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A diferença é que o europeu confia no Estado, diz autor de modelo da OMS

Finn Diderichsen, pesquisador e professor aposentado da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca Imagem: Danmarks Statistik/Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para Tilt, em Maceió

14/06/2020 04h00

Para Finn Diderichsen, idealizador do modelo de determinantes sociais da saúde que inspirou a OMS (Organização Mundial de Saúde), uma diferença básica do Brasil para a Europa —especialmente nos países ao norte do continente—, é que as pessoas têm maior confiança em seus governos e cientistas.

O pesquisador e professor aposentado do Instituto Karolinska (Suécia) e da Universidade de Copenhagen (Dinamarca), afirmou ainda, em entrevista a Tilt, que os países que demoraram a agir contra a epidemia, como Suécia e Inglaterra, hoje tem índices de mortalidade cinco a seis vezes maior que os demais da região.

Casado com uma médica sanitarista brasileira, o epidemiologista dinamarquês de 72 anos mora em João Pessoa há quatro anos. No seu país de origem, liderou pesquisas que investigaram como problemas de saúde pública interagiram com diferentes condições sociais nas populações.

A vivência no Brasil lhe permitiu ver que o país paga mais uma vez com vidas o preço da desigualdade social, assim como ocorreu na epidemia do vírus da Zika associada à microcefalia entre 2015 e 2016. "Nunca houve um foco nas desigualdades, moradia e condições sanitárias. É o mesmo desta vez", critica.

Tilt - O senhor poderia explicar como funciona esse modelo adotado pela Organização Mundial da Saúde dos determinantes sociais em saúde e como ele pode ser aplicado no caso da covid-19?

Finn Diderichsen - O modelo distingue três mecanismos que contribuem para as desigualdades sociais em saúde. No primeiro, diferentes classes sociais são expostas diferencialmente ao vírus: os trabalhadores da saúde, transporte, produção e distribuição de alimentos estão mais expostos, enquanto em alguns outros é possível trabalhar em isolamento social.

O segundo é a vulnerabilidade diferencial. Quando expostas ao vírus, a maioria das pessoas não fica doente, mas uma parte fica; depende da imunidade, que por sua vez depende de infecção anterior ou de vacinação, se existir. Há outros fatores que influenciam, como a obesidade e o estresse, e ambos são mais comuns entre os pobres — no Brasil e em outros lugares.

O terceiro é sobre consequências diferenciais. Pessoas com distúrbios cardiovasculares, pulmonares, obesidade e diabetes, apresentam maior risco de desenvolver quadros clínicos graves e de morte. Todos esses desfechos nocivos e graves são mais frequentes entre as pessoas pobres, e em trabalhadores essenciais que se expõem a maior carga viral.

Tilt - Como a Dinamarca lidou com esta questão sanitária, e que padrões poderiam ser implementados em outros países?

Finn Diderichsen - A Dinamarca, Noruega e Finlândia tiveram bloqueio sanitário rigoroso a partir do meio de março; agora, quando a incidência está menor, abre-se controladamente. A Suécia e a Inglaterra tinham uma abordagem mais aberta, abrindo escolas e restaurantes, e permitindo visitas a lares de idosos. As taxas de mortalidade até agora na Inglaterra são cinco, seis vezes mais altas do que na Dinamarca e na Noruega, e na Suécia chega a ser quatro vezes maior.

Há uma concentração muito forte de mortes em lares de idosos que são mais frágeis. Tanto a Inglaterra quanto a Suécia tiveram um longo período em que as casas de repouso foram expostas, e elas estavam completamente despreparadas para proteger seus internos.

Tilt - Como podemos explicar as diferenças de medidas por lá?

Finn Diderichsen - A política da Dinamarca e de outros países europeus baseia-se em um nível mais alto de confiança entre a população e os setores públicos, e entre políticos e cientistas. A pandemia da covid-19 mostrou que essa confiança era ainda maior do que estamos acostumados. Mas também se viu um ruído constante com políticos populistas que tentaram criar a contradição dentro das elites, entre as pessoas, e minando a confiança na ciência.

Tilt - No Brasil, o senhor acredita que a desigualdade social contribuiu para disseminar o vírus?

Finn Diderichsen - Sim. Na exposição ao vírus, a vulnerabilidade e as consequências sanitárias são muito desiguais. É semelhante ao que aconteceu recentemente com outro vírus, o da Zika, que incidiu fortemente em algumas cidades do Nordeste do Brasil.

Tilt - Como o modelo desenvolvido pelo senhor pode nos ajudar neste momento de crise de saúde?

Finn Diderichsen - Bem, o modelo mencionado pode ser útil para entender os mecanismos e identificar pontos de entrada de políticas públicas. Hoje estou aposentado e não executo nenhum projeto específico, mas acompanho sua implementação em alguns países.

Tilt - O senhor acha que a covid-19 ainda causará muitos problemas à nossa sociedade? Quais regiões e desafios você considera mais relevantes neste momento?

Finn Diderichsen - Uma doença como a covid-19 —como muitas outras doenças— tende a exacerbar as desigualdades sociais em diferentes sociedades. Os estados nórdicos de bem-estar social, como a Dinamarca e a Suécia, apresentam diferenças econômicas relativamente pequenas, mas ainda tem grandes desigualdades em saúde. A experiência da covid-19 pode representar uma oportunidade de reforma para esses países mobilizarem a sociedade para diminuir essas desigualdades.

Tilt - Como o senhor acha que devemos lidar com o coronavírus enquanto não houver vacina? Os países acharão mais difícil lidar com esse novo normal?

Finn Diderichsen - As sociedades aprenderam a viver com muitos vírus que não tem vacina eficaz, ou disponível globalmente, como o HIV, Zika, dengue etc. No caso da covid-19, a comorbidade com obesidade, diabetes e doenças cardíacas podem indicar a necessidade de serem mais ativos no combate à indústria de alimentos. Acrescento também que o Brasil tem uma necessidade urgente de enfrentar as desigualdades econômicas e uma política habitacional e de saneamento decente.

Tilt - No caso de Zika então, podemos dizer que o Brasil não fez o dever de casa?

Finn Diderichsen - Para o Zika, a resposta política brasileira foi uma guerra contra os mosquitos com inseticidas e pesquisa biomédica. Mas nunca houve uma decisão para enfrentar as desigualdades, a falta de moradia e de condições sanitárias. É o mesmo desta vez. Nenhuma discussão sobre a enorme iniquidade social e nas razões para alta prevalência de comorbidades na população.

Veja, por exemplo, as desigualdades no Brasil foram reduzidas por muitos anos entre 2000 e 2015, por programas focais de transferência de renda, mas a perda de direitos e de renda na classe trabalhadora está fazendo aumentar novamente. E agora são as mais altas em comparação a qualquer outro país, entre os democráticos, de acordo com o pesquisador Thomas Piketty.

Tilt - Os países mais pobres e desiguais então viveram sempre em risco maior?

Finn Diderichsen - Sim, acho correto dizer que países muito desiguais são mais vulneráveis aos efeitos do vírus sobre a saúde, da indústria de fast-food e de outros consumos não-saudáveis.

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