Sob pressão, PL das fake news nas redes sociais deixa desinformação de lado
Sem tempo, irmão
- Projeto de lei nasceu para combater fake news e trazer mais transparência às redes sociais
- Agora, criadores tiraram do texto medidas para que sites moderem desinformação
- Segundo eles, projeto obriga redes a terem ferramentas que combatam informações enganosas
- Há dois PLs, um na Câmara e outro no Senado, onde a votação está marcada para amanhã
O polêmico projeto de lei construído pelos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Tábata do Amaral (PDT-SP) e pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) nasceu como uma forma de combate às fake news nas redes sociais. Mas, depois de intensa pressão de ativistas de direitos digitais, das próprias plataformas e até do governo Bolsonaro, foi reformulado para retirar o enfoque à desinformação.
Agora, traz apenas obrigações para os sites serem mais transparentes e focarem as ferramentas usadas para espalhar notícias falsas. Ainda assim, algumas organizações continuam vendo que o texto peca em questões fundamentais e abre caminho para que as redes sociais virem plataformas de censura.
O projeto de lei 2630/2020 cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, que altera o Marco Civil da Internet (MCI), a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o Código de Defesa do Consumidor e a Lei das Eleições. A nova versão foi apresentada nesta segunda-feira (1º) tanto na Câmara quanto no Senado — a votação nesta casa está prevista para esta terça-feira (2).
Segundo o senador Alessandro Vieira, as alterações já foram propostas ao relator da matéria, Ângelo Coronel, que também conduz a CPMI das Fake News.
Cadê a desinformação?
Até agora conhecido como "PL das fake news", o projeto trazia diversas maneiras de como as redes sociais deveriam combater notícias falsas e enganosas. Antes, o projeto definia desinformação desta forma:
Conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia
O texto reformulado não só excluiu essa definição mas também extirpou qualquer menção ao combate à desinformação.
Esse projeto não trata mais da desinformação em si, mas das ferramentas usadas para disseminar a desinformação
Felipe Rigoni, deputado
Segundo Tabata, o texto retira ainda a previsão da exclusão de posts que espalhem fake news. Com isso, o PL agora proíbe que redes sociais e aplicativos de mensagem abriguem:
- Contas inautênticas: são os perfis criados para se passar por terceiros. Para isso, o PL instiga que os sites requeiram documentos de identidade e a localização dos usuários. Aquelas contas criadas com tom humorístico ou satírico não serão afetados. Antes, o texto classificava como "contas inautênticas" aquelas também usadas para disseminar desinformação;
- Contas automatizadas e redes de distribuição artificial: são os famosos bots, que substituem seres humanos para distribuir conteúdo em aplicações conectadas.
O texto também altera as leis de lavagem de dinheiro e a de organização criminosa. Com isso, se o PL for aprovado, aqueles que usarem contas inautênticas ou redes de bots terão a pena aumentada caso sejam membros de alguma organização. A prática ainda será classificada como ocultação de bens ou lavagem de dinheiro.
Também obriga os sites a comunicarem:
- Conteúdos patrocinados: quaisquer peças publicitárias intermediadas pelas próprias plataformas devem ser indicadas;
- Propaganda eleitoral irregular: essas peças devem ser direcionadas para o Ministério Público Eleitoral tomar providências.
Inicialmente, o projeto considerava como boas práticas o uso de verificadores de fatos, a rotulagem de conteúdo enganoso, a interrupção imediata de mecanismos de recomendação de conteúdo e o envio de informação verificada para todos os usuários atingidos por uma fake news.
Agora, o texto estipula que o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) crie um grupo multissetorial para elaborar uma proposta legislativa contra informações enganosas. Ele também deverá definir o que é desinformação, além de criar um código de boas práticas para verificadores.
Ainda que a desinformação tenha saído do escopo do texto, os criadores do PL defendem que é a hora de debater o assunto.
Estamos em uma pandemia, e a mentira e a desinformação mata. Logo a gente estará envolvido em um processo eleitoral e não podemos permitir que cheguemos a ele com ferramentas criminosas
Alessandro Vieira, senador
Mais transparência
O PL continua prevendo que redes sociais sejam mais transparentes e exibam o número de:
- conteúdos removidos, promovidos ou suspensos;
- total de bots ou redes de bots;
- número de conteúdos rotulados;
- Métricas que possam forneçam comparação histórica e os resultados do Brasil com o de outros países.
A nova versão do PL agora inclui diretrizes de como as redes sociais devem proceder ao remover o conteúdo de algum usuário. Pelo texto, elas devem:
- Avisar ao usuário assim que começarem a analisar alguma postagem dele. A notificação deve conter os motivos para a averiguação;
- Fornecer por três meses ferramenta para os usuários contestarem a decisão em caso de sanção ou recorrerem caso não tenham a denúncia aceita;
- Mostrar o histórico de processos judiciais envolvendo cada conta.
O PL também mudou em relação ao que exige dos aplicativos de mensagem. Antes, o texto também proibia mensagens disparadas em massa. Agora, passou a proibir apenas a comercialização ou uso de ferramentas externas às plataformas para fazer esses envios.
Agora, também exige que a cadeia de encaminhamento (que pessoa encaminhou qual mensagem para a outra) seja guardada por até um ano. O projeto, no entanto, dispensa que o conteúdo seja armazenado também. A ideia é que esse tipo de trilha possa ser requerido por meio de ordem judicial, conforme prevê o Marco Civil da Internet.
Punição amenizada
Os provedores que descumprirem estas o que determina o projeto estarão sujeitos a:
- Advertência;
- Multa;
- Suspensão temporária das atividades.
Antes, o PL era até mais drástico e previa até a proibição de atuação no Brasil como penalidade máxima. A punição dependerá da gravidade do fato, se a atitude representa uma reincidência e da capacidade econômica do infrator.
Pressão de todos os lados
Desde que foi proposto em meados de abril, o PL foi alvejado por bolsonaristas e por ativistas de direitos digitais. As motivações de ambos os lados, no entanto, são diferentes.
Para aliados do presidente Jair Bolsonaro, o projeto criava uma onda de censura online por mirar as fake news, o que limita a liberdade de expressão. Algumas das plataformas compartilhavam dessa opinião porque o texto as transformava em "polícia da internet", conforme relatou a Tilt representantes destas empresas.
Plataformas e ativistas criticam ainda a rapidez com que o texto foi construído. O argumento é que a pandemia foi usada para agilizar as discussões no Congresso, mas, caso a lei seja aprovada, suas repercussões perdurarão para além da emergência de saúde.
Além disso, o PL modifica tanto MCI e a LGPD, que levaram anos de debate para serem aprovados. O Marco Civil está vigente desde 2014. Já a Lei Geral de Proteção de Dados está prevista para vigorar a partir de agosto, após algumas alterações de datas.
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