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Greve não para apps, mas mostra força de entregadores; nova data é votada

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

01/07/2020 18h07Atualizada em 01/07/2020 19h54

Sem tempo, irmão

  • Greve dos entregadores não parou apps, mas ficou longe de ser fiasco
  • Movimento afetou plataformas e atrasou entregas de pedido em São Paulo
  • Restaurantes contaram com motoqueiros fixos para lidarem com a demanda
  • Reportagem viu que circulação foi menor nas ruas da zona sul da capital
  • Entregadores que não pararam citam necessidade de dinheiro, mas apoiam greve

A greve dos entregadores ocorrida nesta quarta (1º) não paralisou totalmente os aplicativos de delivery como os mais confiantes sonhavam, mas causou impactos significativos no sistema para não ser considerada um fiasco. Com atos em diversas cidades do Brasil, o movimento causou atrasos em pedidos e diminuiu a quantidade de profissionais nas capitais.

O movimento ainda conseguiu angariar grandes manifestações físicas em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Salvador, Recife e outras cidades. Os entregadores afirmam a Tilt que não vão parar por aí e já discutem a data para uma nova greve.

"Essa paralisação teve uma adesão muito boa dos entregadores. Já está em votação nacional a nova data dos breques dos apps para ganhar mais força. Não podemos parar e nem desistir agora, é só o pontapé inicial da nossa luta contra a precarização do trabalho", afirma Alessandro da Conceição, um dos organizadores no DF e que tenta criar a AmaeDF (Associação dos Motofretistas Autônomos e Entregadores do Distrito Federal).

Tilt teve acesso a uma votação que circula nos grupos de entregadores no WhatsApp, com opções de datas entre o dia 8 (quarta) e 12 (domingo) da próxima semana. A votação está aberta até o fim do dia.

A reportagem caminhou por alguns pontos da zona sul da capital paulista e foi nítida a diminuição na circulação de entregadores, apesar de alguns continuarem nas ruas. Restaurantes relataram atraso nos pedidos e "caos" para gerir a demanda. Outros notaram redução no número de pedidos —a greve pediu para que usuários não usassem as plataformas.

Restaurantes: menos pedidos e entregadores

O impacto da greve foi sentido em restaurantes da cidade de São Paulo. Um estabelecimento da rede Bullger na Vila Mariana, que trabalha com entregas pelo Rappi, afirmou que até as 13h30 nenhuma entrega havia saído pelo app no local. O atendente apontou que isso é incomum e que o horário do almoço costuma ter muitos pedidos diariamente.

No Shopping Santa Cruz, na zona sul, o movimento menor de entregas era nítido no horário do almoço. A reportagem ficou por cerca de meia hora na entrada única de entregadores do local e apenas cinco passaram.

"Está muito mais tranquilo hoje. Normalmente é bem corrido nesse horário, hoje está bem menor o movimento", disse Luiz Carlos Xavier, que é segurança do local.

Um problema enfrentado pelos estabelecimentos foi um tempo de entrega maior nos pedidos. Tilt realizou uma compra pelo iFood em um estabelecimento a menos de um quilômetro de distância, e o pedido tinha previsão de uma hora —normalmente, não passa de 30 minutos. A entrega acabou chegando 46 minutos depois.

Questionado pelo chat do app se o tempo maior era devido à paralisação, o atendente do iFood confirmou que sim e que estava trabalhando com "uma menor rota de entregadores e, caso não pudesse esperar o tempo informado, deveria avisar a equipe". O mesmo foi notado por restaurantes.

"Está um sufoco hoje. Normalmente solicito entregadores pelos apps e hoje não estou conseguindo nenhum. Abaixei a taxa de entrega e aumentei o tempo dos pedidos", aponta Priscila Alves, trabalhadora do Joe's Burger na região da Vila Mariana. A atendente notou uma queda nos pedidos pelo Uber Eats —normalmente começam a aparecer desde as 10h30, mas nesta quarta o primeiro só surgiu após as 14h.

O fato de restaurantes serem afetados importa porque, segundo especialistas, eles são os verdadeiros clientes dos apps. "O entregador é o terceiro da linha nos aplicativos. Se o estabelecimento reclamar dele, simplesmente o descredenciam. Mas o cliente [do iFood] é o estabelecimento, que paga o valor para eles", diz Fábio Mariano, professor de Sociologia do Consumo da ESPM.

Motoqueiros fixos salvam restaurantes

No Joe's Burger, o que salvou foram os motoqueiros fixos e contratados da casa, segundo Alves. O mesmo ocorreu na hamburgueria Osnir, situada em Mirandópolis e que só funciona com entregadores contratados e registrados.

"A movimentação de pedidos está normal até no iFood, mas os entregadores são todos nossos. Por causa da greve até escalamos mais motoqueiros hoje", afirma Evaristo Esteves, que fica na porta do estabelecimento organizando os pedidos.

Normalmente rodeado de entregadores, restaurante Seu Sushi só contava com os da casa nesta quarta - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL
Normalmente rodeado de entregadores, restaurante Seu Sushi só contava com os da casa nesta quarta
Imagem: Gabriel Francisco Ribeiro/UOL

O Seu Sushi, no bairro da Saúde, também relatou um tempo maior de entrega. O restaurante, que usa tanto motoqueiros próprios quanto os de apps, costuma ficar rodeado de entregadores durante a semana, mas nesta quarta possuía apenas alguns fixos da casa na porta.

Entregador do Seu Sushi, Diego Salles afirmou que já trabalhou com aplicativos, mas por pouco tempo. Ele prefere a segurança de ser registrado por um estabelecimento.

"O pessoal está certo em parar. Tem muito bloqueio em apps, cliente faz sacanagem e te bloqueiam, isso aconteceu até comigo. A taxa também é o principal motivo. Trabalhei pouco tempo neles, prefiro ser registrado, app não passa segurança nenhuma", opina.

Quem não parou, apoia

Enquanto o Joe's Burger se virava para conseguir entregadores, um jovem de bicicleta e mochila de app tomava uma cerveja tranquilamente na praça em frente ao local. Normalmente lotada de entregadores, o local tinha alguns poucos garotos —e alguns deles estavam ali sem trabalhar, como é o caso de Vinicius da Silva.

"Hoje não estou trabalhando, vou para a Paulista daqui a pouco. A principal pauta é um suporte maior, apps não dão assistência. Mandam a gente de bicicleta fazer entrega a 4 km e pagam R$ 5. Não nos valorizam, quando a gente se acidenta não ajudam", disse.

Ele relatou trabalhar das 7h às 23h para cinco aplicativos diferentes e receber R$ 150 em "dias bons", mas que a média fica em R$ 40 nos dias normais. A necessidade de levar dinheiro para casa fez outros entregadores não pararem e até trabalharem mais no dia de hoje.

Vinícius da Silva relatou trabalhar das 7h às 23h e ganhar R$ 40 por dia em média - R$ 150 nos dias bons - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL
Vinícius da Silva relatou trabalhar das 7h às 23h e ganhar R$ 40 por dia em média - R$ 150 nos dias bons
Imagem: Gabriel Francisco Ribeiro/UOL

"Não posso parar, não tem jeito. Tenho filho para criar. Acho que a greve pode ajudar, hoje tenho visto menos pessoas e o app está tocando mais. Gosto de fazer meus horários e ser autônomo, mas os aplicativos precisam melhorar o pagamento, só não penso em parar porque não fiz a meta", apontou Alyson Barbosa, que trabalha de bicicleta.

O entregador do pedido feito pela reportagem nesta tarde, que não se identificou, apontou não poder parar ao longo do dia por precisar da renda, mas concorda com as reivindicações da greve.

Wellington Alves, abordado pela reportagem ao entrar no Shopping Santa Cruz, mostrou-se surpreso com a greve. "Tem greve?", espantou-se. "Nem sabia, estou há dois meses no app. Se soubesse teria parado também".

Apenas um dos entregadores ouvidos pela reportagem demonstrou pouco envolvimento com os motivos da greve. Lucas, que não passou o sobrenome, carregava uma mochila da Uber Eats nas costas e a bicicleta na mão em uma ladeira da Saúde.

"Estou sabendo da greve, mas tenho filhos para criar e contas para pagar. Trabalho todos os dias das 10h às 15h e das 18h à 0h, ganho cerca de R$ 80 em um dia. Não tenho muitos motivos para reclamar dos apps", relatou.

As exigências

Os entregadores fazem uma série de exigências aos aplicativos que, segundo eles, não oferecem diálogo. Entre as exigências, estão:

  • Reajuste de preços: os entregadores recebem entre R$ 4,50 e R$ 7,50, valor que varia por aplicativo e distância percorrida --mais R$ 0,50 a R$ 1 por quilômetro rodado.
  • Reajuste anual: pedem que haja um reajuste anual programado para o serviço.
  • Tabela de preços: citado por alguns entregadores, seria uma tabela não ditada pelo governo ou reguladores, mas construída entre entregadores e aplicativos.
  • Fim de bloqueios indevidos: reclamação constante dos entregadores, que questionam as políticas das empresas que acabam punindo entregadores com bloqueios.
  • Entrega de EPIs: pedem equipamentos de proteção para trabalhar com mais segurança durante a pandemia.
  • Apoio contra acidentes: se o entregador sofrer acidentes enquanto usa a plataforma, a ideia é ter algum tipo de auxílio.
  • Programa de pontos: alguns entregadores questionam sistemas que fazem ranking de entregadores.

As exigências são muito semelhantes à da paralisação de motoristas de aplicativos como Uber e não englobam direitos trabalhistas. Existem opiniões divergentes entre os entregadores sobre a contratação e os direitos, sendo que alguns preferem ter e outros não. Por isso, está fora da pauta.

Motoqueiros que não pararam aguardam entrega em restaurante da zona sul de SP - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL - Gabriel Francisco Ribeiro/UOL
Motoqueiros que não pararam aguardam entrega em restaurante da zona sul de SP
Imagem: Gabriel Francisco Ribeiro/UOL

A greve reuniu multidões de entregadores em algumas localidades do país - a avenida Paulista ficou fechada em um dos sentidos ao longo desta quarta, com concentração dos manifestantes na altura do Masp. As manifestações ocorreram, ao menos, nas seguintes cidades:

  • São Paulo
  • Campinas (SP)
  • Santo André (SP)
  • Ribeirão Preto (SP)
  • Rio de Janeiro
  • Recife
  • Salvador
  • Maceió
  • Fortaleza
  • Teresina
  • Brasília
  • Belo Horizonte

Tilt procurou iFood, Uber Eats e Rappi para saber se possuem o balanço da paralisação e se foram afetados ao longo do dia.

Em nota, o iFood diz "respeitar a liberdade de expressão em todas as suas formas, tanto demonstrações de entregadores como de consumidores" e que ainda não era possível avaliar impactos das manifestações. "Naturalmente, num dia de protestos, são esperadas flutuações no serviço, mas as entregas continuaram a ser feitas.", completou.

A Uber alegou que, por possuir capital aberto, não tem um balanço para compartilhar. Caso os demais serviços respondam, o texto será atualizado.