Greve do delivery: conheça o líder dos 'Entregadores Antifascistas'
"Trabalhar com fome no estômago e carregar comida nas costas é uma tortura", diz Paulo Lima, apelidado de "Galo", entrevistado por WhatsApp. Durante um ano e meio, esse morador dos subúrbios da Zona Oeste de São Paulo cruza a metrópole para realizar as entregas das maiores aplicações de delivery de comida do Brasil: Uber Eats, iFood e Rappi. Galo sente fome enquanto carrega lagostas que ele "nunca pode comer" e inala o cheiro de pratos reservados para as classes média e alta de São Paulo.
Segundo um estudo da associação Aliança Bike, os entregadores brasileiros ganham em média R$ 992 reais (?161) por mês, trabalhando doze horas por dia. Seis reais a menos que o salário mínimo brasileiro. Antes da epidemia do novo coronavírus, havia aproximadamente quatro milhões de entregadores de motos e bicicletas no país. Para Galo, sua luta começa exigindo o básico: comida e proteção adaptadas à pandemia.
Na linha da frente, mas sem proteção
Tudo começa em seu aniversário de 31 anos, no último dia 21 de março. "O número de entregadores triplicou durante a pandemia", explica Galo, "e o ritmo está se acelerando: quanto menos ganhamos, mais corremos após as entregas".
Naquele dia, quando realizava uma entrega com a moto que ainda não havia terminado de pagar, seu pneu explodiu. Não foi possível concluir a entrega. Ele ligou para a Uber para explicar a situação e o responsável do aplicativo garantiu que ele não sofreria retaliações.
Mas, no dia seguinte, ele foi bloqueado no aplicativo. "Eu queria denunciar essa injustiça", conclui. É assim que ele finaliza um vídeo que viralizou nas redes sociais brasileiras. Ele agora lança uma petição online, assinada por mais de 380.000 pessoas, para exigir kits de higiene para o Covid-19 e refeições pagas pelas empresas de entrega. "Os aplicativos começaram a anunciar que estavam nos protegendo", lembra ele, "mas nunca recebi nada".
Desde essas denúncias, Paulo Lima foi bloqueado em todos os aplicativos para os quais trabalhava. Ao criar o "Movimento dos entregadores antifascistas", ele também foi criticado por alguns de seus colegas. "Eles me mandaram ir pra Cuba", brinca.
Galo se dá ao trabalho de explicar que alguns de seus colega s se sentiram humilhados pelo fato de estar pedindo comida aos aplicativos de delivery, "porque ainda acreditam no sonho que lhes foi vendido: serem empreendedores". Outros são eleitores de Jair Bolsonaro, "porque há muitos roubos de motos e o presidente prometeu que lhes daria armas".
Mas mesmo que a greve anunciada na quarta-feira 1º de julho seja oficialmente apolítica, é o primeiro movimento de entrega dessa magnitude no Brasil. "A epidemia aumentou a conscientização entre aqueles que precisam nos ouvir e nos ver", disse Galo. Por 24 horas, os usuários são solicitados a não fazer pedidos por meio de seus aplicativos e os distribuidores não devem aceitar pedidos.
"A Uberização tira nossos direitos"
Galo não escolheu ser "motoboy". Ele também prometeu parar de sair em duas rodas em 2012, antes da chegada dos aplicativos, após vários acidentes graves de motocicleta. Mas depois de ter encadeado vários pequenos empregos, ele ficou completamente desempregado em 2017, com uma família para alimentar. E começou a fazer entregas novamente.
"Se a revolução industrial suprimiu as profissões, a uberização tirou os nossos direitos", diz Galo. "Na maioria das vezes, estamos conversando com um robô. E somos bloqueados sem motivo", denuncia.
Por que entregadores "antifascistas"? "Porque o Brasil está passando por um momento fascista. Temos um fascista no poder!", exclama Paulo Lima. Ele diz que está revoltado com a atitude do governo brasileiro durante a pandemia, pelo presidente que desfila a cavalo ou em um jet ski enquanto o número de vítimas do coronavírus continua subindo. "Tenho a impressão de que, quando um idoso morre, esse governo considera isso uma aposentadoria a menos para pagar", lamenta.
Hoje, Galo é hiperativo nas mídias sociais e nas ruas. Ele participa de debates on-line, responde a entrevistas, marcha contra o governo. Ele foi convidado para entrar oficialmente na política, mas não está interessado.
"Somos um movimento pela emancipação dos trabalhadores, praticamos política de rua, punhos cerrados", afirmou. Essa "criança do hip-hop", como ele mesmo se descreve, começou a ter uma consciência política muito jovem: "saindo com os mais velhos que faziam letras de rap e me deram livros de Alex Haley e Malcolm X na mãos ", lembra ele.
Galo compara o movimento de Entregadores Antifascistas a um baobá, que está crescendo lentamente. "O que importa é o caminho", conclui ele, "não o tempo que levará".
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