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Como passaremos muito tempo no espaço? A resposta vem dos ursos: hibernando

Marcel Lisboa/UOL
Imagem: Marcel Lisboa/UOL

João Paulo Vicente

Colaboração para Tilt

26/06/2020 04h00

2020 não está fácil. A quarentena do coronavírus fez muita gente dormir além da conta para fugir da realidade. Mas e se dormíssemos depois do Carnaval e acordássemos só quando tudo estivesse melhor? Infelizmente, humanos não hibernam. Felizmente, talvez isso mude no futuro.

A ideia de hibernar é um clássico na ficção científica, como nos filmes "Alien" e "2001: Uma Odisséia no Espaço". Em teoria, parece a melhor maneira de viabilizar a longuíssimas jornadas espaciais. A Mars One, uma startup que pretendia colonizar Marte mas declarou falência recentemente, estimava a viagem até o planeta vermelho em sete meses, por exemplo.

Apesar do fracasso da empresa, gente mais séria como a Nasa e a Agência Espacial Europeia (ESA) estão de olho em pesquisas com hibernação de humanos. Também há vantagens mais mundanas, como aplicações no tratamento de recuperação de paradas cardíacas, tremores pós-operatórios, depressão e insônia, entre outros.

O problema é que não é um desafio muito fácil de solucionar. "Ainda que genes específicos e únicos ligados a hibernação nunca tenham sido identificados, as pessoas não têm a regulação coordenada de expressão de genes que prepara os animais para hibernar, dão início a esse processo e protegem o corpo de danos nas transições de entrada e saída da hibernação", explica Kelly Drew, pesquisadora do Departamento de Química e Bioquímica da Universidade de Alaska.

A hibernação é um estado corporal misterioso no qual animais reduzem a temperatura corporal e o metabolismo de maneira drástica. São capazes disso ursos e roedores como o esquilo-do-ártico estudado por Drew. Ela trabalha no desenvolvimento de uma substância que permitiria aos humanos mimetizar o processo.

"Meu laboratório descobriu um mecanismo que é necessário e suficiente para levar o esquilo-do-ártico a hibernar", conta. A partir da combinação de dois novos compostos químicos, o método seria capaz de induzir um estado semelhante ao da hibernação.

Toda a tecnologia foi licenciada por uma empresa chamada Be Cool Pharmaceutics, que aguarda autorização da FDA, a versão norte-americana da Anvisa, para seguir com os testes.

"Se essas substâncias se mostrarem seguras, estudos iniciais com humanos podem começar já no ano que vem", diz a pesquisadora.

Partiu dormir?

Antes de respirar fundo e já se preparar para fechar os olhos, calma. Disso até alcançarmos algo como a hibernação de um urso há um abismo. Na verdade, Kelly explica que a primeira indicação para o método é ajudar na sobrevivência de pacientes ressuscitados após paradas cardíacas.

"Se isso se mostrar seguro para esse mercado, a segunda indicação é para tremores pós-operatórios", afirma. "Uma média de 35% de pacientes têm tremores após anestesia, o que é desconfortável e pode complicar a recuperação."

Em resumo, conta ela, esse medicamento seria capaz de transformar a medicina ao mudar a forma como a temperatura corporal é encarada: de um sinal vital para uma questão terapêutica.

Reduzir a temperatura entre 1 e 5 graus Celsius poderia facilitar o sono, funcionar como um tratamento para depressão, atrasar a progressão de tumores e até atenuar reações hiper-inflamatórias que matam pessoas infectadas com a Covid-19.

"No entanto, os benefícios terapêuticos de diminuir a temperatura corporal não foram explorados totalmente porque ainda não foi possível resfriar as pessoas sem induzir tremores e uma resposta ao frio", fala Kelly.

Afinal, sem algo que induza os humanos a um estado semelhante ao de hibernação, uma pessoa vai morrer se sua temperatura baixar muito. Para tentar aquecer o corpo em uma situação do tipo, o corpo treme. Mas esses tremores gastam energia enquanto a ideia de hibernar é justamente preservar energia.

Ao infinito e além

Desfazer esse nó, no entanto, parece essencial quando se pensa em viagens interplanetárias. Na verdade, a Nasa chegou a desenvolver um protocolo de hibernação para cenários do tipo em parceria com a empresa Spaceworks.

Publicado em 2016, o documento estabelece que a maior parte dos astronautas hibernariam em pequenas cápsulas por períodos de até duas semanas enquanto um deles se manteria acordado —as posições seriam rotativas.

Entre as vantagens, estão evitar o desespero de meses confinado em espaço minúsculo, a redução na quantidade necessária de comida para encarar a jornada e economizar peso com substâncias de defesa contra radiação espacial, que seriam concentradas nas cápsulas de hibernação.

Por outro lado, os astronautas ainda precisariam se alimentar, o que seria feito por sondas. Além disso, ainda falta descobrir como "apagar" os exploradores espaciais.

Rob Henning, pesquisador da Universidade de Groningen que há dez anos tenta desvendar os mecanismos da hibernação, sintetizou o quanto isso é importante de forma bem clara. "Se você descobrir esse interruptor", disse Rob ao The Broad, "você ganha um prêmio Nobel."

Um dia, talvez, a gente chegue lá. "A habilidade de diminuir a temperatura corporal com objetivos terapêuticos vai abrir caminho para entender a duração pela qual um humano pode ser resfriado, e a busca por uma abordagem segura para a entrada e saída de um estado de metabolismo reduzido que chamamos de torpor", explica Kelly Drew.

"Seria uma maneira agradável de passar o tempo enquanto nos aconchegamos em um lugar seguro ou viajamos para lugares distantes como Marte e além."