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O ar-condicionado espalha coronavírus? Tudo depende da umidade

Lifeforstock/Freepik
Imagem: Lifeforstock/Freepik

Rômulo Orlandini

Colaboração para Tilt

11/05/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Dois estudos chineses analisam restaurante que infectou dez pessoas em um dia
  • Sistema de ar-condicionado foi apontado como vilão; estudos ainda precisam ser revistos
  • Fontes ouvidas por Tilt apontam outros fatores e até em benefício do equipamento
  • Para eles, sistema com renovação de ar e umidade alta podem conter circulação do vírus

A notícia que o sistema de ventilação em um restaurante chinês pode ter contaminado dez pessoas de três diferentes famílias com coronavírus acendeu o alerta para o potencial de transmissão via ar, principalmente espalhado pelo ar-condicionado. Mas fontes ouvidas pela reportagem analisam os estudos e creem que o equipamento pode até ajudar, se for bem usado.

O tal restaurante em Guangzhou, a 965 quilômetros longe de Wuhan, epicentro original do surto, virou tema de dois estudos chineses. Eles usam o local como um exemplo do impacto da transmissão do vírus da covid-19 em locais fechados e refrigerados.

O primeiro estudo foi do Centro de Controle de Doenças de Guangzhou, e está previsto para ser publicado na revista Emerging Infectious Diseases, do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), em julho. Ele sugere que o vírus não passa só pela propagação de pessoa a pessoa a curtas distâncias, mas também pode viajar mais longe com a ajuda das correntes de ar que vêm dos sistemas de ventilação.

Depois, um segundo estudo da Universidade de Hong Kong refez em computador a movimentação do ar do local e a conclusão foi que a ventilação inadequada, além da concentração de pessoas, causou as contaminações. Ambos os estudos ainda precisam de revisão dos pares no meio acadêmico.

De acordo com o segundo estudo, no dia da contaminação, todos os cinco aparelhos funcionavam "sem suprimento de ar externo", o local estava com exaustores desligados e superlotado.

Os pesquisadores trouxeram manequins e usaram gás marcador em uma simulação do restaurante para estudar o fluxo de ar, durante um almoço que teria ocorrido em 24 de janeiro.

A simulação

Distribuição dos casos de infecção por SARS-CoV-2 nas mesas do Restaurante X em Guangzhou, China - Divulgação/Universidade de Hong Kong - Divulgação/Universidade de Hong Kong
Imagem: Divulgação/Universidade de Hong Kong

A imagem acima mostra a distribuição dos casos de infecção nas mesas do "Restaurante X". As prováveis zonas de fluxo de ar estão em cinza escuro e cinza claro. Cada mesa é numerada como T (número). Oitenta e nove clientes são mostrados nas 18 mesas, com uma mesa vazia (a T4).

As mesas TA, TB e TC são onde as famílias A, B e C estavam sentadas, e alguns de seus membros foram infectados. O paciente A1 na TA é o paciente suspeito indexado pela pesquisa. Os pacientes A2 - A5, B1 - B3 e C1 - C2 são as pessoas que foram infectadas.

Outras mesas são numeradas como T4 a T18. Cada uma das cinco unidades de ar condicionado resfria uma zona específica. Clientes e garçons entraram no andar do restaurante pelo elevador e a escada, que são conectados pela porta corta-fogo.

Pesquisadores chineses simulam o fluxo de ar em restaurante chinês - Divulgação/Universidade de Hong Kong - Divulgação/Universidade de Hong Kong
Imagem: Divulgação/Universidade de Hong Kong

Aqui, foi simulada uma dispersão de gotículas finas do paciente A1 (em azul magenta), que é inicialmente confinado nesta "nuvem" devido ao arranjo de ar-condicionado em zonas.

As gotículas finas eventualmente se dispersam nas outras zonas por meio de troca de ar e são removidas por meio do exaustor do banheiro.

A zona ABC tem claramente uma maior concentração de gotículas finas do que a zona não ABC. Outros pacientes infectados são mostrados em vermelho, e outros não infectados, na cor dourada.

Mas o que tudo isso quer dizer, afinal?

Para o professor especialista em ar-condicionado, Antonio Luís de Campos Mariani, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de São Paulo (USP), o assunto deve ser tratado com "cuidado".

Ele afirma que o ar condicionado, em boas condições, pode ser considerado um aliado —especialmente se faz a renovação do ar interno com o ar do exterior.

"Ao ventilar, movimentar e, principalmente, renovar parte do ar nos ambientes, o ar-condicionado ajuda no combate não somente ao coronavírus, mas também contra outros micro-organismos", explica.

Renovação do ar

Ao analisar o caso chinês, o professor Mariani indica que a falha fundamental aconteceu porque os equipamentos não trocavam o ar interno com o de fora do restaurante.

"Quanto pior a renovação de ar, maior a chance de contaminação, uma vez que você não renova e mantém os mesmos elementos no ar", explica.

Desde 1998, a lei brasileira estipula qual a quantidade ideal de renovação de ar por pessoa em um mesmo ambiente (Portaria 3.523, do Ministério da Saúde).

Além disso, dentro de um prédio público, por exemplo, os equipamentos são separados por andar ou divididos em zonas, o que impossibilita o vírus de "viajar" entre um local e outro.

"No Brasil não dá para dizer que alguém do primeiro andar foi infectado por alguém do quarto via ar condicionado", diz.

Já nas residências e pequenos estabelecimentos comerciais, que têm aparelhos mais simples, o cenário muda. Os equipamentos domésticos usam somente o sistema de refrigeração do ar do próprio ambiente, sem renovar com o ar de fora.

Neste caso, abrir a janela é a melhor opção.

"Coloque o ar-condicionado para ventilar e abra as janelas. Estamos em uma estação intermediária e não no pico do verão, então não precisa necessariamente manter o ambiente resfriado. Abrir as janelas e movimentar o ar é jogar contra o vírus", diz.

Baixa umidade

Apesar de não ser citada nos estudos chineses, a questão da umidade (quantidade de vapor de água presente no ar) também é importante quando se fala em ar-condicionado, acrescenta o pneumologista Ubiratan de Paula Santos, do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

O aparelho regulado em uma temperatura muito baixa pode diminuir a umidade do ar, deixando-o mais "seco". Tal condição facilita a ação dos micro-organismos, por ressecar o nariz e a boca, diminuindo as proteções respiratórias (mucosas).

"Ao serem expelidas, por tosse ou espirro, as partículas ficam no ar. Em ambientes mais úmidos, elas absorvem água e caem no chão, sendo bem mais fácil de serem limpas do que se estivessem flutuando", diz. As microgotículas mais leves com coronavírus podem flutuar por até três horas.

Com isso, as medidas de proteção, como distanciamento social e uso de máscara, se tornam mais eficientes. O pneumologista afirma ainda que o aparelho respiratório se "defende mal" quando a umidade está baixa.

Neste caso, a recomendação médica é mantê-la entre 60% a 80%.

"É importante controlar a umidade, ter renovação contínua do ar e um fluxo de ar preferencialmente jogado de cima para baixo", diz Santos.

Manutenção contra problemas

Apesar de ainda não haver estudos conclusivos sobre a transmissão da Covid-19 por aerossóis (micropartículas que ficam no ar), baixa ventilação e locais cheios e fechados são conhecidas causas de problemas respiratórios.

Os especialistas consultados concordam que a manutenção dos equipamentos é importante por evitar estes problemas. Um deles é a Legionella, doença causada por uma bactéria que se aloja no pulmão e pode causar pneumonia.

"É fundamental adotar cuidados com a operação e a manutenção dos equipamentos, como manter a temperatura correta, o bom estado dos filtros e a renovação do ar, o que irá garantir a saúde das pessoas nos ambientes", diz o professor Antonio Mariani.