Do drink à ioga: tecnologia para interação faz bem para mente na quarentena
Sem tempo, irmão
- Na quarentena, pessoas usam mais redes sociais, apps e jogos para interagir com amigos
- Ferramentas da tecnologia podem ser úteis para a nossa mente, dizem especialistas
- Pessoa em quarentena pode desenvolver efeitos parecidos com estresse pós-traumático
- Para idosos, interação digital pode ser importante para driblar isolamento
Tem muita gente se mobilizando para encontrar amigos, tomar cerveja, bater papo e praticar exercícios com colegas. Mas não, não estamos livres do coronavírus, e sim, você precisa permanecer em casa. O que acontece é que as pessoas estão cada vez mais usando redes sociais, aplicativos e jogos para interagir com a rede de amizades e, assim amenizar a sensação de solidão e isolamento.
Especialistas ouvidos por Tilt afirmam que esse isolamento imposto pela epidemia pode ser um gatilho para o desenvolvimento de doenças mentais, como depressão e transtorno de ansiedade. A boa notícia é que todos os recursos digitais que permitem interação, quando usados "para o bem", podem se úteis para mantermos nossas mentes sãs durante esse período.
"Se a pessoa já tiver a predisposição genética para doenças psiquiátricas, mesmo que nunca tenha apresentado nenhum sintoma anteriormente, o isolamento social e a tensão causada pelo atual panorama podem servir de gatilho para o desenvolvimento de transtornos mentais", conta o presidente da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), Antônio Geraldo da Silva.
Isso porque estar com os outros, compartilhando experiências cotidianas, angustias e alegrias, é algo decisivo para a proteção psíquica das pessoas, segundo Christian Dunker, psicanalista e professor titular da Universidade de São Paulo.
"A gente não percebe que os nossos fitoterápicos para ansiedade, para depressão, são as outras pessoas, a presença, o olho no olho. Na hora que a gente perde isso, a gente vê que está faltando alguma coisa dentro da gente", diz.
Acostumado a sair para tomar cerveja com os amigos, o brasileiro e pedagogo Daniel Cerqueira, 42, se encontra hoje confinado na casa de uma amiga em Lisboa (Portugal). Ele mora em Barcelona (Espanha) e ia passar apenas uma semana visitando amigos e curtindo a capital portuguesa quando as fronteiras foram fechadas por causa do coronavírus.
À reportagem, disse que desde então sente angústia e ansiedade. "Essa sensação que a gente fica, de estar parado em um lugar e não poder sair, a não ser para as coisas básicas, foi aumentando", contou.
Para amenizar esses sentimentos, Daniel fez uma postagem no Facebook chamando os amigos que também estavam confinados para fazer um "boteco online". Doze compareceram à "mesa de bar" e a conversa durou quatro horas.
"Cada um providenciou seus petiscos, cervejas, vinhos, sucos, refrigerantes. A gente falou bastante da Covid-19, de como cada um está lidando, como esta o confinamento em cada um dos países, sobre o atraso do Brasil a tomar as atitudes que tem que ser tomadas. Mas a gente também riu, falou bobagem, como amigos fazem num boteco", contou.
Ele disse que o grupo vai repetir a dose. "Nós todos estamos conversando hoje que fez muito bem para nossa saúde mental. É importante sorrir e descontrair desse momento tenso e incerto que estamos vivendo", disse.
Também para amenizar a ansiedade do noticiário, a cada dois dias os amigos Manuela Reis (32), Aline Galvão (32) e João Lopes (28) têm um encontro marcado para jogatina.
Os três são brasileiros e moram em diferentes partes do globo: Manuela em Auch (França), Aline em Algarve (Portugal), e João Lopes em Pernambuco (Brasil), mas baixaram um app chamado Houseparty (iOS, Android), que traz quizzes, desafios e outras brincadeiras para serem jogadas entre amigos.
Manuela Reis conta que eles jogam à noite, mais ou menos no horário em que novos boletins são divulgados.
"Quando no Brasil são umas 19h, aqui é 23h, que é quando começam a ser divulgados os balanços do dia e aí, consequentemente, começa a dar mais essa ansiedade. A gente tem combinado bem tarde antes de dormir, que é para não ficar naquela paranoia, grudado no celular, vendo as notícias só sobre o coronavirus. A ideia é dar mais esse equilíbrio", conta.
Efeitos podem durar por três anos
Dunker conta que chats, videochamadas e outras formas de interação social virtual são sim eficazes para manter a saúde mental das pessoas em isolamento. Citando uma pesquisa recente publicada na revista Lancet, ele afirma que uma pessoa em quarentena pode desenvolver efeitos semelhantes ao do estresse pós-traumático, que vão se acumulando, e podem permanecer até três anos depois.
"[Isso é] o que faz a gente pensar que é preciso sim uma atenção especial à saúde mental nesse momento, envolvendo as tecnologias de apoio e suporte", diz. Ainda segundo ele, a pesquisa mostra que numa situação de quarentena o celular é item obrigatório para adultos e crianças, porque atua como um objeto mediador.
Dunker afirma gostar particularmente das tecnologias que ajudam as pessoas a meditar, a praticar ioga juntas, porque, segundo ele, essas experiências fazem com que as pessoas criem estados alternativos de consciência.
Moradora da capital paulista, a arquiteta, professora e atriz Carolina Andrade Pereira, 35, conta que fazer ioga e recitar mantras virtualmente com amigos tem ajudado a superar a ansiedade causada pelo isolamento e pelas notícias sobre a pandemia.
"Hoje eu marquei com uma amiga de fazer ioga por vídeo. Ela é daqui de São Paulo, mas mora agora no Ceará. Eu também falei para os meus amigos para a gente fazer um mantra coletivo", conta Carolina.
Para ela, o mundo virtual tem ajudado muito a lutar contra esse mal-estar que tomou conta da nossa sociedade por causa da pandemia.
"O nosso mundo era global. Era tão fácil de ir e vir, de acordar amanhã em outra cidade. Essa facilidade de encontros das culturas agora fechou. Mas graças a Deus tem a internet e o vídeo para a gente ficar mais próximo e se sentir acolhido pelas pessoas", conta.
Que as tecnologias estão ai para serem usadas ninguém duvida, mas para combater ansiedade no meio da pandemia ainda valem os bons e velhos hábitos de leitura e autocuidado.
"Busque atividades que não estejam ligadas à tecnologia: leia, escreva, faça atividades manuais, cuide das plantas, dedique-se a rituais de beleza e bem-estar durante o banho. Todas estas estratégias podem nos auxiliar a passar de forma mais suave por este período crítico, cuidando da nossa saúde mental", aconselha Antonio Geraldo, da ABP.
Idosos e tecnologia, um match possível
Um pouco antes de o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciar que as pessoas não poderão mais sair às ruas sem uma justificativa, Manuela Reis foi viver na zona rural de Auch com o marido. Tudo isso para estarem mais próximos da avó dele. "A gente ficou pensando muito no psicológico dessas pessoas idosas depois de passarem 15 dias, um mês sem ver ninguém. Aqui os idosos já são bem isolados", contou.
Infelizmente a avó do marido de Manuela não é familiarizada com a tecnologia. Mas recentemente três velhinhas inglesas viraram notícia por se isolarem juntas por uma semana, assistindo a séries de TV e dando entrevistas por Skype.
De fato, por fazerem parte do grupo de risco da covid-19, os idosos são os que mais têm sofrido com o isolamento social. "O uso da videoconferência com os netos, familiares e amigos pode ser uma boa estratégia", aconselha Antonio Geraldo, da ABP.
Christian Dunker dá outra dica: "É bom deixar o vídeo aberto e seguir as tuas atividades cotidianas de tal maneira que você consiga acompanhar um pouco da vida cotidiana do outro, reproduzindo uma situação de uma casa normal. Esse sentido de partilha é muito bom, principalmente para as pessoas mais velhas, para que elas adquiram outra relação com o mundo digital".
Isolamento não deve ser visto como perda de liberdade
Entre conversas sobre a covid-19, política e amenidades, um assunto "filosófico" surgiu no boteco online promovido pelos amigos de Daniel Cerqueira: a importância das conexões físicas, reais.
"A gente falou bastante sobre isso ontem. Quando estamos na correria do dia a dia, vivemos conectados aos nossos amigos no mundo virtual, mas não damos valor ao real. Quando a gente não tem o real, a gente percebe o quanto ele é importante", disse.
Dunker traz a velha premissa de que "a gente precisa perder para dar valor". "Essa situação, que é uma situação de perda relativa de liberdade, tende a valorizar o espaço público e as conversas diretas que a gente adia, que a gente diz que uma hora vai ligar, que uma hora vai marcar com aquele amigo. [A gente] vai colocando na lista das dívidas que a gente tem com os outros", disse.
Para Antônio Geraldo da Silva, da ABP, não se pode entender esse momento como restrição de liberdade, mas como "um momento vivencial diferente, um privilégio". "De repente, é o momento para reavaliar as relações sociais, familiares e crescer. O ser humano emerge em situação de emergência. E nós podemos emergir daí", diz.
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