Respirador caseiro ajuda contra coronavírus? Entenda problemas dos projetos
Muitas pessoas têm tentado criar alternativas para suprir a falta de respiradores hospitalares, um equipamento médico essencial e muito requisitado para pacientes crônicos do novo coronavírus. Apesar da boa intenção, especialistas pedem cautela, pois não é tão simples assim fazer um desses.
Antes de mais nada, é importante deixar claro que muitos pesquisadores sérios e gabaritados têm se dedicado para desenvolver respiradores de baixo custo, como uma equipe da USP que trabalha 18 horas por dia para viabilizar um ventilador pulmonar mais barato.
Por outro lado, tem aparecido no YouTube e Twitter diversas outras "criações" de respiradores de baixo custo, nos quais os usuários usam peças alternativas.
Um dos vídeos que viralizou, do canal Rato Borrachudo, possui mais de 91 mil visualizações e mostra a montagem de um respirador com uma impressora 3D e o auxílio de um limpador de para-brisas.
Outro vídeo que viralizou é o do canal Rocketz Labz, com cerca de 158 mil visualizações. Em ambos os vídeos, os criadores deixam claro que seria um produto que seria usado em caso de extrema emergência, além de afirmarem que se trata de um projeto simples, que necessita de adaptações.
A maioria dos vídeos sobre respiradores de baixo custo mostra um mecanismo que mantém um ritmo fixo, como se fosse um ciclo respiratório (inspiração + respiração). Os projetos funcionam como uma Ambu (Unidade Manual de Respiração Artificial).
Tilt foi atrás de especialistas para descobrir se projetos como os citados acima podem ajudar a tratar pacientes com covid-19. A resposta curta é: não. Apesar de parecer simples, um respirador usado para tratar casos graves de covid-19 possui muita tecnologia e inúmeras funções.
Normalmente, um paciente que precisa desse tipo de tratamento fica sedado e não consegue respirar sozinho. Portanto, os respiradores possibilitam que os médicos realizem ajustes referentes ao peso e altura do paciente, o volume e a pressão do oxigênio adequados, entre outros.
"Isso não é um respirador. É um sistema para ventilação emergencial. Até é bem intencionado, mas...", afirmou o médico infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas.
Dotados de um microprocessador, os aparelhos mais modernos calculam um volume de oxigênio necessário ao paciente, além de medir ciclos de inspiração e expiração, informar quanto o paciente recebeu de oxigênio e quanto colocou para fora, entre outras contas.
"Você pode modificar, inclusive, para que consiga aumentar a capacidade do pulmão, modificando as pressões que existem", explica Stanislau.
A possibilidade de medir a capacidade dos pulmões é um dos fatores que dificulta a fabricação desses aparelhos. Em resumo, os ventiladores pulmonares conseguem imitar o que o corpo humano faz normalmente durante um ciclo respiratório, mas podem ampliar a quantidade de oxigênio que o paciente respiraria normalmente.
O pessoal acha que é simplesmente colocar o galão lá e acabou, mas o respirador é muito mais que isso. A caixa torácica tem um complexo mecanismo de pressões. Existe uma resistência das vias aéreas naturais, pressões que devem ser residuais para o pulmão não colapsar. Simplesmente jogar ar para dentro pode não auxiliar em nada
Ellie Fiss, médico pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina do ABC
"Os ventiladores têm a vantagem, pelo uso da pressão, de aumentar a capacidade de receber oxigênio de nosso pulmão. Você também consegue calcular o tempo de expiração, de inspiração.. enfim, existem uma série de manobras disponíveis", explica o médico do Hospital das Clínicas.
Uma das preocupações com os projetos mais simples é sobre a pressão nos pulmões. Mesmo os respiradores mais antigos enfrentavam esse problema, já que começavam o ciclo apenas com a pressão que encontravam no órgão. Assim, o respirador enviava o volume de ar, mas se existisse qualquer pressão diferente, o ar não entreva nos pulmões e o aparelho já iniciava um novo ciclo.
Fabricar respiradores sem o cálculo ideal de pressão ainda pode trazer outro perigo aos pacientes, já que o ventilador pulmonar precisa oferecer a pressão expiratória final positiva.
"É como se no fim da respiração, o ventilador mantivesse uma pressão dentro dos pulmões para que os alvéolos continuem abertos. O mínimo que um respirador tem que ter é isso. Então, só um limpador de para-brisa mexendo vai trazer problemas metabólicos ao paciente, como por exemplo um barotrauma, por excesso de pressão", aponta.
Complexidade dos pulmões
Nossa caixa torácica lida com diferentes pressões, que não podem ser calculadas como se os alvéolos fossem tubos rígidos, já que mudam a circunferência o tempo todo.
"Os brônquios são tubos que ora estão mais dilatados, ora menos. Você tem que colocar ar para dentro, ar para fora, mas sempre tem que sobrar um volume residual com uma certa pressão, que não pode ser muito alta. Do contrário, você explode o pulmão. Se não tiver o volume residual, o pulmão colapsa", diz o professor da Faculdade de Medicina do ABC.
Além disso, existe o problema da expiração. Um mecanismo simples não filtraria o ar saído dos pulmões, o que infestaria o ambiente com o novo coronavírus, trazendo riscos para pacientes, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que trabalham no local.
O que diz a Anvisa?
Os ventiladores pulmonares são regulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com o aumento da demanda, a agência desenvolveu um documento com passos para a produção desses equipamentos.
O documento —que se baseia na norma técnica ABNT PR1003, criada em maio— traz nove passos para desenvolver e regularizar de ventiladores pulmonares. Algumas especificações listadas são "normas técnicas aplicáveis, desenhos, procedimentos, testes e resultados, especificações de configurações de hardwares, software, análise de riscos e fatores humanos".
A norma informa que equipamentos como ventiladores pulmonares para uso domiciliar, aparelhos para apneias do sono e ventiladores domiciliares para pacientes com deficiência respiratória não devem ser usados para tratar pacientes com a covid-19
O respirador manual do tipo Ambu pode ser usado em casos de covid-19, mas apenas para pacientes em situações emergenciais momentâneas. Além disso, deve ser manuseado apenas por médicos e em ambientes de emergência para ressurreição de pacientes em paradas cardiorrespiratórias.
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