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Usar desafios de games tira cérebro do conforto e melhora aulas virtuais

A lógica dos jogos pode ajudar alunos a aprender melhor - Getty Images
A lógica dos jogos pode ajudar alunos a aprender melhor Imagem: Getty Images

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

27/03/2020 04h00

A chamada gamificação virou uma palavrinha comum em ambientes de treinamento e educação, mas ainda gera dúvidas. Não, não estamos falando de crianças levarem o videogame para sala de aula ou baixar dezenas de jogos educativos no celular. A ideia é levar para a sala de aula conceitos usados em games, como a melhoria constante do "jogador" e o senso de progressão, para incentivar e aprimorar o aprendizado.

Estudo liderado pelo professor Paul A. Howard-Jones, especialista em neurociências e educação, apontou que o uso de técnicas de gamificação ajudam a instigar o cérebro e evitar que ele entre num modo parecido com uma zona de conforto, que diminui o aprendizado.

"O objetivo é modificar o comportamento das pessoas por meio do uso da linguagem e dos elementos dos jogos. Na sala de aula, o professor pode utilizar como estratégia para motivar os alunos", explica Tiago Eugenio, especialista em gamificação pela Quest To Learn, de Nova York (EUA).

Ampliar as ferramentas de aprendizado tem se mostrado ainda mais importante nos últimos tempos, com cada vez mais gente fazendo cursos a distância, em plataformas, vídeo-aulas, apps ou redes sociais. Muitas escolas adotaram o esquema de aulas online durante a pandemia do coronavírus.

Táticas como a gamificação e o uso de outras ferramentas digitais servem para dar mais flexibilidade ao aprendizado enquanto incentivam frequência e pontualidade dos alunos, dizem os especialistas. Além de ser um recurso considerado simples e de baixo custo, há quem defenda que a preparação prévia para as aulas gera mais envolvimento e até menos casos de indisciplina em sala.

Para Eugenio, a técnica é importante para motivar alunos a consumir informações e participar das tarefas propostas pelo professor, às vezes em formatos pouco habituais. "Nenhum aluno suportará ficar diversas horas em videoconferências diárias", diz.

"Não dá para achar que dar aula em frente a uma câmera é igual a dar aula presencial em sala, muito menos que arquivos PDF 'estáticos' são livros digitais", afirma Jean Rafael Tomceac, educador e coordenador do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) e especialista em aprendizagem lúdica.

Segundo ele, o lúdico e os jogos são algo muito profundo e antigo na nossa civilização. Mas, para funcionar, dependem de acordos entre o professor e alunos. "O que sabemos, na prática, que não é nada fácil. Cada turma tem suas características, cada aluno é um aluno. Fica para o professor inovador, aquele que se incomoda e tem um 'bichinho' da mudança, a tarefa de saber em que momentos aplicar alguma estratégia que use a gamificação."

Mas, ele defende que a prática veio para ficar. "Como toda onda, a gamificação passou por uma período de desconfiança e tentativas. Isso é ótimo, pois nas práticas em sala de aula sobraram apenas as experiências que realmente deram certo", diz.

Use, com moderação

A adoção da gamificação exige cuidados, o principal deles é garantir que a experiência funcione como um incentivo, não como uma frustração — o que pode acontecer quando os alunos entram num clima de competição.

"Há uma linha tênue entre potencializar a vontade de aprender e transformar esse recurso tão rico em um detrator do processo de aprendizado", diz Katycia Nunes, consultora de soluções educacionais e especialista em aprendizagem digital. "É importante tomar cuidado com disputas. A ideia de usar a gamificação é fazer disso algo positivo, capaz de engajar tanto quem está em primeiro quanto quem está em último lugar."

Tomar cuidado com disputas não significa evitá-las por completo. Para Tiago Eugenio, é importante expor os alunos a cenários colaborativos ou competitivos com cooperação para que haja desenvolvimento das habilidades sociais e emocionais. "A gamificação gera impactos diretos sobre o comportamento das pessoas e acaba flertando com questões como rendimento e produtividade", explica.

Um dos segredos, acredita Nunes, é que haja propósito em todas as etapas. "Usar tecnologia pela tecnologia não é a solução", explica.

Um levantamento publicado no "Educational Psychology Review" reuniu 58 estudos para apontar que os chamados "detalhes sedutores", que funcionam como "firulas" ou conteúdos feitos só para gerar atração, na verdade prejudicam o aprendizado.

Para Eugenio, é um erro querer usar essas tecnologias simplesmente porque são legais e atrativas para os alunos. "É importante ter muita clareza quanto a sua intencionalidade pedagógica. Somente após definir o objetivo que o professor deve pensar na tecnologia em si e avaliar se é adequado ou não usar determinada tecnologia no processo de ensino e aprendizagem", diz.

Isso quer dizer que é preciso também qualificar os professores.

"Não adianta ter salas equipadas e usar métodos tradicionais de ensino, e não uma educação digital", completa Nunes. "Mais importante do que definir se vai ser usado um caderno ou um notebook é enxergar a educação como um processo de desenvolvimento humano interdisciplinar, oferecendo uma visão mais ampla para mostrar que tudo está conectado. Chegar a isso demanda um trabalho imenso e depende de material humano e recursos, que podem ser digitais ou não."

E a realidade virtual?

Menina dos olhos em diversas áreas da tecnologia, a realidade virtual, ao menos por ora, oferece mais desafios do que soluções para a área de educação. As complicações já começam em dois pontos básicos: custo e facilidade de uso. Tanto os equipamentos quanto as soluções são caros.

"Outro ponto a ser considerado é que nem todas as pessoas podem usar essa tecnologia. Em algumas delas, realidade virtual pode provocar enjoos fortes e crises de labirintite, uma vez que há a desconexão entre sensação física e visual", explica Nunes.

Um meio-termo neste caso seria o uso da realidade aumentada, como a usada em games do Pokémon Go, uma forma de prover um certo nível de imersão sem que sejam necessários altos investimentos ou uso de equipamentos complexos.

"É útil para mostrar ao aluno, por exemplo, como é a estrutura tridimensional de uma célula ou de um vírus como o do coronavírus. A estrutura 2D de uma página de livro ou mesmo de uma página de internet, por exemplo, não dão conta de mostrar em 360º como são organizadas essas estruturas", explica Eugenio.

Para usar esse tipo de recurso, um smartphone daria conta do serviço. Num país como o Brasil, com tanta desigualdade em termos de estruturas de ensino, isso pode ser uma boa notícia.

O primeiro passo é definir um objetivo para que a tarefa mereça ares de disputa virtual. "A criatividade nasce a partir do repertório que os professores têm sobre os jogos, sejam digitais ou analógicos, e do conhecimento sobre cultura pop, sobre produtos que os alunos gostam e consomem", explica Eugenio.

A gamificação é uma técnica que pode ser usada em qualquer disciplina e dentro de qualquer modelo ou proposta didática, seja em aulas tradicionais expositivas ou práticas, com ou sem o uso de recursos tecnológicos.

"Se pensarmos no contexto de escola pública, que tal começar com ícones que representam momentos de fala coletiva, momentos e fala individual, enfim, coisas bastante visuais para a educação infantil. No ensino fundamental e médio, podem ser adotados esquemas mais específicos de missões ou fazer os alunos rodarem em grupos. Existe um universo inteiro de alternativas que estão muito próximos de nós que não precisam necessariamente ser digitais", diz Tomceac.

Os especialistas citam dois casos de sucesso aqui no Brasil. Os professores Daniel Nadaleto, de Jaú (SP), que utiliza o universo de Star Wars como base para atividades com os alunos, e Lucas Palmeira, de Giruá (RS), e Graziela de Souza, de Lavínia (SP), que usam técnicas de gamificação tendo os heróis da franquia Vingadores como base para as atividades.