Da contenção à supressão: veja fases que países atravessam na luta a covid
Sem tempo, irmão
- Países asiáticos realizaram contenção, que é identificar e isolar pessoas doentes
- Na mitigação, EUA e Brasil tentam achatar curva de transmissão
- Mais radical, supressão é isolamento em larga escala; Itália e Espanha já fazem
Distanciamento social nas ruas, quarentena e imunização são apenas algumas das estratégias adotadas pelos países para evitar que o novo coronavírus se alastre ainda mais pelo mundo. No geral, essas ações são enquadradas pelos epidemiologistas em três fases no combate à pandemia: contenção, mitigação e supressão.
Especialistas afirmam que não há bem uma fórmula a ser seguida, pois os fatores de transmissão variam de país para país —já são 196 afetados. No caso de um com dimensões continentais como o Brasil, de região para região.
"Em cada região, cidade, estado ou nação, os fatores de transmissão são muito particulares. Então o que vale para a Itália pode não valer para a Alemanha, nem para o Brasil", conta Alexandre Naime Barbosa, chefe do departamento de Infectologia do Hospital das Clínicas da Unesp-Botucatu.
A transmissão varia de acordo com fatores como a densidade populacional, composição de faixa etária, distribuição de renda e até condições climáticas. "Tem a questão de hábitos e costumes também. Quem que você acha que tem mais obediência às leis públicas, por exemplo: uma cultura germânica ou uma cultura latina?", questiona.
Tilt agrupou alguns países em cada uma das três etapas para mostrar o que eles fizeram ou andam fazendo para enfrentar o covid-19. Em países imensos como o Brasil e os Estados Unidos, as três etapas podem estar presentes ao mesmo tempo, a depender da incidência de casos por região.
Contenção
Países: Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, China
O que é: Quando um local identifica o seu primeiro caso de infecção pelo agente causador de uma pandemia (vírus, bactéria ou qualquer outro microorganismo causador de doenças), o sistema de saúde desse lugar inicia um protocolo conhecido como contenção.
Nesse estágio, ocorre o seguinte:
- Identifica-se todas as pessoas que contraíram a doença;
- Essas pessoas são isoladas para, assim, quebrar a cadeia de transmissão.
É preciso agir rápido para conseguir esse resultado. No caso dos países asiáticos citados acima, tem dado bastante certo.
"Na contenção, a gente é bem incisivo e adota medidas mais radicais para isolar os primeiros casos antes que eles se alastrem e antes que a gente evolua para o que a gente tem agora no Brasil, que é a transmissão comunitária", conta Natanael Adiwardana, médico infectologista e bolsista em controle de infecções hospitalares pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Para isolar os casos, é preciso testar o máximo de pessoas e ter um sistema de monitoramento eficiente e rígido.
Ações: Em Taiwan, por exemplo, mais de 27 mil pessoas já foram testadas e o país tem 252 casos confirmados, com duas mortes. A Coreia do Sul pôs todo o seu sistema de saúde para testar e diagnosticar quem tinha o vírus nas áreas críticas. Logo após o primeiro caso, o país viu que a origem da epidemia vinha da cidade de Daegu, no norte, onde três quartos do total de casos foram registrados.
Em Cingapura, os testes são feitos de graça e os hospitais passaram a entrevistar todos que tinham vindo do exterior. Até imagens de câmeras de segurança estavam sendo usadas para rastrear onde o caso suspeito esteve e com quem ele teve contato. E a China, berço da pandemia, isolou cidades inteiras e impediu a entrada de pessoas de outros países.
Nesses países, os casos suspeitos foram imediatamente isolados em quarentena rigorosa, com o governo monitorando até o celular do possível infectado. Quem sair da quarentena em Taiwan paga uma multa de mais de US$ 33 mil dólares. Um paciente em Cingapura perdeu até o visto de residência permanente por quebrar as regras do isolamento.
Comentário dos especialistas: "Eles enfrentaram bem porque eles são pequenos. Com uma população pequena e um PIB enorme, eles conseguem testar todo mundo. Com o fechamento de um ou dois aeroportos você consegue fechar o país inteiro. É muito mais fácil você controlar uma epidemia [em países com essas características] do que um país continental como o Brasil ou um não tão rico quanto a Itália", contrapõe Alexandre Naime Barbosa, da Unesp.
Mitigação
Países: Brasil e Estados Unidos
O que é: Quando a contenção não funciona, vem a fase de mitigação. É quando reconhecemos que não tem mais como identificar e isolar todo mundo, então é preciso tentar diminuir os danos sobre a saúde pública.
Como o próprio nome sugere, a mitigação pretende:
- Diminuir o número de casos --ou achatar a curva de transmissão, como se diz hoje em dia;
- Mas não necessariamente tem o objetivo de suprimir novos casos.
"No caso do coronavírus, você permite certa circulação de pessoas, certa aglomeração social de forma controlada para que os casos apareçam de forma controlada sem sobrecarregar o sistema. Nesse modelo de mitigação você reduz o número de casos, mas não suprime por completo", explica Estevão Urbano Silva, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e membro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
Sem conseguir testar todo mundo e com transmissão comunitária, os EUA e o Brasil de maneira geral entraram nessa fase da pandemia.
Ações: Nos EUA, já são mais de 54 mil casos confirmados e mais de 730 mortes, segundo a CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). O país só fica atrás da Itália e da China no volume de casos confirmados. As medidas de isolamento já atingem 13 estados do país, sendo Nova York o estado mais atingido pela Covid-19.
Em 16 de março, a Casa Branca pediu que a população americana ficasse em casa durante 15 dias e ajudasse a "desacelerar a propagação do coronavírus". O governador de Nova York disse que as medidas de controle de densidades têm funcionado, pois tem reduzido o número de hospitalizações diárias.
No Brasil, já são mais de 2.400 casos confirmados e mais de 50 mortes. O estado de São Paulo concentra o maior número de casos. Vários estados têm recomendado ou decretado quarentena para toda a população.
Tanto nos EUA quanto no Brasil, os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro têm repetido serem contra o regime de quarentena para todo mundo, argumentando que é ruim para a economia.
Adiwardana, do Emílio Ribas, faz a ressalva de que alguns lugares no Brasil ainda estão em fase de contenção, porque os casos confirmados ainda não passaram de 50, e os governos ainda estão focados em testar e isolar todo mundo que teve contato com o vírus.
Comentário dos especialistas: "O problema é que muitos já estão perto do que a gente chama de volume crítico de casos, a partir do número 50 geralmente, e isso a gente viu na Itália, no Irã, na Coreia [do Sul], os casos começam a se multiplicar geometricamente, exponencialmente. Todos esses estados que estão perto do número 50 vão começar a evoluir todos para a fase de mitigação e supressão severa", explica.
Para Alexandre Naime Barbosa, da Unesp, o modelo adotado pelo Brasil é adequado às necessidades brasileiras. "Eu acredito que o que foi feito em termos de restrição, de distanciamento social é adequado no momento. Só vamos ter certeza disso no futuro", disse.
Supressão
Países: Itália, Espanha, França, Reino Unido
O que é: Uma estratégia radical dentro da fase de mitigação que isola ao máximo as pessoas para tentar conter a transmissão da doença.
Ações: Desde o dia 9 de março, toda a Itália está sob quarentena. O país é considerado o epicentro da pandemia na Europa, o segundo do mundo em número de casos e o primeiro a adotar o chamado "lockdown" nacional. O grande volume de casos confirmados, de mortes e o caos no sistema italiano de saúde fizeram com que o país saísse da fase de mitigação do vírus para a de supressão em um curto espaço de tempo.
O país já tem mais de 74 mil casos confirmados e 7,5 mil mortes, segundo o Ministério da Saúde italiano.
A supressão não acontece do dia para a noite. Assim como aconteceu na Itália, o cerco foi se fechando gradativamente até resultar numa quarentena nacional em outros países europeus, como a Espanha e a França.
As pessoas não podem circular nas ruas, exceto para comprar comida e medicamentos — ou para trabalhar, no caso dos profissionais de saúde, sob o risco de ter que pagar uma multa se desrespeitar as regras.
Essa semana o Reino Unido adotou essa estratégia. Na segunda-feira (23), o primeiro-ministro, Boris Johnson, decretou que os britânicos só estarão autorizados a deixar suas casas para fazer compras, exercício físico ou trabalhar, caso seja absolutamente necessário. Quem não respeitar as regras poderá pagar uma multa.
A nova estratégia foi considerada uma reviravolta, tendo em vista que o país adotou no início um modelo polêmico conhecido como "imunização de rebanho". Na prática, o governo britânico não faria nada e deixaria que o coronavírus ataque toda a população gerando imunidade coletiva. Mas após projeções pessimistas, o modelo foi abortado.
Comentário dos especialistas: "Já reconheceu-se que [mesmo com as medidas de mitigação] a gente não vai conseguir frear a doença e que se a gente não tomar as medidas mais radicais de supressão, os estragos vão ser gigantescos", explica Natanael Adiwardana, do Instituto Emílio Ribas.
Barbosa, da Unesp, explicou a lógica da imunização de rebanho. "Imagina uma população de 100 pessoas. Esse vírus circula e infecta cerca de 80 dessas 100 pessoas. Vamos supor que cinco delas vão morrer e outras 75 vão desenvolver imunidade. Porque essa doença circulou em 80% da população, esse patógeno não consegue circular mais porque as pessoas já têm imunidade. Então as outras 20% estão protegidas. O patógeno vai deixar de circular."
Mas nada é tão simples quanto parece. Na vida real, muito mais pessoas poderiam acabar morrendo se todo mundo deixar o contágio do vírus seguir seu curso natural. Um estudo matemático feito pelo Imperial College of London foi a principal razão da mudança radical de estratégia do governo do Reino Unido. Ele mostrou que no ritmo que as coisas andavam mais de 250 mil pessoas morreriam no país por causa da Covid-19.
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