Como bilionários de tec têm usado fortunas no combate ao coronavírus
Donos de fortunas que mal imaginamos, os bilionários do universo tecnológico têm usado partes de suas contas bancárias ou ações para reduzir os danos do novo coronavírus. Juntos, Bill Gates (ex-Microsoft), Jeff Bezos (Amazon) e Mark Zuckerberg (Facebook) doaram US$ 392 milhões para causas como o desenvolvimento de vacinas, tratamentos e alívio de fome.
O número é de se abrir os olhos, mas vale dizer que os US$ 37 milhões de Zuckerberg, US$ 100 milhões de Bezos e US$ 255 milhões de Gates correspondem "apenas" a 0,05%, 0,07% e 0,24% de fortunas de US$ 69 bilhões, US$ 142 bilhões e US$ 104 bilhões, respectivamente.
As fortunas dos três foram citadas em um levantamento da Forbes, que publica anualmente um ranking das pessoas mais ricas do mundo —o trio figura no Top 10.
O mais "mão aberta"
Um bilionário mais "humilde" destoa dos três. Jack Dorsey, executivo-chefe do Twitter e do sistema de pagamentos Square, tem uma fortuna avaliada em US$ 4 bilhões.
Ele decidiu, no começo de abril, usar 25% de sua riqueza para o fundo Start Small. Este fundo foi criado pelo próprio Dorsey e tem o objetivo de ajudar no combate à covid-19, entre outras causas. Foi US$ 1 bilhão destinado à filantropia em forma de ações da Square. Dorsey já doou US$ 85 milhões em pouco mais de um mês.
As doações, assim como seus destinatários, podem ser acompanhadas por uma planilha mantida aberta na internet, uma iniciativa mais transparente do que o normal.
"Essa coisa do extremamente transparente, como fez Jack Dorsey, é novo no mundo. O terceiro setor tende a ir para esse lado e é difícil chegar nesse nível, mas é superinteressante", afirma Greta Gogiel Salvi, gerente regional da LatImpacto, uma rede latino-americana de filantropia.
Dorsey é o maior doador desta crise, seguido por Gates. O bilionário da tecnologia que ocupa o terceiro lugar é muito menos conhecido no Ocidente: o indiano Azim Premji, presidente da empresa de tecnologia da informação Wipro.
A tabela a seguir mostra os dez ricaços mais generosos do meio. Jeff Skoll, primeiro empregado do eBay, e Michael Dell, fundador da Dell, doaram o mesmo que Bezos. Reed Hastings, executivo-chefe da Netflix, Jack Ma, fundador da chinesa Alibaba, e Brian Chesky, executivo-chefe do AirBnb, completam o Top 10.
As ausências notáveis são Larry Page e Sergey Brin, cofundadores do Google. Juntos, os dois possuem uma fortuna de mais de US$ 100 bilhões e têm suas próprias fundações (Sergey Brin Family Foundation e Xprize), mas até o momento não fizeram, ou anunciaram, nenhuma doação destinada ao combate da covid-19.
Em compensação, a Xprize montou uma rede colaborativa "empoderada por dados" para lidar com a doença.
Para onde irão os milhões?
Quando são prometidas, as doações de bilionários são transferidas da pessoa física para uma fundação que então entregará os recursos aos verdadeiros destinatários. O US$ 1 bilhão de Dorsey, por exemplo, está sendo distribuído em causas diversas, do fundo Start Small a campanhas de financiamento coletivo no site GoFundMe.
Já Skoll injetou US$ 100 milhões em sua própria fundação, que agora projeta pelo menos US$ 200 milhões em doações para ONGs e empresas em 2020, segundo a revista "The Chronicle of Philanthropy".
O ex-empregado do eBay tem como objetivo a busca de soluções de testagem e contact tracing de casos de coronavírus, assim como a compra de equipamentos médicos para países que não têm dinheiro para comprá-los.
Premji, por sua vez, usará sua fundação para ajuda humanitária e suporte ao sistema de saúde indiano na contenção e tratamento da doença, enquanto Hastings doou diretamente para uma ONG de imunização sediada em Genebra.
Essas grandes transferências de dinheiro carregam um risco, pois cuidar da população é responsabilidade oficial de governos, sujeitos a derrotas em eleições caso suas iniciativas não satisfaçam a maioria do público. Já a filantropia motiva uma atuação cautelosa por parte dos doadores.
"As empresas e doadores devem assegurar a regularidade legal das doações e reduzir o risco de desvio de recursos, ou de que as doações sejam usadas para receber vantagens indevidas. Por isso, recomenda-se que eles contem com o apoio de mecanismos de governança", avalia Claudia Sanen, analista sênior do Programa de Mercados Emergentes da Transparência Internacional.
Sanen ainda destaca que o cuidado vale tanto para as doações feitas à iniciativa privada quanto ao setor público. "Nesses momentos é de grande interesse social que exista ampla publicidade sobre essa relação", afirma.
Mecanismos de controle costumam ser significativos, segundo Salvi. Com contato próximo com a filantropia no Brasil, ela relata que "grandes fundações e projetos têm auditorias anuais, relatórios e planilhas financeiras" publicadas online. Elas também precisam, por lei, prestar contas para o Ministério Público.
Transparência e a lição da crise atual
O relato detalhado realizado por Dorsey não é a regra, mas existem mecanismos de controle, como o Monitor das Doações da covid-19, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, que visam tornar o processo filantrópico mais transparente.
Circunstâncias como a crise atual podem complicar esses mecanismos. "A pressão e a insegurança econômica trazem a quebra de paradigmas e incertezas que contribuem para um ambiente em que agentes corruptos tentam tirar vantagem da crise em benefício próprio", diz Sanen.
Apesar da urgência e agilidade do momento, mecanismos de anticorrupção precisam ser instalados para prevenir desvio de dinheiro.
Apesar dos potenciais problemas, Salvi considera as ações filantrópicas na crise atual um marco, seja dentro ou fora do Brasil. "O lado positivo [da crise] é esse despertar. Dinheiro não falta no mundo. Ele está na mão das grandes fortunas e empresas, que deveriam ter uma função social e fazer sua parte. Existem interesses por trás, políticos, não temos que ser ingênuos. O dinheiro está sendo doado, é pouco, e que não acabe aqui", conclui.
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