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Em voto, Weber afasta uso do Marco Civil da Internet para bloquear WhatsApp

Ministra Rosa Weber, do STF - Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministra Rosa Weber, do STF Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

27/05/2020 18h49

Sem tempo, irmão

  • STF começou a julgar se os bloqueios ao WhatsApp são ilegais
  • O aplicativo de mensagem já foi tirado do ar três vezes no Brasil
  • Corte avalia duas ações que questionam a suspensão do serviço
  • Na primeira delas, Rosa Weber decidiu que lei não pode ser usada para tirar serviço do ar

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar nesta quarta-feira (27) se as decisões judiciais que levaram ao bloqueio do WhatsApp são constitucionais e se os preceitos do Marco Civil da Internet (MCI) usados nestas determinações contrariam a Constituição Federal. A ministra Rosa Weber, relatora de uma das ações do julgamento, foi a única a votar até agora.

Weber votou por afastar a ideia de que artigos da "Constituição da internet brasileira" —apelido do Marco Civil— ferem o direito de livre comunicação e o princípio da livre iniciativa, ambos estabelecidos na Constituição Federal. Votou também para que os artigos do MCI não sejam usados por juízes para suspender serviços como o WhatsApp.

Isso seria tornar ilegal a criptografia (..) seria um retrocesso tornar ilegal o uso da criptografia
Rosa Weber, ministra do STF

O julgamento foi interrompido na noite desta quarta e será retomado na quinta (28). Weber é a relatora da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que questiona se os artigos 10, 11 e 12 do MCI podem ser usados para tirar do ar serviços de empresas que se negarem a cumprir decisões judiciais. Eles dizem o seguinte:

  • O artigo 10, inciso 2, diz que "o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º"
  • Já em seu artigo 11 o Marco Civil da Internet diz que "qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet" no território deve respeitar a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
  • Em seu artigo 12, a lei diz que infrações às normas são punidas com: A) advertência; B) multa de até 10% do faturamento da empresa ou grupo econômico no Brasil; C) suspensão temporária das atividades; D) proibição de atuar no país.

Para a ministra, não há nada na lei que autorize que o artigo 12 seja usado para suspender serviços de comunicação. Para a magistrada, a lei permite apenas que empresas que descumprirem ordens da Justiça tenham suspensa as atividades que envolvam "coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros e dados pessoais ou de comunicações". Isso, segundo Weber, não autoriza que juízes usem o MCI para suspender o acesso a aplicações.

O assunto chegou ao Supremo porque, desde 2015, quatro decisões judiciais que exigiram a retirada do WhatsApp do ar após a empresa não fornecer conteúdos de conversas mantidas por alvos de investigações policiais —três delas efetivamente levaram à suspensão do app.

O Facebook, dono da plataforma, sempre alegou que não poderia fornecer os materiais porque as conversas são protegidas por criptografia e não ficam guardadas em seus servidores, mas, sim, nos terminais dos usuários.

A ministra defendeu a privacidade e afirmou ser uma falácia assumir que ela se choca com a segurança. Para ela, as tecnologias que permitem às autoridades acessassem informações privadas são as mesmas exploradas pelos criminosos.

Para Weber, o MCI tampouco exige que provedores de serviços conectados, como o WhatsApp, guardem conteúdos, mas, sim, que armazenem os registros de acesso e por tempo limitado. "Isso seria o mesmo que determinar que as companhias telefônicas registrassem todas as chamadas dos usuários para o caso de eventual mandado judicial", afirmou.

A magistrada afirmou que permitir que juízes continuem a tirar aplicações do ar tem o poder de transformar o Brasil em um país avesso à liberdade de expressão. "Não é o melhor caminho para conter o uso irresponsável das ferramentas de comunicação", disse.

O que está em jogo no julgamento?

As ações a respeito do WhatsApp tramitam no tribunal desde 2016. Edson Fachin é relator de uma delas, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 403. Já a ministra Rosa Weber é relatora de outra, a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5527.

A primeira delas foi protocola pelo PPS (Partido Popular Socialista) e a segunda, aberta pelo PR (Partido Republicado). Ambas questionam o bloqueio ao aplicativo de mensagens em 2016. Desde 2015, juízes brasileiros mandaram o WhatsApp ser suspenso quatro vezes. Em três oportunidades, isso ocorreu.

Em maio de 2016, um juiz de Sergipe decidiu que todas as operadoras de telefonia impedirem o acesso ao WhatsApp. O aplicativo deveria ser tirado do ar em todo o país por não ter cumprido uma determinação judicial para quebrar o sigilo das mensagens enviadas pelo app. Esse conteúdo era pleiteado por uma investigação de tráfico de drogas no município de Lagarto (SE).

O PPS defende que as suspensões de apps com base na premissa do juiz de Sergipe são ilegais. O partido argumenta que decisões desse tipo violam os preceitos fundamentais da liberdade de expressão e comunicação, presentes na Constituição Federal e no Marco Civil da Internet.

Já o PR questiona os dispositivos no Marco Civil da Internet usados para a embasar a decisão que tirou o WhatsApp do ar. O MCI determina que as plataformas conectadas só podem ser responsabilizadas judicialmente por algum conteúdo veiculado nelas se descumprirem decisões da Justiça.

Relembre os quatro bloqueios ao WhatsApp no Brasil

1º bloqueio: Fevereiro de 2015

O primeiro bloqueio do WhatsApp no Brasil foi determinado por um juiz da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina. A ação foi uma represália da Justiça porque a empresa não quis enviar informações que seriam usadas em uma investigação policial.

O aplicativo não foi retirado do ar, porque desembargador do Piauí derrubou o mandado judicial 15 dias depois. Ele argumentou que empresas telefônicas e seus clientes não deveriam ser punidos por uma decisão judicial em decorrência das ações do app.

2º bloqueio: Dezembro de 2015

O segundo bloqueio foi decidido pela 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo. Como a ação corria em segredo de Justiça, o TJ-SP informou apenas que o WhatsApp ignorou determinação judicial de julho de 2015 no âmbito de uma ação criminal.

Naquele momento, a suspensão foi executada e o app de mensagens ficou inacessível por cerca de 14 horas. A situação só foi revertida no dia seguinte, quando TJ-SP emitiu uma liminar para permitir que as operadoras restabelecessem o acesso ao aplicativo.

3º bloqueio: Maio de 2016

O terceiro bloqueio foi feito depois de uma decisão da Justiça de Sergipe, que determinou suspensão em todo o país por 72 horas. A decisão foi motivada porque o Facebook, dono do app de mensagens, descumpriu ordem judicial para compartilhar informações que alimentariam uma investigação criminal. A operadora que não respeitasse a ordem deveria pagar multa diária de R$ 500 mil.

Foi o maior bloqueio no Brasil ao WhatsApp, que ficou fora do ar por 24 horas. O app só foi liberado depois de o TJ-SE aceitar um pedido de reconsideração da empresa.

4º bloqueio: julho de 2016

O quarto bloqueio foi determinado pela Justiça do Rio de Janeiro também porque o Facebook se recusou a cumprir decisão judicial e fornecer informações para uma investigação policial em Caxias, na Baixada Fluminense. Nessa ocasião, a juíza do caso não fixou prazo para o serviço retornar após ser bloqueado, conforme constava nas outras decisões.

Antes do bloqueio, o Facebook foi notificado três vezes para interceptar mensagens, mas só respondeu por meio de email e com perguntas em inglês. A exigência, segundo o processo, era "a desabilitação da chave de criptografia, com a interceptação do fluxo de dados, com o desvio em tempo real em uma das formas sugeridas pelo MP, além do encaminhamento das mensagens já recebidas pelo usuário (...) antes de implementada a criptografia."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado no intertítulo "O que está em jogo no julgamento?", a sigla ADI não significa Ação Indireta de Inconstitucionalidade. O correto é Ação Direta de Inconstitucionalidade. O erro foi corrigido.