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Como modelo científico usado na astrofísica prevê casos de covid-19 no país

Passageiros usam máscaras para proteção contra coronavírus na saída da estação Butantã do metrô em São Paulo - Ronaldo Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo
Passageiros usam máscaras para proteção contra coronavírus na saída da estação Butantã do metrô em São Paulo Imagem: Ronaldo Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo

Carlos Madeiro

Colaboração para Tilt

29/03/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Brasileiros usam modelos da astronomia para ajudar a prever comportamento do vírus
  • Trabalho usa equações conhecidas por astrônomos para entender fenômenos da natureza
  • Modelo chama-se SIR, que divide população em suscetíveis, infectados e curados/mortos
  • No Brasil, pior cenário do sistema prevê morte de até 2 milhões de pessoas

Dois cientistas brasileiros estão usando modelos físicos de sistemas dinâmicos, usados em astrofísica, para ajudar a prever o comportamento do coronavírus no Brasil. A ideia é contribuir com as autoridades e médicos a se prepararem para a epidemia de covid-19, assim como ocorreu em países que enfrentaram a doença antes do Brasil.

O modelo foi formulado pelos pesquisadores José Dias do Nascimento, físico do Departamento de Física Teórica e Experimental da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte); e Wladimir Lyra, astrônomo da Universidade do Estado do Novo México, nos EUA.

O trabalho usa equações conhecidas por astrofísicos e astrônomos para a compreensão de fenômenos da natureza. Trazidas à realidade da pandemia, ela traça cenários diante de avanço da doença em perspectivas mais otimistas e pessimistas.

"A astrofísica lida bastante com processos não-lineares, e na pesquisa em dinâmica de fluidos já tinha até usado modelos originalmente desenvolvidos para a dinâmica de populações biológicas, como o modelo predador-presa —modelo que foi desenvolvido em biologia-matemática para estudar as populações de predadores e presas em um ambiente. Alguns processos astrofísicos seguem a mesma dinâmica", diz Lyra a Tilt.

Nascimento afirma que o modelo usado chama-se SIR, que divide a população em três partes: Suscetíveis [a contrair o vírus], Infectados e Removidos [curados ou mortos], daí a sigla.

"É um modelo simples e bem estabelecido na física desde os anos 1970. Ele entrou com muita força nos estudos de espalhamento de doenças por vírus. A física tem variações desse modelo, e o que tem de novo nesse nosso é a aquisição de dados em tempo real e recálculos dos parâmetros para previsão", diz.

Os sistemas dinâmicos usados aqui são os mesmos das previsões meteorológicas e da análise de planetas e astros, com base em conceitos da física e matemática.

"Essa sistema dinâmico, com a posse de dados novos, pode evoluir e saber qual o próximo passo das variáveis do sistema. Ou seja, com ele podemos descrever cada uma das partículas nesse momento e saber onde ela vai estar num segundo momento", completa.

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Projeção de número de mortos pelo coronavírus, segundo modelo desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros
Imagem: Reprodução

Como surgiu a ideia

Inicialmente, não havia previsão de fazer trabalhos na área. "Isso começou com uma conversa nossa sobre data science [ciência de dados], mas se tornou de uma semana para cá a nossa principal preocupação: rodar e prever os cenários para o Brasil. Cada país está preocupado em rodar para o seu país, e nós, como cientistas brasileiros, mesmo estando aqui nos EUA, temos olhado principalmente para as consequências no Brasil", afirma Nascimento.

O pesquisador afirma que analisou previsões parecidas de outros países que enfrentam epidemia há mais tempo que o Brasil. Ele mostra que o país pode seguir um caminho preocupante.

"Na Itália, mesmo tendo o aviso dos chineses, se demorou muito a ter as reações. Isso foi obviamente um problema. Na China dá para ver hoje que foi impressionante a operação de guerra entre isolamento e muitos testes. Na Coreia do Sul, o isolamento não foi tão grande, porém, eles testaram milhares de pessoas por semana que corresponde mais do que os Estados Unidos testaram por mês", diz.

No Brasil, o pior cenário, aquele que nada é feito pelas autoridades e a vida segue sem restrições, previa até a morte de 2 milhões de pessoas. Esse cenário provável é de um colapso que pode chegar ainda no final de abril ou início de maio.

"Esse é um cenário, digamos assim, pessimista —quando essa curva cresce e atinge a população inteira ao mesmo tempo. Então esse esse tipo de coisa acaba gerando um sufoco, um sufocamento das estruturas hospitalares", afirma.

"Esse é o problema, e a gente está vendo isso nos gráficos, caso não tenhamos muitos testes e sem o cuidado do isolamento severo. Assim a gente não vai conseguir baixar essa curva, e o ciclo de suscetíveis para infectados e mortos vai seguir como nos modelos da Itália, sem nenhum nenhuma restrição", completa.

Nascimento ainda diz que vê problemas do Brasil como, por exemplo, na questão dos testes. "Estamos com um retardo incrível nisso, que obviamente vai ser um fator determinante do que vai acontecer daqui a 15 dias, quando os infectados de hoje começaram a aparecer efetivamente nas distribuições das mortes, dos casos mais graves", diz.

Nesse momento, o cientista diz que está buscando novos parâmetros para conseguir chegar a um número ainda mais preciso.

"Precisamos desse parâmetros, como número de leitos de hospitais, quais os gargalos técnicos e suas variáveis do sistema real. Com isso, nosso sistema se confronta com a oferta de cuidados hospitalares, e entende como vai surgir as curvas. É isso que estou fazendo agora ao conversar com cientistas da medicina", afirma.

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