Paulo veria a qualidade do ar despencar consideravelmente.

Um exemplo contrário veio da própria China, país que teve os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus. Imagens de satélite divulgadas pela Nasa mostram que as políticas de restrição à circulação tiveram como benefício secundário uma grande redução na concentração de dióxido de nitrogênio (NO²) na região, gás que é altamente nocivo à saúde.

Com a rua entupida de carros, a concentração de gases como esse e o dióxido de carbono (CO²) no ar seria muito maior, aumentando a ocorrência de problemas respiratórios na população. É um efeito com potencial especialmente catastrófico se pensarmos que a pandemia causada pelo novo coronavírus é, justamente, de uma doença que ataca o sistema respiratório.

Além disso, esse colapso no trânsito inviabilizaria a circulação de veículos de socorro, como ambulâncias, e também de serviços de segurança, como carros policiais.

Fontes:: Rafael Castelo, professor de Engenharia Civil do Centro Universitário FEI
Carlos Alberto Bandeira Guimarães, professor da área de Transportes da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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