Covid: "app de mercado irlandês cresce 300% e pode salvar minhas compras"
Sem tempo, irmão
- Buymie sentiu aumento de 300% na sua demanda diária por entregas
- Número de usuários cresce 190% depois das medidas para conter vírus
- Startup quer expandir para todo país e atender grupos de risco
Estávamos na segunda aula quando o professor parou no meio da sala. Com o celular na mão, disse que o primeiro ministro da Irlanda, Leo Varadkar, tinha acabado de anunciar o fechamento de todas as instituições de ensino, repartições públicas e centros culturais para conter o coronavírus no país.
Foi na última quinta-feira (12). No meio do pânico, as pessoas começaram a aconselhar umas as outras a correr para o mercado para comprar comida. "Estoquem comida", recebi em grupos de WhatsApp de brasileiros que moram na Irlanda.
Eu segui o conselho. Sai correndo da sala de aula direto para um dos maiores supermercados da rede Tesco, uma das principais da Irlanda e do Reino Unido, que fica no centro de Dublin. Era finalzinho da manhã e o Tesco da Jervis Street já estava lotado, com filas enormes e gente carregando o que podia. No fim do dia, alguns dos meus "housemates" [colegas de residência] não conseguiram comprar nada porque as prateleiras estavam praticamente vazias.
Poucos dias depois, o governo irlandês pediu o fechamento de restaurantes e pubs em plena semana que se celebrava a festa de São Patrício, o padroeiro do país. Desde então, os supermercados têm reservado horários específicos para que idosos possam comprar seus mantimentos e se manter seguros contra o vírus. O isolamento social se sente nas ruas e avenidas da maior cidade da Irlanda.
Eu comecei a me questionar se as pessoas, e principalmente aqueles que fazem parte dos grupos de risco, precisavam sair de casa para comprar comida (ou papel higiênico, o que parece ser o item global favorito daqueles que entram em pânico por causa do coronavírus).
"Dublin é um dos principais polos de tecnologia da Europa, deve haver uma solução", pensei com os meus botões.
Foi pensando nisso que eu baixei um aplicativo que oferece um serviço de entrega de compras de mercado, chamado Buymie. A startup é irlandesa e trabalha com duas das principais redes de supermercado que atuam no país: o Lidl e o Tesco.
Funciona assim: você baixa e faz um cadastro, escolhe os produtos no supermercado da sua preferência. Na hora de pagar, você escolhe se quer que as suas compras sejam entregues em uma, duas ou três horas após a compra.
Eu sou jornalista de formação, mas trabalho como garçonete e bartender em um pub no centro de Dublin, que fechou na segunda-feira depois que o governo determinou que bares e restaurantes deveriam ser fechados para evitar a transmissão do vírus.
Se formos proibidos de sair na rua, como está acontecendo em outros países, o Buymie poderá sim ser uma alternativa para eu e meus colegas comprarmos comida para reduzir a possibilidade de evitar o contágio.
Aumento de 300%
Com a minha dispensa cheia, ainda não precisei fazer uso da tecnologia. Mas muita gente já se ligou que essa pode ser uma boa opção para não deixar o auto-isolamento nas suas casas nem mesmo para comprar comida. Em uma semana, as entregas diárias feitas pela Buymie aumentaram 300%, segundo o executivo-chefe e cofundador da startup, Devan Hughes. Ele me contou que o número de usuários da plataforma cresceu 190% na última semana.
"Estamos vendo um crescimento consistente no nosso volume diário. O crescimento na categoria de compras online agora é exponencial, e os varejistas tradicionais estão lutando para apoiar essa mudança de mercado", contou em entrevista ao Tilt.
As entregas custam 4,99 euros (quase R$ 27). Para compras abaixo de 40 euros (R$ 221), é cobrada uma taxa extra de 3 euros (R$ 16). O usuário também pode adquirir um plano anual e não pagar nenhuma taxa para compras acima de 40 euros. Eu sei, pode parecer um preço meio salgado para quem tem o real tão desvalorizado como moeda de referência.
Não há limites de compra. Um único cliente pode comprar o supermercado inteiro, se ele quiser, segundo o executivo da Buymie.
Hughes me contou que o aplicativo tem a capacidade de atender 480 mil famílias na Grande Dublin e no condado de Wicklow. Ele tomou para si a missão de fazer com que a Buymie chegue o mais rápido possível a outros lugares da Irlanda para que as pessoas —principalmente as dentro do grupo de risco— não tenham que sair para ir ao mercado.
"A Buymie tem a capacidade de expandir seus serviços de entrega em todo o país para reduzir diretamente a transmissão comunitária (do coronavirus) em áreas urbanas e suburbanas densamente povoadas", assegura Hughes.
Contra o pânico do desabastecimento
Devan Hughes me disse ainda que a possibilidade de comprar online evita que as pessoas saiam de casa e ainda reduz o pânico do desabastecimento. Desde a última quinta-feira, alguns itens estão com limite de venda. Ou seja, se uma pessoa quiser comprar só para ela 100 rolos de papel higiênico, não vai rolar.
"Nós tivemos que limitar a venda de alguns itens. A razão para isso é que o pânico atual tem colocado muita pressão na cadeia de suprimentos de supermercado. Nós tivemos que reduzir para permitir que a cadeia se suprimentos se recupere", disse.
Quando as medidas mais duras começaram, a Irlanda tinha pouco mais de 70 casos. No boletim mais recente divulgado ontem, o departamento de saúde informou que já temos 366 casos confirmados da Covid-19 e duas mortes.
Em pronunciamento nacional feito no dia de São Patrício, Leo Varadkar disse que "essa é a calma que vem antes da tempestade, e o aumento virá". As projeções são de que haja 15 mil casos em todo o país até o fim do mês.
Foco nos grupos de risco
Se no Brasil tem se popularizado iniciativas de vizinhos mais jovens se oferecendo para ir ao mercado para moradores idosos, a Buymie quer ser a responsável na Irlanda por fazer esse trabalho para os integrantes dos grupos de risco.
Essa semana, a startup iniciou conversas com o governo irlandês e com possíveis investidores privados para tentar expandir a sua rede de atuação.
"Com o apoio do governo, nós poderemos facilmente focar nossos esforços em entregar suprimentos essencialmente para os grupos de pessoas mais vulneráveis: pessoas idosas e aqueles que estão em auto-isolamento", contou Devan Hughes.
Segundo ele, o sistema da Buymie é capaz de processar a oferta e a demanda nacional dos supermercados, em tempo real, e ao mesmo tempo distribuir os produtos de maneira descentralizada. Afinal, a entrega tem a mesma lógica de empresas como Uber Eats e Deliveroo: os entregadores podem se cadastrar na plataforma, receber treinamento e começar a trabalhar.
"Nosso negócio não precisa de vans comerciais ou centros de distribuição adicionais. Poderíamos expandir para outras cidades irlandesas dentro de duas semanas após a assinatura [de um contrato] com o governo", afirma.
Quem protege os entregadores?
Essa poderia também ser uma oportunidade de renda para quem perdeu o emprego ou está trabalhando menos horas por causa das medidas impostas pelo governo, me disse Devan.
"Qualquer pessoa afetada pela crise poderia ser trazida para dentro da plataforma da Buymie como um 'personal shopper' (tipo um Uber Eats, mas para levar as compras do mercado na casa da pessoa). Eles seriam treinados usando os mesmos sistemas online que temos desenvolvido ao longo desses dois últimos anos e também forneceríamos acesso a medidas de mitigação de risco do Covid-19", disse.
Segundo o chefe da Buymie, a startup introduziu na plataforma um procedimento de entrega sem contato, o mesmo que vem sendo adotado por outras plataformas de entrega de comida online, como Deliveroo e Uber Eats.
Sem casamento por causa da covid-19
Assim que eu pedi para entrevistá-lo, Devan Hughes disse que tinha um "fun fact" sobre o assunto para contar. Irlandês, ele me disse que estava prestes a se casar com uma compatriota minha,—uma carioca de Guapimirim— mas que eles decidiram cancelar a festa, que aconteceria no dia 7 de abril em Morro de São Paulo (BA).
"Tivemos que cancelar o casamento porque sentimos que os riscos eram altos demais e não queríamos que um grande número de convidados europeus viajasse para o Brasil. A Europa agora é o epicentro desse vírus e sentimos que precisávamos tomar ações responsáveis para garantir a segurança de nossas famílias europeias e brasileiras", contou.
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