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Como cientistas detectaram raio de extensão recorde no Brasil, com 709 km

Com mais de 700 km, relâmpago no Brasil quebra recorde mundial - Divulgação/Organização Meteorológica Mundial
Com mais de 700 km, relâmpago no Brasil quebra recorde mundial Imagem: Divulgação/Organização Meteorológica Mundial

Ivanir Ferreira

Do Jornal da USP

27/06/2020 10h12

O Comitê da Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou dia 26 de junho dois novos recordes mundiais de descargas elétricas (raios). O de maior extensão, com 709 quilômetros (km), foi detectado no sul do Brasil, atingindo os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em 31 de outubro de 2018. Para efeitos comparativos: a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro é de cerca de 430 km. O outro recorde, de maior duração, 16,73 segundos, ocorreu no norte da Argentina, em 4 de março de 2019.

Os fenômenos atmosféricos foram registrados com tecnologia de mapeamento de raios por satélite e são muito superiores às medições realizadas anteriormente nos Estados Unidos (EUA), onde um raio atingiu 321 km de extensão, e outro, na França, teve duração de 7,74 segundos.

Os 709 km equivalem à distância entre Boston e Washington, nos Estados Unidos, ou entre Londres e a fronteira na Suíça, de acordo com dados divulgados pelo comitê da OMM. Na América do Sul, a distância é equivalente à divisa do norte do Rio Grande do Sul com a Argentina, percorrendo toda Santa Catarina e adentrando o Oceano Atlântico.

A meteorologista Rachel Albrecht, professora do Departamento de Ciências Atmosféricas, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, participou do comitê de especialistas que certificou os dois novos recordes.

Segundo a pesquisadora, o fato de essas regiões serem propensas à formação de tempestades severas com enorme extensão horizontal (várias centenas de quilômetros) contribuiu para que esses recordes de distância e de tempo fossem registrados no local.

Nessas condições, uma única descarga elétrica viaja por muito tempo e por longas distâncias dentro das nuvens
Rachel Albrecht, professora do IAG da USP

Situação semelhante ocorre no Brasil que, pelo amplo território localizado em latitudes tropicais, o torna líder mundial de incidência de descargas elétricas - 105 milhões em números absolutos de quedas de raios por ano. Porém, é uma verdade relativa pois na República do Congo (África Central), com uma área quase quatro vezes menor que o Brasil, ocorrem cerca de 95 milhões de raios.

Mapeadores geoestacionários de raios

Sobre os registros encontrados no sul do Brasil e na Argentina, Rachel acredita que ainda seja possível obter recordes maiores ainda, à medida que novas tecnologias de mapeamento espacial de raios forem surgindo. Os instrumentos utilizados nessa experiência são os mais modernos e possuem a capacidade de medir a extensão e a duração dos raios de forma concomitante: são os Mapeadores Geoestacionários de Raios (GLMs, na sigla em inglês) nos satélites ambientais operacionais geoestacionários da série R (GOES-16 e 17).

Estes "instrumentos registram as descargas elétricas a cada 2 mil segundos sobre todo o continente americano e oceanos adjacentes", diz a pesquisadora.

Os novos recordes foram submetidos à OMM por um pesquisador do Los Alamos National Laboratory, dos Estados Unidos, e foram avaliados e validados por um comitê de especialistas em Eletricidade Atmosférica do Brasil, Estados Unidos, França, China e Reino Unido.

Sobre a importância dos registros, Rachel explica que são informações valiosas do ponto de vista de segurança pública, social e climático. "Muitas vidas são ceifadas todos os anos devido a quedas de raios. Esses recordes indicam que os raios podem percorrer distâncias extremamente grandes e as pessoas devem sempre procurar abrigo quando uma tempestade se aproxima ou escutam um trovão."

As descobertas ajudam a monitorar onde há maior incidência de descargas elétricas, com qual intensidade elas ocorrem e a distância que podem percorrer. Sobre a questão climática, a pesquisadora diz que as descargas elétricas estão relacionadas às mudanças climáticas mundiais. Alguns estudos levantam a hipótese de que cada grau a mais registrado na temperatura global poderia ocasionar aumento da incidência de raios na Terra.