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HC corre para ter inteligência artificial que ache Covid-19 em tomografia

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Imagem: iStock

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

25/03/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Hospital das Clínicas da USP corre para criar inteligência artificial que identifique covid-19
  • A ferramenta "lerá" tomografias de pulmões em busca de padrões deixados pelo coronavírus
  • Exame por imagem é usado para detectar pacientes com quadro clínico mais severo
  • Mas, na falta de testes de coronavírus, está sendo usado para diagnosticar a doença
  • No futuro, essa IA vai prever quais pacientes precisam de tratamento urgente

Com as vítimas de Covid-19 prestes a inundar a rede pública de saúde, o Hospital da Clínicas em São Paulo está correndo para ter um sistema de IA (inteligência artificial) que identifique o coronavírus usando a tomografia de pacientes.

Como os testes laboratoriais estão em falta, a técnica pode até ser usada para diagnosticar doentes, mas a aposta é que ela sinalize quem tem maior urgência no tratamento. O projeto está sendo acompanhado de perto pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), que quer implementar em todo o país.

Um algoritmo complexo como este demora entre seis meses e um ano para ser criado. Mas, por causa da urgência, a expectativa é que esteja operacional em um mês. Para se ter ideia da agilidade dos trabalhos, as plataformas iniciais começam a ser testadas já nesta quarta-feira (25), enquanto uma versão inicial deve estar rodando dentro de uma semana.

O desenvolvimento é feito em conjunto pelo HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo), pelo InRad (Instituto de Radiologia da USP) e pelo Hospital Sírio Libanês e pela empresa de serviços Deloitte, que estrutura o projeto.

As tomografias computadorizadas são o principal exame para mostrar o estado dos pulmões atingidos por doenças respiratórias. No caso do coronavírus, a aparência é de que os órgãos apresentam aspecto de vidro fosco, com maiores concentrações nas laterais, periferia e na base. É esse padrão que a IA vai buscar ao analisar esses exames.

"É o comprometimento pulmonar que acaba levando o paciente à morte", diz Giovanni Guido Cerri, presidente do Conselho Diretor do InRad e membro da Comissão de Inovação do HCFMUSP.

Por enquanto, os pesquisadores reuniram tomografias de quase uma centena de pacientes com covid-19, realizadas pelo HC, Instituto Fleury e Hospital Sírio Libanês. A essas imagens serão acrescidos diagnósticos por imagem feitos em outros hospitais. Tudo isso vai formar uma grande base de dados que servirá para o algoritmo de IA aprender o que ele tem de buscar.

A experiência de outros países mostra que o estado de saúde de cada paciente pode mudar subitamente. "Em questão de 24 horas, tem pacientes que pioram muito", diz Cesar Higa Nomura, diretor do Centro de Diagnostico por imagem do Instituto do Coração e superintendente de medicina diagnóstica do Sírio Libanês.

Ainda que seja usado para checar os já doentes, o exame passou a ser pedido por quem quer só saber se já contraiu covid-19, justamente por não encontrarem testes específicos para o coronavírus. A falta é tamanha que o Ministério da Saúde indica testar apenas os que estão internados e em estado mais grave.

"Tomografia virou um jeitinho. Ela não é indicada para assintomático, mas muita gente está pedindo tomografia porque estamos com dificuldade de fazer os testes, diferentemente da Coreia do Sul, Estados Unidos e China", comenta Nomura.

E o resultado até sai mais rápido. "A tomografia acaba até antecipando o teste, que às vezes não é feito ou demora para ter resultado. Não raro, demorou seis dias nas últimas semanas", diz Cerri.

Nesses casos, o diagnóstico de coronavírus não pode ser feito exclusivamente com base na tomografia. É preciso atestar que a pessoa possui outros sintomas, como tosse seca, febre e dificuldade para respirar.

Até agora, os casos da doença estavam sendo tratados na rede privada. Mas os médicos acreditam que os hospitais públicos começarão a receber muitos doentes. Só o HC reservou 900 leitos para receber enfermos, dos quais 200 são na UTI. Dentro desse quadro de possível caos, a IA será uma importante aliada.

A IA visa duas coisas: melhorar a produtividade, fazer com que os diagnósticos sejam feitos de forma mais rápida, e aumentar precisão. Ela ajuda o radiologista a identificar o caso suspeito, assinalar as regiões suspeitas para que ele não perca tempo e não perca casos positivos
Giovanni Guido Cerri, do InRad e do HCFMUSP

A criação dessa plataforma de análise inteligente vai acontecer em duas frentes, diz Marco Bego, diretor executivo do InRad e Diretor do InovaHC. Já nesta quarta-feira testarão três algoritmos prontos que leem tomografia: um criado na China pela gigante das telecomunicações Huawei, outro desenvolvido por universidades espanholas e um terceiro, feito por uma startup brasileira.

Em paralelo a isso, será desenvolvido do zero um algoritmo próprio. As plataformas candidatas a abrigar essa iniciativa são as da Amazon e da Siemens, com quem o governo do Estado de SP já tem contrato.

"Se um desses algoritmos que a gente testar estiver com a assertividade atestada, a gente quer em menos de 30 dias estar com ele já operacional", diz Bego. Um trabalho desses costuma demorar entre seis meses e um ano, destaca Nomura. "Se levarmos seis meses esse algoritmo não seria tão útil."

A partir daí, o serviço será atualizado. Ele também processará dados clínicos, de idade e de sexo para prever qual paciente terá mais risco de melhorar. "No futuro, a IA poderá ajudar os médicos a direcionar qual paciente vai pra UTI, pra semi-intensiva e qual vai para casa."

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