Experimento de detecção da matéria escura capta "sinais inexplicáveis"
A matéria escura, que representa cerca de 85% da massa do universo, é um mistério: sabemos que ela existe, mas não descobrimos do que ela é formada. O Xenon1T, equipamento mais sensível já desenvolvido para detecção do fenômeno, registrou um grande número de eventos sem explicação que animaram a comunidade científica —e podem até servir para esclarecer a natureza da matéria escura.
Antes de falarmos da experiência, é preciso entender um pouco sobre o que sabemos sobre matéria escura. Ela é o que gera a gravidade extra observada no universo e não interage com a matéria comum, formada por átomos e moléculas. Só sabemos que ela existe por causa de seu efeito gravitacional em corpos celestes visíveis —por exemplo, estrelas e galáxias.
O Xenon1T esteve em operação entre 2016 e 2018 no subsolo do Laboratório Nacional de Gran Sasso, na Itália. Ele é um tanque com 3,2 toneladas de xenônio liquefeito ultrapuro, que serve como alvo para interações entre os átomos de xenônio e as partículas que passam por ele. Foi projetado para buscar supostas partículas pesadas de matéria escura chamadas WIMPs —sigla em inglês para partículas massivas que interagem fracamente.
Como a pesquisa sobre o WIMP não avançou, os cientistas perceberam que poderiam usar o experimento para procurar outros tipos de partículas desconhecidas que poderiam passar pelo detector. Eles tratavam a observação de "recuos eletrônicos" como ruído do experimento, talvez causado por outras fontes, como isótopos de chumbo radioativo e criptônio.
Mas eles perceberam, em análises posteriores sobre o experimento, que dos 232 recuos esperados pelo consórcio Xenon, 285 apareceram —53 deles com uma fonte de energia inexplicável, portanto.
"A esmagadora maioria destes sinais (mais de 99,9%) deve-se a radiações de origem conhecida, o que permite aos cientistas calcular com grande precisão o número de eventos esperado. E aqui observaram-se mais 22,8% eventos em relação ao previsto", explica José Matias-Lopes, pesquisador do Laboratório de Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação da Universidade de Coimbra.
A primeira teoria deles é que isso pode apontar para a existência de uma outra partícula ainda não detectada, chamada áxion solar, supostamente produzida no interior do Sol. Sua existência comprovaria uma nova classe de partículas. E seguindo essa teoria, outros tipos de áxions criados no universo primitivo seriam um componente da matéria escura.
Além dos áxions, outras duas hipóteses sobre a natureza da descoberta. Uma delas é que seria um novo momento magnético dos neutrinos, partículas subatômicas que interagem com outras por meio da gravidade.
Essa descoberta também seria relevante, já que o índice de momento magnético detectado teria de ser superior ao valor previsto nas teorias. o que indicaria "uma nova física além do modelo padrão", segundo Peter Graham, físico de partículas da Universidade de Stanford, ao site Quanta.
Uma terceira hipótese para o número maior de eventos tem a ver com a presença de trítio, um raro isótopo radioativo de hidrogênio, que poderiam estar no tanque de xenônio e que seus decaimentos radioativos gerem os tais recuos eletrônicos. Embora menos emocionante, esta ideia "não pode ser confirmada nem excluída", disse a equipe do Xenon1T em seu artigo.
Os cientistas vão substituir o projeto por um sistema de detecção ainda mais sensível, o XenonnT, que deve entrar em funcionamento no verão europeu. Esse novo sistema será preenchido com seis toneladas de xenônio liquefeito ultrapuro. A expectativa dos cientistas é de que em dois ou três meses terão a confirmação da origem do excesso de agitação observada no Xenon1T.
"Avizinham-se por isso tempos de grandes avanços e de descobertas que levam a largos passos em frente no conhecimento da Humanidade", afirma o consórcio.
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