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STF barra medida do governo para repasse de dados telefônicos ao IBGE

O compartilhamento dos dados foi determinado pela Medida Provisória 954, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro - iStock
O compartilhamento dos dados foi determinado pela Medida Provisória 954, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro Imagem: iStock

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

07/05/2020 16h03

Em julgamento na tarde desta quinta (7), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender a validade da medida provisória do governo Bolsonaro que determinava o repasse ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) dos dados cadastrais de clientes das companhias telefônicas.

O compartilhamento dos dados foi determinado pela Medida Provisória 954, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 17 de abril, com o objetivo de permitir a produção de pesquisas pelo IBGE em meio à pandemia do novo coronavírus.

A decisão foi tomada por maioria, com o voto de 10 dos 11 ministros. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello votou favoravelmente à MP (medida provisória).

Em decisão individual no último dia 24 de abril, a ministra Rosa Weber havia suspendido a validade da medida provisória atendendo a ações apresentadas ao STF pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo PSB, PSol, PCdoB e PSDB.

As ações afirmam que a medida viola o direito à proteção dos dados dos cidadãos e empresas.

Nas sessões de ontem e de hoje, o plenário do STF voltou a analisar o tema. Além de Rosa Weber, que manteve sua posição, também votaram pela suspensão da MP os ministros Alexandre de Moraes, Celso de Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Os ministros defenderam que as regras da MP não asseguravam a proteção às informações cadastrais dos usuários de telefonia.

Em seu voto, Rosa Weber alegou que a medida provisória não dá garantias para a privacidade dos cidadãos.

"Ao não prever exigência alguma quanto a mecanismos para assegurar o sigilo, a higidez e, quando o caso, o anonimato dos dados compartilhados, a medida provisória não satisfaz as exigências que exsurgem [derivam] do texto constitucional no tocante à efetiva proteção dos direitos fundamentais dos brasileiros", disse a ministra.

Para o ministro Edson Fachin, a medida provisória não garante de forma efetiva a proteção dos dados dos usuários de telefonia.

"Nem a excepcionalidade da crise vivida, nem a valorosa tarefa de produzir estudos estatísticos justifica a violação dos direitos fundamentais dos usuários dos serviços de telefonia à intimidade, ao sigilo e à autonomia informativa", disse Fachin.

"Uma intervenção dessa natureza só seria possível com o reforço das garantias de natureza procedimental. Apenas um incremento do conjunto de filtros e salvaguardas relativos aos dados dos usuários dos serviços de telefonia poderia, a priori, justificar tal ingerência", afirmou o ministro.

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que o direito a proteção de dados pessoais não é absoluto, mas considerou insuficiente a regulamentação trazida na MP.

"Nos termos tratados pela medida provisória não estão presentes na disciplina dessa hipótese as necessárias adequação, razoabilidade e proporcionalidade para excepcionalmente relativizar-se a proteção constitucional ao sigilo de dados", disse Moraes.

O que diz a MP

A MP (medida provisória) exigiu o envio ao IBGE da relação dos nomes, números de telefone e endereços dos clientes das telefônicas, pessoas físicas ou jurídicas, e afirmava que os dados seriam utilizados para a realização de pesquisas estatísticas oficiais realizadas pelo instituto, por exemplo, com pesquisas feitas por telefone.

A MP diz que os dados seriam utilizados somente durante a situação de emergência provocada pela pandemia do novo coronavírus, que dificultou a ida a campo dos agentes do IBGE, e que os dados recebidos teriam caráter sigiloso, só poderiam ser utilizados para a realização de pesquisas e não poderiam ser compartilhados com outros órgãos do governo.

O que está em jogo

Representando a OAB, o advogado Marcus Vinícius Furtado Coêlho afirmou, na sessão de ontem, que sem a devida proteção os dados cadastrais poderiam acabar tendo seu uso desvirtuado ou serem obtidos por "redes de ódio".

"Há um decreto governamental, que ainda não foi afastado, no sentido de que à medida que um dado entra em um órgão do governo, todos os órgãos do governo têm acesso a esse dado", disse Coêlho.

"Então à medida que esses dados, de todos os brasileiros, inclusive dos ministros do Supremo, inclusive dos agentes de segurança, inclusive das autoridades politicamente expostas, esses dados poderão ser compartilhados automaticamente por todos os órgãos do governo e, acidentalmente, quem garante que, na ausência de uma governança, que esses dados não possam chegar em redes de ódio de nosso país", afirmou o advogado.

Falando em defesa da MP do governo Bolsonaro, o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, afirmou ontem que dados cadastrais, como nome e endereço, não são considerados sigilosos e comparou a medida às antigas listas telefônicas.

"Obter nomes, endereços e telefones é como obter uma simples lista telefônica. Aliás, se ainda existissem as antigas listas impressas, não estaríamos travando a presente discussão", disse Levi.

"O que se pretende acessar é não mais do que uma simples base cadastral com nomes endereços e telefones. Aqui cabe uma analogia perfeita com o sigilo bancário: dados cadastrais como nome completo, RG, CPF e endereço não são abrangidos pelo sigilo bancário, é o que já entendeu o STJ [Superior Tribunal de Justiça]", disse o advogado-geral da União.