Por que tecnologias inovadoras chegam antes no mercado pornográfico?
Sem tempo, irmão
- Relação entre tecnologia e indústria pornográfica vem de longa data
- Mas indústria pornô há tempos usa e refina inovações ainda em suas fases emergentes
- Mercado da pornografia atrai público que gosta de testar e que paga fácil, diz especialista
- Decisão de não cooperar com indústria pornô contribuiu para adotar padrão da fita VHS
- Pornografia também teve impacto no serviço de streaming e no e-commerce
Um ano antes de o Facebook lançar o aclamado equipamento imersivo Oculus Rift, em 2015 o site de conteúdo adulto Pornhub jogava no mercado o Twerking Butt, um tipo de bumbum-vibrador com realidade virtual. Enquanto ainda estranhamos os tiques da robô Sophia, sua "colega" Harmony tem conversas articuladas e ainda com dotes mais... "físicos".
Esses dois exemplos mostram bem como a indústria da pornografia consegue experimentar, em muitos casos, novas tecnologias com mais desenvoltura que as empresas e públicos mais tradicionais.
De acordo com especialistas, essa relação entre tecnologia e a indústria vem de longa data, sendo responsável por usar e refinar inovações ainda em suas fases emergentes.
Para entender isso, é preciso pensar o papel da indústria como "early adopter" das tecnologias, lançador de tendências e apropriador de inovações, como afirma Luiz Peres-Neto, professor doutor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM.
"Às vezes, a experiência do usuário faz com que uma tecnologia projetada por um produtor para um determinado fim tenha outro", afirma.
O sociólogo e professor Jorge Leite Júnior, do departamento de Sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), afirma que a pornografia está associada às tecnologias desde o início da modernidade.
Podemos pensar que a pornografia é, antes de tudo, um conhecimento sobre sexualidade e gênero, o que é classificado como perigoso do ponto de vista espiritual, estético, moral ou higienista. E as tecnologias são formas novas de disseminação de conhecimento e, portanto, um instrumento maravilhoso
Para Cassiana Buosi, idealizadora do site O Futuro do Sexo, a pornografia é uma indústria que representa um campo muito aberto de oportunidades, por ser lícita, acessível e permitir a exploração da imaginação. Daí vem o vínculo próximo com novas tecnologias.
"É um campo muito fértil de experimentação. Mesmo que errem em determinado produto, as empresas [de pornografia] muitas vezes conseguem relançar com menos recursos, recuperando o valor empregado. O risco para quem investe em tecnologias emergentes é muito mais baixo que em outros setores", afirma Buosi.
Essa adoção rápida da indústria atrai um público que gosta de testar e que paga fácil, complementa a especialista. "As pessoas pagam porque é um campo íntimo e permite a sensação de que podem experimentar tudo sem ser julgadas".
Experiências ao longo da história
Exemplos históricos do combo tec + pornô não faltam. Em 1840, em Paris, na França, havia 13 estúdios fotográficos e que não estavam indo bem até surgir a ideia de retratar modelos nuas. Vinte anos mais tarde, em 1860, o número de estúdios subiu para 400, quase todos vivendo desse novo modelo.
Quando o videocassete foi lançado, nos fins dos anos 70, era um aparelho caro, difícil de usar e as pessoas estavam felizes com os cinemas. Os consumidores de pornografia, no entanto, aderiram à tecnologia, resolvendo uma questão de privacidade e gerando demanda para a expansão do produto.
Dizem que isso influenciou até mesmo a briga de formatos entre as fitas Betamax e VHS, com estas últimas dominando o mercado.
O livro "Net.SeXXX: Readings on Sex, Pornography, and the Internet", de Dennis Waskul, relata que na feira de eletrônica CES de 1998, executivos da Sony (dona do formato Betamax) admitiram que a razão chave para a derrota foi a decisão de não cooperar com a indústria pornográfica.
Com o boom da internet, essa relação ganhou ainda mais força. Para Patchen Barss, autor do livro "The Erotic Engine: How Pornography Has Powered Mass Communication from Gutenberg to Google", a pornografia, por exemplo, criou a internet como a conhecemos hoje.
Exemplos disso são:
- O primeiro serviço de streaming, o Pythonvideo.com, criado em 1995, na Holanda, que distribuia vídeos ao vivo para 3.000 sites;
- O impacto no e-commerce, com o desenvolvimento de sistemas de pagamento online que resguardavam a privacidade dos clientes;
- O pioneiro site Danni's Hard Drive, criado em 1995 pela stripper Danni Ashe, que ganhou fama como a "Mulher com Mais Downloads do Mundo".
Uma pesquisa da Datamonitor, por exemplo, em 2000, apresentou dados indicando que dos US$ 2 bilhões de receitas com pagamento de conteúdos online, US$ 1,4 bilhão era gasto em conteúdo adulto.
Preconceito ainda é forte
Para quem acha que o elo entre a pornografia e a tecnologia enfraqueceu, o professor Jorge Leite Júnior, da UFSCar afirma o contrário. "A tecnologia é uma ferramenta fundamental para a pornografia. Essa é uma relação que nunca deixou de existir e que vai muito bem, obrigado", diz.
A nova fronteira é usar inovações como wearables (vestíveis) e realidade virtual, que já conseguem oferecer experiências mais avançadas. Dentre estas, a dos robôs sexuais, como a Harmony, é hoje a mais bem sucedida em comercialização, além de provocar discussões em termos éticos.
Para Leite Jr., em uma sociedade como a brasileira não deveria haver problema com isso. "Qual o problema de investir afeto nas tecnologias sexuais, como robôs, tirando um certo moralismo? Dentro de uma sociedade que ama máquinas, ter uma para fazer sexo é a coisa mais óbvia do mundo", afirma.
"Hoje, há muito pré-julgamento e palpites. Precisamos analisar calmamente esse assunto, entendendo o potencial dessa tecnologia emergente para outros setores. Eu vejo, por exemplo, um futuro em que robôs podem atuar em tratamentos terapêuticos", diz Cassina Buosi.
Ainda segundo Buosi, é esse tipo de olhar enviesado que impede que outras indústrias tenham mais insights a partir da pornográfica. "Muitas coisas desse segmento não são exploradas por outros mercados por falta de criatividade e imaginação. É tanto tabu que as pessoas não enxergam as possibilidades", afirma.
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