União de máscara de mergulho e impressão 3D está salvando vidas na pandemia
Sem tempo, irmão
- Na Itália, máscaras de mergulho foram transformadas em arma contra a covid-19
- Ideia foi importada por brasileiros, e hoje máscaras já são usadas em hospitais
- Com ela, doentes não precisam ser intubados e ir parar na UTI
- Máscaras são usadas como alternativas aos respiradores, escassos no Brasil
- Médicos que as utilizam relatam que vidas já estão sendo salvas
Uma rede de engenheiros e médicos se uniu a uma ONG e à rede de artigos esportivos Decathlon para transformar máscaras de mergulho em uma alternativa aos respiradores, equipamentos usados em pacientes em estado grave da covid-19 e que estão cada vez mais escassos.
A solução ficou famosa após ser criada por um médico italiano, mas, aqui no Brasil, foi aperfeiçoada para evitar contaminações. Usadas desde o começo de abril, as máscaras de mergulho já estão presentes em cerca de 30 hospitais, devem chegar a mais 20 novos centros médicos em breve, é testada no Hospital das Clínicas da USP e já salvaram vidas.
Em março, o médico Renato Favero, da Lombardia (Itália), passou a usar a linha de máscaras Easybreath da Decathlon para suprir a falta de respiradores que afetava a região. A história correu o mundo; quando chegou ao Brasil, a filial da varejista no país foi bombardeada com pedidos de compra do produto.
Cedric Burel, executivo-chefe da Decathlon no Brasil, conta que teve de bloquear as vendas da Easybreath até decidir o que fazer com elas. A melhor solução foi doar o estoque para a ONG Expedicionários da Saúde (EDS), que já havia abordado a empresa pedindo ajuda para montar hospitais de campanha em Campinas (SP).
Era quase como uma obrigação moral disponibilizar o produto. Não dava para guardar máscaras no estoque enquanto há médicos dizendo que elas podem ajudar a salvar vidas
Cedric Burel, executivo-chefe da Decathlon no Brasil
A Decathlon também direcionou à ONG todos os contatos de engenheiros e médicos que queriam adquirir as máscaras ou ajudar a transformá-las em respiradores.
A partir daí, a EDS montou um grupo voluntário, conta Victor Souza, voluntário da ONG responsável pelo projeto. Contou com a ajuda do Centro de Tecnologia e Inovação Renato Archer, do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e da empresa Owntec.
Primeiro, replicaram o projeto do italiano. Ou seja: no lugar de um snorkel, posicionado no topo da máscara, colocaram uma peça feita em impressoras 3D que se conecta aos ventiladores pulmonares.
Depois criaram um segundo modelo, em que há também uma saída na frente da máscara, por onde os pacientes podem ingerir medicamentos por meio de nebulizadores ou inaladores. A Azul Cargo também participa da ação para entregar as máscaras.
Evita contaminação
O uso desse tipo de máscara é qualificado como terapia de VNI (ventilação não invasiva). Já as situações em que o paciente tem de ser intubado e usar respiradores são características de terapias invasivas.
Em um primeiro momento, a OMS (Organização Mundial da Saúde) não recomendou a VNI porque as máscaras usadas permitem que aerossóis do doente vazem para o ambiente. No caso da covid-19, significa mais coronavírus.
Isso vinha sendo um problema porque a VNI costuma ser o último recurso antes de submeter um doente à intubação, conta o médico Guilherme Mais, que trabalha em dois hospitais na cidade de Campinas (SP). O trabalho dos voluntários brasileiros fez com que o tratamento se tornasse seguro o suficiente para virar uma opção.
Por cobrir o rosto todo, a máscara Easybreath impede boa parte do vazamento. Ainda assim, o design do médico italiano permitia que 50% dos gases passasse para o ambiente. Os brasileiros corrigiram essa falha: reduziram para 5%. Segundo o médico, o uso do tratamento não invasivo evitou que nove pacientes precisassem ser intubados.
Não só tem salvo vidas, mas também evitado que pacientes vão parar ou fiquem muito tempo na UTI. Se evitar que esse doente chegue ao tubo, libera um leito de UTI mais rápido, que são poucos no país
Guilherme Mais, médico que trabalha em dois hospitais de Campinas (SP)
Substituta de ventiladores pulmonares
Outra vantagem da máscara é que ela não precisa necessariamente ser conectada a um ventilador pulmonar —pode ser a outras fontes de ar ricas em oxigênio. Por esta característica, ela está sendo encarada como uma alternativa aos respiradores.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil possui pouco mais de 65 mil destes equipamentos —a maioria deles, 46,6 mil, estão disponíveis no SUS. As primeiras remessas das máscaras foram direcionadas a hospitais do Norte e Nordeste, onde a infraestrutura hospitalar é mais precária.
A situação é crítica. O cenário já é de guerra. Lá não tem respirador e o paciente sequer consegue tratamento e morre
Victor Souza, da ONG Expedicionários da Saúde
A máscara permite que se respire tanto pelo nariz quanto pela boca. Na entrada de ar, basta conectar uma fonte de oxigênio contínua —um fluxômetro de oxigênio, por exemplo. O equipamento injeta ar com uma pressão maior que a do ambiente. Assim, o paciente passa por uma broncodilatação —isto é, tem as vias aéreas expandidas. Com isso, fica mais fácil de respirar, mas mais difícil de expirar, o que funciona como uma terapia pulmonar.
Outra vantagem é que o paciente não tem de ficar com a máscara todo o tempo. Precisa apenas fazer algumas sessões de ventilação, de 40 minutos a duas horas, de três a quatro vezes por dia. Com essas sessões, é possível elevar o nível de saturação de pacientes que estejam passando por uma crise.
"O paciente sai de uma saturação de oxigênio que chega a 80% no sangue, algo bem grave, e em 40 minutos recupera uma taxa de 95%, 96%", conta Souza, da EDS.
Além de menos incômoda, é também mais barata. Enquanto o fluxômetro custa R$ 100, os respiradores são vendidos por valores entre R$ 50 mil e R$ 200 mil. Tanto é que diversos pesquisadores estão correndo para criar versões mais baratas de ventiladores pulmonares.
Gota d'água no oceano
A EDS trabalha agora nos documentos a serem enviados à Anvisa (Agência Nacional da Vigilância Sanitária) para que o uso do equipamento seja certificado. Para isso, as máscaras estão sendo testadas no HC da USP. Segundo Souza, isso dá segurança jurídica a outros hospitais que queiram aderir ao tratamento.
Apesar de a Decathlon abrir mão de um faturamento de R$ 405 mil (cada máscara era vendida por R$ 149,90) e custear o recolhimento dos equipamentos em suas 31 lojas no Brasil, Burel diz que a ação da empresa é uma "gota d'água no oceano".
A gente compartilha desse sentimento de estar fazendo a coisa certa. Para além da matemática financeira, a gente sente muito orgulho de poder participar dessa iniciativa e de trabalhar com as pessoas certas
Cedric Burel
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