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Usado para auxílio de R$ 600, app da Caixa irrita e exige demais do celular

Reprodução/App Caixa Tem
Imagem: Reprodução/App Caixa Tem

Daniel Dieb

Colaboração para Tilt

06/05/2020 04h00Atualizada em 06/05/2020 14h36

Sem tempo, irmão

  • Governo liberou saque do auxílio emergencial, mas processo causou reclamações
  • Dinheiro é depositado em conta informada no cadastro ou na Poupança Social da Caixa
  • Segundo modo é gargalo, pois pede um código que só é gerado pelo app Caixa Tem
  • App trava em certos celulares e pede acesso a muitos recursos, dizem relatos

Usuários têm narrado dificuldades no Caixa Tem, aplicativo necessário para saque dos R$ 600 do Auxílio Emergencial da Caixa Econômica Federal, para quem não está podendo trabalhar na epidemia de coronavírus. Especialistas também dizem que o processo exclui parte da população, além de apontarem problemas de transparência e de privacidade.

O cadastro podia ser feito no app Caixa Auxílio Emergencial, navegador de internet ou por ligação telefônica. Não houve grandes problemas nesta primeira fase. Eles passaram a acontecer com um segundo app, o Caixa Tem, que gera o código para o saque do dinheiro.

Na internet, há diversos relatos de problemas para acessar o app, gerar o código para saque ou fazer movimentações financeiras. A reportagem ouviu clientes em uma agência bancária da Caixa em São Paulo, que também narraram dificuldades.

Na Play Store, são várias as resenhas que reclamam do Caixa Tem. Uma delas, escrita por Dalila Santos, fala que passou "o dia inteiro, exatas vinte horas tentando realizar o login e totalmente sem sucesso".

Outra resenha, de Alessandra Miranda, diz: "Demora muito para carregar a espera virtual, depois a pessoa passa horas tentando fazer a identificação e não consegue. Ou seja, sem identificação não tem como transferir, não tem como sacar, não tem como fazer absolutamente nada".

Lucas Rocha, 26, tentou gerar o código pelo Caixa Tem em dois telefones: um modelo da Positivo, mais antigo, e um Samsung, que comprou no ano passado. Em ambos o app trava em uma tela de transição, com a mensagem para aguardar. "Tentei de madrugada, mas não também não funcionou", diz. Ele foi um dos que precisou ir a uma agência física para resolver.

Ailton Batista, 35, estava na mesma fila que Rocha. Ele diz que fez o procedimento nos celulares dele e da esposa, um Motorola e um Samsung, mas o aplicativo trava. "Coloco CEP, CPF e telefone, como pedem, e aí fala que meu número não existe".

Outros dois problemas apontados são a pouca universalidade do app —funciona em Androids modernos, mas segundo relatos, trava em iPhones; e o excesso de permissões a recursos do celular, como fotos, microfone e lista de redes de wi-fi.

Para quem recebeu o dinheiro na Poupança Social Digital —um tipo de poupança simplificada da Caixa— o acesso ao dinheiro só é possível via celular com conexão à internet.

Segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua), 93,2% dos domicílios no Brasil têm um aparelho móvel — não necessariamente smartphone—, 80,2% têm acesso internet móvel e 75,9%, internet fixa. Os dados foram divulgados na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística).

Quem não tem acesso à internet precisaria pedir a uma pessoa que tenha smartphone com acesso a web que faça o passo-a-passo e informe o código gerado. Para cada CPF um código gerado para o cadastro, que dura até duas horas. Se o processo passar desse tempo, precisa ser repetido.

Em último caso, segundo a assessoria de imprensa da Caixa, o cidadão sem acesso ao aplicativo poderá procurar uma agência do banco.

Elitismo?

Marco Konopacki, pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade e do The Governance Lab (New York University), fez várias críticas ao app Caixa Tem no Twitter. Para ele, o aplicativo é um gargalo, pois é o único meio para quem não tem conta sacar o dinheiro.

Na Play Store, é informado que a versão do Android "depende do dispositivo"; na App Store, requer o iOS 11 ou posterior.

"Parece que há uma sobrecarga devido ao alto volume de acessos simultâneos. As falhas no cadastro podem estar sendo causados por limitações de infraestrutura, ou bugs no software de cadastro criado pela Caixa", acredita Konopacki.

O pesquisador também estranha as muitas permissões aos recursos do celular, e acha que tem a ver com a linguagem usada para criar o app. "Quando o desenvolvedor vai subir o aplicativo na loja, ele faz um contrato em que diz quais recursos pretende acessar. Estes recursos estão associados às linguagens usadas para construir o aplicativo", especula.

Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, fala que as boas práticas de segurança digital recomendam ao desenvolvedor publicar os requisitos mínimos de compatibilidade de funcionamento, como a versão do sistema operacional de Android ou iOS. "Se as informações não estão disponíveis, é algo que deve ser corrigido rapidamente", diz.

Tavares crê que os problemas se devem à pressa em desenvolver e disponibilizar o app. Ele ainda cita riscos de roubo de dados de cidadão por parte de sites ou aplicativos falsos, que se passam por canais oficiais do banco. " Identificamos de sites com tentando se passar pela Caixa, clonando páginas do auxílio emergencial, tentando praticar golpes", diz.

Para Diogo Moyses, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o governo deveria criar outros meios para as pessoas acessarem o Auxílio Emergencial.

Condicionar o recebimento dos benefícios ao acesso à internet e outros condicionantes é, na prática, criar barreiras para o recebimento do auxílio para quem mais precisa
Diogo Moyses (Idec)

Outro lado

Procurada, a Caixa não respondeu quais as configurações mínimas do app Caixa Tem, mas disse que ele foi pensado para ser leve e rodar em qualquer modelo de smartphone. Para quem não é cliente Caixa, o pagamento será realizado em conta depósito ou poupança de titularidade do beneficiário.

Mas cerca de 700 mil pessoas que pediram o depósito do auxílio emergencial em contas de outros bancos não o receberam. Como solução, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, informou que serão criadas contas digitais do banco para elas. Para movimentar o dinheiro, transferi-lo ou sacá-lo, novamente o Caixa Tem é requisitado.

Caso o cidadão não tenha conta em outro banco, o auxílio cai na conta Poupança Social Digital, que é movimentada somente por meio do código gerado pelo Caixa Tem. Se a pessoa não tiver acesso ao app, em último caso poderá procurar uma agência da Caixa. O banco não respondeu se pretende criar outros meios para geração do código de saque.

Sobre as autorizações de acesso a funções do smartphone, como para o microfone, o banco diz que o Caixa Tem foi projetado para ter uma usabilidade semelhante a das redes sociais, em que a interação com os serviços ocorrem por meio de conversas.