Ordem de Trump ainda tem um longo caminho para mudar redes sociais de vez
Após ter dois tuítes marcados como possivelmente enganosos no Twitter, o presidente norte-americano, Donald Trump, assinou uma ordem executiva para mudar a legislação do país com a intenção de limitar a proteção legal de redes sociais e permitir que elas sejam processadas por conteúdos de usuários. Mas na verdade, o caminho prático para que a ordem mude essas plataformas é um pouco mais longo do que parece.
Apesar de ter jogado faísca na guerra contra as empresas de internet, especialistas norte-americanos acreditam que a chance de acontecer uma alteração radical no modelo das redes sociais é baixa. Alguns até consideram a ordem inconstitucional.
O que aconteceu?
Trump, o rotulado: Na terça-feira (26), o Twitter sinalizou publicações de Trump com um rótulo de "potencialmente enganosa". Ou seja, com com chances de serem afirmações falsas.
Mas por que? O conteúdo em questão se referia a alegações não comprovadas de que as cédulas de votação enviadas via correio eram fraudulentas, o que reforçaria seus ataques a membros do partido democrata (é bom lembrar que os Estados Unidos está passando por uma corrida eleitoral).
A reação: Na quinta-feira (28), o presidente dos Estados Unidos decidiu assinar uma ordem que pede mudanças na Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act) de 1996.
O que dizia essa lei? Originalmente prevê que as empresas não podem ser processadas pelo que os usuários publicam por não serem classificadas como "editora" desses conteúdos. A exceção é para material relacionado à prostituição e pirataria.
O que tem a ver com as redes sociais? Na prática, essa regra estabelecia que Twitter, Facebook e afins não podiam ser culpados e processados pela iniciativa de um internauta compartilhar uma fake news. Ou que não devem ser responsabilizados se um usuário fizer uma ofensa pública na plataforma e/ou difamar outro usuário. Em todo caso, as empresas ficam livres para remover conteúdos violentos e/ou obscenos.
Um foi pouco: uma nova ação na sexta-feira (29) colocou ainda mais foco na polêmica da semana. O Twitter classificou como conteúdo de exaltação de violência um tuíte de Trump sobre os protestos em Minneapolis, depois da morte por asfixia de um homem negro por um policial branco, em que sugeria atirar nos manifestantes.
Por que Trump quer mudar?
O que Trump argumenta: Para mudar a lei, o republicano diz que, se uma empresa não é responsável pelo que o seu internauta publica, por que ela vai interferir no que já foi publicado? Com isso, as plataformas assumem o papel de "editoras" e não devem ter a imunidade de não poderem ser responsabilizadas pelo que circula dentro delas.
Desavença antiga: Trump vive há anos fazendo ataques a empresas de mídia social. Apoiadores do presidente acreditam que muitas plataformas têm viés político e que atuam contra políticos conservadores, o que já levou alguns usuários a processar plataformas sociais por considerarem que elas violam seus direitos (como ter contas bloqueadas ou conteúdos moderados).
Oposição reclama: críticos do presidente defendem que as plataformas de redes sociais devem ter liberdade para combater a desinformação e que a ação de Trump pode ser interpretada como ameaça e retaliação.
O que a ordem diz?
Por ora, uma "sugestão": a ordem executiva pede mudança nas atividades de dois órgãos independentes do governo. Na prática, ela é mais um pedido/posicionamento do chefe de estado (o que já é algo significativo). Mas não tem caráter definitivo.
FTC, a nova polícia? Com base no documento, Trump pede para que as contestações de internautas sobre a conduta de determinada plataforma social sejam apresentadas pela FTC (Comissão Federal do Comércio), órgão ligado à defesa do consumidor.
FCC, o novo juiz? Neste caso, os pedidos iriam para a FCC (Comissão Federal de Comunicações), que teria que o papel de criar seus critérios de avaliação, e decidir posteriormente se a moderação de um conteúdo publicado foi feita injustamente para censurar, reprimir ou assediar determinada pessoa ou grupo.
O impacto disso: essa mudança toda afetaria não só o Twitter e outras redes sociais, como todas as empresas que possuem seções de comentários na internet.
Mudança na lei pode ser inconstitucional
Entrave: a própria lei. O assunto aqui no Brasil não repercutiu como nos Estados Unidos, mas por lá a ordem de Trump chamou a atenção de especialistas em direito, acadêmicos e imprensa especializada. Parte deles acredita que a legislação atual será usada exatamente para contrapor o que Trump quer.
A Primeira Emenda da constituição dos EUA diz que o governo não pode limitar o discurso de entidades privadas. Logo, uma nova lei que permite dizer que uma rede social (privada) deve fazer ou não com o conteúdo dentro dela pode ser considerado inconstitucional.
Uma curiosidade: foi com base na Primeira Emenda que um tribunal determinou que Trump violou a constituição ao bloquear usuários cujas opiniões o desagradaram.
Autoridade para quem? O jornalista Russell Brandom, do site especializado The Verge, destaca que não fica claro se a FCC tem a autoridade necessária para decidir se uma rede social pode ser responsabilizada com base na ordem executiva do presidente.
Por conta de sua estrutura, a Seção 230 recebe diferentes interpretações:
- De um lado, alguns defendem que ela permite que empresas poderosas deixem de lado potenciais danos aos seus usuários
- Outros argumentam que a lei protege plataformas de acordo com interesses políticos
- E na outra ponta, críticos da ordem executiva de Trump consideram a ação seria um grande risco para a liberdade de expressão e combate à desinformação
A resposta das redes
Twitter afrontoso: Em resposta à polêmica das mensagens potencialmente enganosas de Trump, Jack Dorsey, presidente-executivo do Twitter, afirmou que a rede social "continuaria a apontar informações incorretas ou questionáveis sobre as eleições em todo o mundo".
Facebook no "veja bem". A rede social declarou: "Revogar ou limitar a legislação americana sobre conteúdos online de terceiros terá efeito adverso. Isso vai restringir mais o discurso online, e não o contrário. Ao expor empresas a potenciais riscos legais por tudo o que bilhões de pessoas no mundo dizem, as plataformas serão estimuladas a censurar qualquer coisa que possa desagradar a alguém", declarou um porta-voz do Facebook.
Lavando as mãos: na sexta-feira (29), o Facebook voltou a se posicionar afirmando que não removeria o conteúdo de Trump de sua plataforma.
"Eu tenho lutado para responder aos tuítes e postagens do presidente o dia todo. Pessoalmente, tenho uma reação visceral negativa a esse tipo de retórica divisória e inflamatória... Embora o post tivesse uma referência histórica preocupante, decidimos mantê-lo no ar porque as referências à Guarda Nacional significavam que o lemos como um aviso sobre ações estatais, e achamos que as pessoas precisam saber se o governo está planejando fazer uso da força", declarou Mark Zuckerberg, chefão da rede social.
"Sei que muitas pessoas estão chateadas por termos mantido os posts do presidente, mas nossa posição é que devemos permitir a máxima expressão possível, a menos que isso cause risco iminente de danos ou perigos específicos explicitados em políticas claras", acrescentou "Zuck".
Saldo final? Muitos críticos dizem que o Facebook parece estar conseguindo manter relações diplomáticas com a presidência, enquanto Trump e o Twitter permanecem em guerra.
Mudança na lei não é novidade
Já faz um tempo que políticos tentam fazer com que as empresas de internet sejam responsabilizadas por conteúdo de usuários.
Há quase um ano, em agosto de 2019, a CNN dos Estados Unidos publicou uma reportagem com base em um resumo que teve acesso do que seria um projeto de alteração dessa mesma lei encabeçada pelo governo Trump.
Musa inspiradora: segundo a reportagem da época, o documento tinha o título de "Protegendo os americanos da censura online"—há quem afirme que a equipe de Trump usou esse mesmo documento para se basear na ordem executiva atual.
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