Rede social não pode viver sem regra, diz relator da "Lei das Fake News"
Sem tempo, irmão
- Senador Angelo Coronel (PSD-BA) contou a Tilt algumas das mudanças na PL das fake news
- Relator diz que sites como Facebook e Twitter terão de exigir o número do celular no cadastro
- No texto, operadoras de telefonia terão de recadastrar usuários do pré-pago para coletar o CPF
- Também prevê que redes sociais destinem parte de seu faturamento para educação digital
- PL diz que apps de mensagem como WhatsApp terão que traçar encaminhamento de mensagens
Presidente da Comissão Nacional Mista de Inquérito das Fake News, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) também está em outra grande investida do Congresso Nacional no tema: o projeto da "Lei das Fake News". O objetivo do PL é criar mais regras para que as redes sociais e aplicativos de mensagem impeçam a disseminação de boatos. "As redes sociais têm de entender que não podem simplesmente viver no Brasil sem ter regulação", diz Coronel.
O projeto também vem sendo criticado não só por representantes das plataformas de internet, que acreditam que a proposta os transforma na "polícia da internet", mas também por ativistas que temem um cerceamento da liberdade de expressão na web.
Ainda esta semana, o relator vai apresentar as mudanças mais recentes incorporadas ao projeto —algumas delas foram adiantadas a Tilt.
- Obrigar sites como Facebook e Twitter a exigir o número do celular no cadastro;
- Obrigar operadoras de telefonia a recadastrar todos os usuários do pré-pago para obter o CPF;
- Obrigar que redes sociais destinem parte de seu faturamento para a educação digital;
- Obrigar aplicativos a criarem uma cadeia de encaminhamento de mensagens, de modo que seja identificado cada usuário que passou uma mensagem adiante.
Da autoria de Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto de lei 2630/2020 estava marcado para ser votado há duas semanas. Isso não ocorreu por falta de consenso em torno do substitutivo apresentado por Coronel, que chegou às mãos dos líderes partidários na madrugada do dia da votação. O senador explica que ele mesmo foi recrutado de surpresa para relatar a matéria.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Tilt - O que aconteceu da última vez para o sr. entregar o relatório às 2h da madrugada do dia da votação?
Angelo Coronel - Meio-dia da segunda, Davi [Alcolumbre, presidente do Senado] diz: "Rapaz, só tem você para relatar esse processo". Eu respondo: "Agora?". "É, você já tá na CPMI, já está mais embasado, se eu passar para outro, vai demorar para estudar a matéria. Topa?". E digo: "Pois me dê". Eu recebi na segunda para votar terça. Aí eu tive de soltar 2h da manhã. Eu soltei a minuta para esperar o rebote. E graças a Deus que veio. Senão iria ficar que nem igreja, aquele negócio monótono.
Tilt - Como a experiência como presidente da CPMI das Fake News ajudou na condução da relatoria desse projeto de lei?
Angelo Coronel - Esse período na CPMI serviu para absorver certo "know how" para criar artigos que facilitem aos poderes investigativos banir do Brasil as fake news, e descobrir também seus operadores e os financiadores.
Tilt - Qual foi o elemento mais preocupante na disseminação das fake news que o sr. detectou?
Angelo Coronel - Chega uma denúncia e você pede a quebra do perfil. Quando a rede social manda a informação, só vem o IP e algum dado. Só que aquele perfil pode ser falso, pois foi criado a partir de um celular pré-pago habilitado com CPF frio. Você não vai chegar ao criador, porque está acobertado pelo anonimato fraudulento.
Tilt - E como isso estará contemplado no seu relatório?
Angelo Coronel - Ao obrigar todas as operadoras de telefonia a validarem o cadastro dos brasileiros, quando houver uma ordem judicial para uma plataforma, ela vai ter de informar o número de celular usado para abrir a conta. Isso estará no relatório e acredito que sirva de modelo para o mundo.
Tilt - A lei geral das telecomunicações já traz essa exigência para as teles.
Angelo Coronel - Sim, mas o que impede você de chegar na internet e comprar quantos CPFs frios quiser? Eu mesmo fiz um celular da Vivo, que mandei comprar e pedi à empregada para botar um CPF. Ela colocou o do pai e passou. Alguém compra um chip, coloca o CEP e CPF que quiser, porque não tem checagem, e abre uma conta fria no WhatsApp, Facebook ou Twitter e começa a disparar veneno.
Tilt - Isso que o sr. pediu à sua empregada não é ilegal?
Angelo Coronel - Entenda bem, eu estou fazendo um laboratório aqui em casa só para testar todas as portas por onde se pode cometer um crime nas redes sociais. Não vá botar que eu tô fazendo crime, porque eu estou fazendo é um laboratório.
Tilt - E qual é a solução?
Angelo Coronel - As teles começaram a testar sistemas inteligentes em Goiás e Brasília para habilitar chips novos que já pedem alguns dados. Talvez com isso, feche o cerco. Mas o problema está nos 130 milhões de CPFs que já habilitaram chips pré-pagos. Estou colocando no relatório que se faça um recadastramento presencial ou por meio digital que valide realmente se aquele CPF é falso ou não.
Tilt - Ano passado, elas fizeram um grande recadastramento de pré-pagos.
Angelo Coronel - Fizeram. Mas checaram o CPF? Não. O problema está na indústria de CPFs falsos do Brasil. Na CPMI, vimos que muitas das empresas que disparam mensagens em massa compraram listas de CPFs de idosos. Nós temos que validar que os CPFs de Helton e de Angelo Coronel sejam mesmo de Helton e Angelo Coronel e são eles que estão abrindo a conta.
O pessoal da telecom perguntou: "como a gente vai recadastrar 130 milhões de celulares pré-pagos em meio à covid?". É só criar um sistema para evitar que o cara vá à loja. Você já não entra no celular para fazer uma carga? No momento em que for colocar R$ 10, revalida os dados. O que custa colocar seu CPF para a tele validar os novos dados? É só ter vontade.
Tilt - A verificação do CPF vai entrar no lugar do dispositivo do seu primeiro substitutivo, que obrigava as redes sociais a exigir CPF e RG para criar contas?
Angelo Coronel - Eu vou incluir a obrigatoriedade de toda plataforma, tanto rede social quanto de mensageira, exigir o celular para enviarem um SMS e validarem a abertura daquela conta. Por que isto? Eu estou no pressuposto que este celular já está cadastrado nas telefônicas com os dados reais.
Tilt - Seu texto trará a previsão de remoção de fake news?
Angelo Coronel - Olha, o meu relatório não cria a censura. A liberdade de expressão será mantida, assim como o veto ao anonimato, pois são cláusulas pétreas da Constituição. E o conteúdo falso é [removido] só via ordem judicial. A plataforma não pode ser censora.
Tilt - Não haverá nenhuma restrição a conteúdo falso nas redes sociais?
Angelo Coronel - Não, porque a verdade para você pode não ser a mesma para mim. Esse negócio de falsidade nas redes sociais é algo muito utópico, então é difícil saber. Só tem uma maneira: botar um juiz. E é até temerário, porque o juiz às vezes não tem a capacidade de julgar o que é falso ou verdadeiro. Mas alguém tem que julgar.
Tilt - O sr. pretende restringir posts que tratem de discurso de ódio?
Angelo Coronel - Não, não discuti nada disso com ninguém. Essas coisas são muito intangíveis. Você talvez ouça aquilo como [discurso de] ódio, outro pode ouvir como uma melodia. A partir do momento que cerceia a liberdade de expressão, você está fazendo censura.
Tilt - O seu relatório trará alguma restrição em relação à verba de publicidade pública?
Angelo Coronel - Ele está vetando a aplicação de recursos públicos em sites e blogs inadequados. Por exemplo, sites de pornografia, que fazem apologia ao racismo, que disseminem fake news ou sejam contra a democracia. Vetar para sites que não estão dentro dos preceitos da Constituição Federal, para ser mais amplo.
Tilt - Como identificar esse tipo de coisa?
Angelo Coronel - Vai caber ao contratante analisar onde é que ele está colocando recurso público e verificar se aquele site pratica aquilo ou não. O servidor público vai ser o responsável.
Tilt - O que acontecerá se ele descumprir?
Angelo Coronel - Ele poderá ser punido por crime de responsabilidade, porque está mexendo com dinheiro público.
Tilt - O seu texto trará alguma forma responsabilização das redes sociais, como havia nas outras versões do projeto?
Angelo Coronel - Se elas descumprirem alguma ordem judicial, serão penalizadas.
Tilt - O primeiro substitutivo que o sr. apresentou propunha multa de até R$ 10 bilhões para infratoras.
Angelo Coronel - Para a gente do Brasil, é muito dinheiro. Para essas redes sociais internacionais, com o dólar e o euro nas alturas, isso é muito pouco. Meu relatório vai trazer multas e sanções, sim. Vamos exigir também que a rede social seja obrigada a ter sede e representante no Brasil. Senão, o oficial de Justiça vai procurar o cara onde para multar?
No nosso relatório, as plataformas estarão sujeitas às leis brasileiras. Ela não pode operar no Brasil e estar sujeita às leis americanas, como aconteceu nas quebras de sigilo na CPMI onde foi usado o MLAT, um acordo bilateral Brasil-EUA. Para quebrar [o sigilo], o ministro da Justiça brasileiro tem que mandar solicitação para lá. Ou seja, passa um ano, dois anos e você não recebe resultado.
Tilt - Que outras exigências você fará para as redes sociais?
Angelo Coronel - Estou querendo destinar um percentual em cima do faturamento das plataformas declarado à Receita Federal para ser aplicado em educação digital. Eu ainda estou estudando um percentual que deverá ir para um fundo. Ele será aplicado por todos os estados e municípios brasileiros.
Tilt - Os textos anteriores traziam várias exigências para as redes sociais serem mais transparentes. O sr. trará isso no seu relatório?
Angelo Coronel - Basicamente, o que eu falei são os pilares do relatório. Quando eu fui designado para relatar o projeto, era para combater fake news. Eu estou focado a combater o crime nas redes sociais, e para isso você tem de ir atrás do dinheiro dos investidores, para desbaratar gangue digital.
É bom até fazer uma ressalva. Isso não está endereçado a nenhum partido político, mas visando o futuro para que a gente tenha eleições limpas e sem interferência de rede social
Tilt - O texto do senador Alexandre Vieira previa enquadrar a disseminação de notícia falsa nos mesmos termos de organização criminosa. O sr. vai manter estes pontos?
Angelo Coronel - Já existe na nossa legislação penal brasileira vários crimes tipificados. Essas mudanças têm de ser feitas em um projeto à parte. Eu ainda não fechei essa questão no meu relatório e estou analisando essa proposta do Alessandro.
Tilt - O seu relatório vai propor tipificar alguma conduta como crime?
Angelo Coronel - Eu pretendo criar o "crime contra a honra na internet", que não existe. Hoje, há o crime contra a honra, mas na internet a potencialidade é gigante. O novo crime teria uma punição maior. Hoje são seis meses de prisão. Eu estou analisando de ir para cinco anos e estudando se há condição de incluir no relatório ou em um projeto à parte.
A liberdade de expressão deverá ser mantida com responsabilidade, mas com direito de resposta assegurado. Estou colocando que, a partir do momento que surge uma publicação falsa a seu respeito, você vai remover o conteúdo, mediante ordem judicial, e expor o seu contraditório. E ele deverá passar nas mesmas contas que viram a depreciação.
Não podemos ser avacalhados numa rede social ou atacados em grupos de WhatsApp sem termos o direito de nos defender
Tilt - Isso quer dizer que você vai manter a ideia de exigir que apps de bate-papo como o WhatsApp criem e guardem a cadeia de encaminhamentos?
Angelo Coronel - Traremos essa ideia para poder voltar à origem, a quem cometeu o crime. Como o celular estará recadastrado, você vai descobrir quem é o bandido. Também acontecerá o seguinte: eu mando o meu contraditório e a rede terá de passar para todo mundo que viu a depreciação. E isso aí o WhatsApp não quer nem a pau.
Tilt - O aplicativo argumenta que introduzir esse tipo de ferramenta vai mudar todo o seu sistema e pode servir de instrumento para governos que queiram identificar ativistas.
Angelo Coronel - E eles não estão mudando agora para se transformar em uma plataforma digital de pagamentos? O WhatsApp está lançando no Brasil uma plataforma de receber e pagar. Ele pode trabalhar e fazer. As redes sociais têm de entender que não podem simplesmente viver no Brasil sem ter regulação.
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