Bolsonaro coloca em dúvida concessão da TV Globo, mas ameaças não funcionam
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a colocar em dúvida publicamente a renovação da concessão da TV Globo em 2022, quando a emissora poderá atualizar sua permissão de TV pública, nesta quinta-feira. Mas, apesar dos comentários, é importante lembrar que o presidente sozinho não tem esse poder, segundo as regras da Constituição brasileira.
A nova disputa entre Bolsonaro e a TV Globo surgiu após uma reportagem que mostrava a reação do presidente ao ser perguntado sobre o recorde de 479 mortes pelo novo coronavírus no Brasil, registrado na terça-feira (28). Sua resposta foi: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre."
A afirmação teve repercussão nacional e Bolsonaro foi alvo de críticas. Mas, para o presidente, a emissora deturpou a sua fala. "Essa imprensa lixo chamada Globo. Ou melhor, lixo dá para ser reciclado. Globo nem lixo é, que não pode ser reciclado. Entrou o 'e daí' e depois insistiram a me fazer perguntas idiotas. Eu acabei entrando na deles. Essa imprensa lixo, porcaria", rebateu o presidente.
"Não vou dar dinheiro para vocês. Globo, não tem dinheiro para vocês. Em 2022... Não é ameaça não. Assim como faço para todo mundo, vai ter que estar direitinho a contabilidade, para que você [Globo] possa ter sua concessão renovada. Se não tiver tudo certo, não renovo a de vocês nem a de ninguém", Jair Bolsonaro.
Como a concessão funciona no Brasil
As emissoras de rádio e televisão, como a Globo, só podem operar no Brasil depois de conseguir uma concessão pública. Diferentemente dos serviços de telefonia fixa, celular, banda larga e TV paga, que ficam a cargo da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações), a radiodifusão é regulada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC).
Esse tipo de concessão de radiodifusão recebe tratamento distinto de outros serviços públicos, segundo explicou o advogado Carlos Ari Sundfeld, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em uma entrevista sobre o mesmo tema.
"A concessão da Globo, assim como a de outras emissoras de TV aberta, é de radiodifusão de sons e imagens e tem um regime completamente peculiar e bem diferente do de serviços públicos comuns, em que o Poder Executivo pode interferir na vigência e continuidade", afirmou.
Basicamente, a Globo Comunicação e Participações S.A. possui cinco concessões de radiodifusão de sons e imagens para as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Distrito Federal.
A concessão atual dura 15 anos e vence em 10 de outubro de 2022, ainda durante o governo de Bolsonaro— durante o mandato de Michel Temer, uma lei que permite que o presidente decida sobre a concessão até um ano antes de seu vencimento foi aprovada.
Já nas demais regiões do Brasil, a emissora atua por meio de retransmissoras. Por isso, essas concessões de funcionamento pertencem a suas respectivas empresas.
Durante o processo burocrático, a empresa que pleiteia a renovação de uma concessão tem de demonstrar regularidade fiscal, equilíbrio econômico e que está efetivamente em operação. Interromper concessões no meio do contrato é algo que pode ser feito apenas com decisões judiciais.
Pressões políticas não devem interferir
Segundo o advogado Sundfeld, um dos autores da Lei Geral das Telecomunicações (LGT), de 1997, a Constituição Federal tem salvaguardas para evitar que pressões políticas possam afetar o conteúdo transmitido por essas empresas que receberam as aprovações de funcionamento.
"O processo em hipótese nenhuma termina no Poder Executivo. Não é por acaso, mas, sim, para proteger a liberdade de imprensa", explicou.
Alguns destaques da Constituição dizem:
- Poder Executivo (MCTIC e Presidência da República) analisa a emissão e renovação da concessão;
- A decisão pela não-renovação ou aprovação tem de ser autorizada por dois quintos do Congresso em votação nominal. Mesmo assim, caso os motivos não sejam razoáveis, é possível contestar a decisão na Justiça;
- Apenas uma determinação da Justiça pode cassar a concessão ou permissão antes do seu término.
Para Sundfeld, qualquer ameaça de não-concessão feita por um presidente no Brasil seria o que, no Direito, é chamado de desvio de poder ou de finalidade. Ou seja, quando o agente público usa os mecanismos ao seu alcance para um objetivo diferente do estabelecido para sua função pública. O advogado lembra que isso é um ato de improbidade administrativa.
Essa não é a primeira vez que Bolsonaro faz comentários sobre renovar a concessão da TV Globo.
No final do ano passado, o presidente insinuou que poderia tornar bastante difícil a vida da emissora a partir de 2022 ao comentar uma reportagem do Jornal Nacional sobre investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes.
"Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ser perseguição. Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem pra ninguém", afirmou Bolsonaro na época.
*Com reportagem de Helton Simões Gomes
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