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Quase uma bomba, mas diferente: como usinas nucleares funcionam?

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

25/06/2020 04h00Atualizada em 25/02/2022 14h25

Quando ouvimos a expressão "fissão nuclear", a primeira imagem que vem à mente é a de uma bomba explodindo. No entanto, esse mesmo conceito pode ser usado para algo bem mais produtivo: as usinas nucleares, uma das maiores fontes de energia conhecidas.

O conceito delas data do pós-guerra. A primeira usina a entrar em funcionamento como uma matriz elétrica foi a de Obninsk, na extinta União Soviética, em 1954. As seguintes foram a de Calder Hall, na Inglaterra (1956), e a de Shippingport, nos Estados Unidos (1957).

Tidas por um tempo como a forma ideal de se gerar eletricidade, elas tiveram a imagem manchada depois de acidentes como os de Three Mile Island, que aconteceu em 1979 nos EUA, e, principalmente, o de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Mesmo assim, elas passam longe de desaparecer: segundo a World Nuclear Association, atualmente há 440 usinas em operação ao redor do mundo.

O princípio de funcionamento de uma usina nuclear é a fissão nuclear. Nesse ponto, há semelhanças com o que ocorre no caso das bombas.

Há variações no modelo de construção das usinas nucleares, mas aqui vamos falar sobre o tipo mais comum, o PWR (Pressurized Water Reactor, ou Reator de Água Pressurizada), que representa cerca de 60% dos reatores em operação no mundo.

As usinas usam urânio enriquecido, uma mistura que contém dois isótopos —isto é, variantes do elemento químico— do mineral: o urânio-238, chamado de material fértil, e o urânio-235, o material físsil. A concentração aqui é o segredo: o conjunto contém entre 2% e 5% de urânio-235, que além de ser mais instável do que o urânio-238, é o isótopo que sofrerá a fissão nuclear.

Esse material é processado em pequenas pastilhas, que são armazenadas dentro de tubos. Nesses tubos, ele já sofre o decaimento espontâneo, quando há a emissão de nêutrons em altíssima velocidade.

Na usina, esses tubos ficam em uma estrutura cheia de água, que é o núcleo do reator. Dentro da água, aqueles nêutrons emitidos em alta velocidade desaceleram. Uma vez mais lentos, eles agora conseguem atingir e se prender a outros átomos de urânio-235, tornando-se urânio-236, altamente instável. Ele então se parte em dois, dando origem a átomos de bário e de criptônio e dispara de dois a três nêutrons nesse processo - o que também gera uma enorme quantidade de energia.

Os nêutrons disparados com a fissão nuclear são novamente desacelerados por estarem na água e, de novo, "grudam" em outros urânio-235, dando continuidade ao processo. O nome disso é reação em cadeia.

Para evitar que isso ocorra assim que os tubos de combustível são inseridos na água, com eles são colocadas as barras de controle, feitas de materiais leves como o carbono e o boro. A função, aqui, é absorver os nêutrons provenientes do decaimento espontâneo do combustível nuclear e evitar a reação em cadeia. Assim que o combustível está instalado dentro do núcleo do reator, essas barras de controle são retiradas e o reator é "ligado".

Essas barras também têm outra função: elas seriam como "termostatos" do reator, ajustando a intensidade e até mesmo parando o seu funcionamento.

Com as reações ocorrendo no núcleo do reator, a água na qual os tubos de combustível estão inseridos esquenta a temperaturas próximas dos 400º C. Essa água quente seguirá por tubos, até uma estrutura chamada vaporizador. Lá, é resfriada e retorna para o reator. Isso forma o circuito primário de refrigeração.

Já no vaporizador, o calor da água usada no núcleo faz com que mais água seja fervida, gerando vapor - e, consequentemente, pressão. Esse vapor é direcionado a canos e movimenta turbinas a grandes velocidades. O movimento dessas turbinas é o que gera a energia elétrica.

O vapor então segue para um condensador, onde é resfriado, volta a ser água e retorna ao vaporizador, formando o circuito secundário.

Por fim, temos o circuito terciário: água fria de fontes naturais, como rios, lagos e mares —por isso é comum termos usinas nucleares próximas a esses locais— é bombeada dentro do condensador e sai de lá quente. Se não há uma fonte de água fresca por perto, há torres de resfriamento —aquelas "chaminés" que vemos em alguns tipos de usina— para pegar a água quente do reator e devolvê-la mais fria.

Qual é a principal diferença entre a fissão em uma bomba nuclear e o que ocorre em uma usina?

De maneira geral, a maior diferença está na limitação da reação em cadeia da fissão nuclear. No caso das bombas, o material utilizado como "combustível" contém uma alta concentração de Urânio-235 (superior a 85%). Uma vez que esse material é bombardeado por nêutrons, a reação decorrente ocorre de maneira descontrolada.

O que significa "enriquecer urânio"?

Para que seja útil em uma usina nuclear, o urânio precisa passar por um processo chamado "enriquecimento". Na natureza, o elemento tem apenas 0,7% de isótopos Urânio-235 —o combustível nuclear, assim por dizer. Para que a proporção chegue a 3,2%, esse processo extrai o Urânio-238 do minério para aumentar a proporção de Urânio-235.

Uma usina pode explodir como uma bomba?

Não, porque o combustível usado em uma instalação do tipo contém baixa concentração de Urânio-235. Mesmo que a reação fique fora de controle, a velocidade da fissão nuclear não seria semelhante à que ocorre em uma bomba.

O que pode acontecer é acidentes como o de Chernobyl, quando um aumento súbito da pressão dentro do núcleo do reator pode causar uma explosão de vapor e consequente emissão de radiação pela exposição desse núcleo.

O que é lixo nuclear?

Trata-se do rejeito nuclear, e é resultado do processo de fissão nuclear. A partir daí, ele é retirado do reator e pode passar por um processo de "reciclagem", que separa partes do material para serem reutilizadas como combustível. O restante é armazenado em instalações criadas para esse fim, de maneira a evitar a contaminação do ambiente e de seres vivos pela radioatividade emitida por esse material.

Fontes:

Leandro Russovski Tessler, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp)
Andressa Nicolau, coordenadora da curso de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ (Poli-UFRJ)
Jose Helder F. Severo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP)

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