Até 50/dia: Marinha inicia produção de ventilador pulmonar barato da USP
A USP (Universidade de São Paulo) e o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) se preparam para iniciar a produção em escala do ventilador pulmonar emergencial Inspire, de baixo custo, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Escola Politécnica (Poli). Ele pode ser produzido em até duas horas, com tecnologia nacional, por um valor muito mais baixo que os aparelhos disponíveis no mercado.
Segundo o diretor do Centro de Coordenação de Estudos da Marinha em São Paulo, Paulo Henrique da Rocha, a estrutura de produção já está montada para o início dos testes de produção do primeiro lote. A previsão é que em duas semanas os primeiros aparelhos possam ser distribuídos. A estimativa é que o CTMSP tenha capacidade para produzir entre 25 e 50 ventiladores pulmonares por dia e essa capacidade poderá ser ampliada caso haja necessidade.
A ideia de desenvolver um ventilador pulmonar de baixo custo, livre de patente, de rápida produção e com insumos nacionais surgiu em março. O Inspire pode ser fabricado em até duas horas e custa R$ 1.000, enquanto os outros custam, em média, R$ 15 mil.
Em abril, o projeto foi aprovado nas etapas finais de testes, realizados com quatro pacientes do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O respirador foi considerado aprovado em todos os modos de uso e não houve nenhum problema com os pacientes ventilados.
O projeto, coordenado pelos professores Marcelo Knörich Zuffo e Raúl Gonzalez Lima, tem a participação de 40 pesquisadores e conta com doações de parceiros da iniciativa privada. O aparelho foi registrado com uma licença open source, que permite a qualquer pessoa ou empresa acessar o protocolo de manufatura e fabricá-lo, bastando, para tanto, obter uma autorização da Anvisa.
Em entrevista a Tilt, o professor Zuffo contou que o grupo trabalha 18 horas, todos os dias, para tornar o projeto uma realidade e que, assim como todo o restante da população brasileira, a equipe também está preocupada com a possibilidade de contrair o novo coronavírus. Mas com um agravante: caso um dos membros se contamine com a doença, todo o projeto terá de ser suspenso, pois o grupo inteiro terá de fazer quarentena.
"Trabalhamos com EPIs (equipamentos de proteção individual) e com distanciamento uns dos outros. Todos nós estamos usando máscaras, escudos faciais, luvas e álcool em gel. E, periodicamente, fazemos testes para Covid-19", disse.
"É um avião voando em construção. Passamos por testes com animais e humanos e estamos aprimorando ", acrescentou.
Segundo o engenheiro Dario Gramorelli, que faz parte da equipe técnica, o ventilador pulmonar foi construído seguindo três premissas: simplicidade, custo baixo e facilidade de fabricação. Ele usa dois processadores independentes —um para o controle de bombeamento e outro para a interface com o usuário— desenvolvidos pelo programa Caninos Loucos, iniciativa apoiada pela Poli e por Jon "Maddog" Hall, diretor do conselho do Linux Professional Institute.
O Caninos Loucos desenvolve SBCs (sigla em inglês para computadores de placa única) com estrutura aberta para Internet das Coisas (IoT). Os dois computadores usados receberam o nome de "Pulga" e "Labrador".
Assim como o popular Raspberry Pi, eles têm uma configuração simples em relação ao mercado de PCs comerciais. O "Labrador", por exemplo, traz memória RAM de 2 GB e processador quad-core de 32 bits. O sistema é um Linux com distribuição Debian 11. Isso explica porque custam muito barato. Ainda assim, comporta-se como um computador de performance razoável. Já a "Pulga" é uma placa miniaturizada do tamanho da moeda de R$ 0,10, que pode funcionar em aparelhos pequenos como relógios inteligentes.
Outro conceito importante que norteou o projeto é se tratar de um produto emergencial. "Não é algo para durar tanto quanto um respirador comercial. Se nós o sofisticássemos até poderia vir a ser, mas não seria fabricado ao custo que projetamos e também seria mais complexo", disse Gramorelli.
O que são ventiladores pulmonares?
O Inspire é um ventilador pulmonar mecânico para ser usado em emergências. Existem vários tipos de ventiladores, como os de transporte, de UTI ou os usados para anestesia. A diferença de um para outro é a complexidade do dispositivo, segundo Jorge Luis Valiatti, coordenador do Comitê de Insuficiência Respiratória e Ventilação Mecânica da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
Um ventilador pulmonar é um equipamento que ajuda na manutenção da função do pulmão em fornecer oxigênio e retirar o gás carbônico do corpo, quando por algum motivo o pulmão não consegue fazer isso sozinho.
"O ventilador é necessário quando o pulmão não consegue manter a sua função de fornecer oxigênio e retirar o gás carbônico do corpo. E isto acontece por vários motivos, desde uma anestesia para realizar em alguma cirurgia, até doenças que lesam diretamente o pulmão, tipo a infecção pelo coronavírus", explicou Claudiney Lotufo, médico de terapia intensiva e clínica médica, professor de habilidades médicas da Faculdade São Leopoldo Mandic.
Alguns pacientes de Covid-19 precisam de ventilador por apresentarem dificuldades para o oxigênio entrar nos alvéolos do pulmão, que estão inflamados.
"A primeira medida é fornecer oxigênio através de cateteres de oxigênio. Na piora, necessitam ser sedados, intubados e colocados no ventilador mecânico. O médico vai ajustar a máquina com parâmetros ventilatórios considerados protetores", disse Jorge Luis Valiatti.
Falta aprovação da Anvisa
Para que o Inspire comece a ser produzido e distribuído pelo Brasil, ainda é necessária a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Segundo a equipe da Poli responsável pelo projeto, normalmente o órgão demora mais de um ano para emitir toda a documentação de regulação. Após a aprovação, o ventilador pode até mesmo ser comercializado.
No entanto, por causa da urgência, os pesquisadores não podem esperar todo esse tempo para começar a distribuir o Inspire. Por isso, no caso do ventilador da USP, a Anvisa vai emitir uma aprovação por meio de um projeto de pesquisa clínica, com alguns testes prévios —que já foram realizados com sucesso— e com a responsabilidade de um médico ou técnico.
Por esse processo, a Anvisa exige que o equipamento seja doado —assim, não poderia ser vendido. Mas, os pesquisadores também vão entrar com o processo convencional de aprovação para que o projeto público possa ser explorado pela iniciativa privada. (Com reportagem de Thiago Varella e informações do Jornal da USP)
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