Veja 9 pontos para entender cerco do Facebook a contas ligadas a Bolsonaro
A remoção de páginas do Facebook de pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e políticos do PSL, anunciadas pela rede social na última quarta (9), é o resultado de uma investigação que contou com ajuda externa e pode ser interpretada como uma tentativa da empresa em ficar "bem na fita" após pressões de anunciantes.
Os relatórios emitidos tanto pelo Facebook quanto por empresas parceiras da operação revelam detalhes importantes da remoção de 73 contas, 14 páginas e um grupo ligados a Bolsonaro, tanto na rede social quanto no Instagram. Vai desde a tática de se focar no comportamento em vez do conteúdo —defendendo assim sua posição de que não faz censura— até a ação coordenada para apagar redes parecidas em outros países.
O contexto também é importante. Pressionado por ativistas e anunciantes, o Facebook tem tentado mostrar mais serviço para impedir que suas plataformas continuem sendo usadas para manipular a opinião pública. Isso inclui até ações recentes do WhatsApp contra empresas de disparo de mensagens.
Abaixo, Tilt selecionou os principais fatos que você precisa entender sobre o caso:
1 - Participação externa
A derrubada é fruto de uma investigação do Facebook, mas contou com análises externas. Em post no Twitter, Nathaniel Gleicher, chefe de políticas de segurança da rede social, agradeceu nominalmente a ajuda de duas empresas: a Atlantic Council, por meio de seu Laboratório de Pesquisas Forenses Digitais, e outra chamada Graphika.
Segundo Gleicher, as empresas fizeram "análises independentes" dos fatos encontrados e investigados pelo Facebook. Foram ao todo quatro redes derrubadas pelo mundo, e cada companhia realizou a análise de duas.
A Atlantic Council é uma organização internacional que tem como um dos seus braços o laboratório que analisa casos de desinformação. Ele ficou encarregado de fazer análises sobre a rede brasileira e outras que miravam países da América Latina.
Já a Graphika, que se define como "cartógrafos da era da internet" e tem parcerias com diversas universidades, se debruçou sobre a rede norte-americana e a ucraniana.
Segundo o Facebook, a parceria com empresas como a Atlantic é importante porque ela é capaz de investigar e encontrar conexões fora da plataforma do Facebook - a investigação se até ao que está dentro do seu site.
Ainda sobre a investigação, o Facebook diz que encontrou a atividade como parte de investigação própria, além de fatos relatados pela imprensa e referenciados em testemunhos no Congresso brasileiro —há uma CPMI das Fake News em andamento. Reportagem do UOL, por exemplo, havia revelado a ligação de um funcionário de Eduardo Bolsonaro (PSL) a páginas na rede social.
2 - Alvo era comportamento, não conteúdo
De acordo com o Facebook, o alvo das ações era "o comportamento, e não o conteúdo" das páginas. Essa explicação serve para a rede social tentar rebater, de cara, argumentos de que a operação atingia a liberdade de expressão e tinha viés, justificativa de algumas pessoas atingidas pela remoção.
O conceito que o Facebook usou para descredenciar as redes envolve o "comportamento inautêntico coordenado". Essa expressão é definida pelo uso de múltiplas contas no Facebook ou Instagram que trabalham em conjunto para enganar as pessoas ou o Facebook nos seguintes tópicos:
- identidade, motivo ou origem da entidade que representam
- popularidade do conteúdo ou das páginas no Facebook e Instagram
- fonte ou origem do conteúdo
- para enganar a aplicação das regras da rede social
O uso de contas falsas é um fator central nessas operações, segundo o Facebook.
Essa rede consistia em vários conjuntos de atividades conectadas que contavam com uma combinação de contas duplicadas e falsas --algumas das quais foram detectadas e desativadas por nossos sistemas automatizados-- para evitar a fiscalização, criar personas fictícias se passando por repórteres, publicar conteúdo e gerenciar páginas disfarçado de veículos de notícias
Facebook
3 - Facebook tentando ficar "bem na fita"
A revelação da investigação ocorre em um momento-chave para o Facebook. A rede social tem sido pressionada para mostrar serviço e combater a desinformação em suas plataformas.
Por aqui, o Senado aprovou recentemente o PL das Fake News, que agora aguarda discussão da Câmara. Empresas de tecnologia e ativistas da internet discordam de várias partes do texto, que foi desidratado antes da aprovação final para responder a parte das críticas.
Mas a pressão maior contra o Facebook é internacional e pode afetar onde dói mais: o bolso. Inúmeras empresas ao redor do mundo, incluindo gigantes como a Coca-Cola, Adidas, Unilever e Ford, organizaram um boicote contra a rede social —promovidos pelo movimento Stop Hate For Profit ("pare de dar lucro ao ódio", em tradução livre)— até que ela demonstre ações concretas para mitigar os prejuízos causados pelo site à sociedade.
Uma reunião entre organizadores do boicote com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi feita nesta semana. Mas uma das organizações se disse "muito decepcionada" com a conversa, por achar que o Facebook continua se recusando a "ser responsável perante seus usuários, anunciantes e sociedade em geral".
Tudo isso ocorre às vésperas de eleições presidenciais nos Estados Unidos. Em 2016, a desinformação no Facebook foi considerada como preponderante para a eleição do republicano Donald Trump. O mesmo ocorreu no Brasil em 2018, com o WhatsApp como principal vetor. A aprovação do Brexit também teve forte impacto das redes sociais.
O grupo Facebook tem agido mais efetivamente para coibir abusos em suas plataformas. Conforme Tilt deu com exclusividade, nos últimos dias o WhatsApp processou a Yacows e a Sallapp, duas empresas de disparo de mensagens em massa, por usarem identidade visual e nome do WhatsApp sem autorização. Depois derrubou contas do PT (Partido dos Trabalhadores) por envio automatizado de mensagens.
O Facebook apontou ao Tilt que o caso não tem relação com o boicote, já que ele inclusive foca em comportamento e não em conteúdo - o boicote visa acabar com o discurso de ódio na plataforma, o que seria conteúdo. Além disso, a empresa também afirmou que publica mensalmente um relatório com contas falsas abatidas do site e que esta investigação começou há meses/
4 - Os brasileiros citados
Os políticos citados pelo Facebook na investigação são:
- Presidente Jair Bolsonaro (Sem partido)
- Senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ)
- Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
- Deputado estadual Alana Moraes (PSL-RJ)
- Deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ)
De acordo com a rede social, não há indícios de que os políticos tenham envolvimento direto com as páginas, mas sim que eles sabiam da existência delas.
As páginas eram comandadas por membros dos gabinetes dos políticos. São citadas nominalmente pelo Laboratório de Pesquisas Forenses Digitais da Atlantic Council as seguintes pessoas:
- Tércio Arnaud Tomaz - assessor especial da Presidência e ligada ao gabinete de Jair Bolsonaro
- Eduardo Guimarães - assessor do deputado Eduardo Bolsonaro
- Paulo "Chuchu" Eduardo Lopes - secretário parlamentar do deputado Eduardo Bolsonaro
- Leonardo "Bolsoneas" Rodrigues - influenciador bolsonarista até recentemente ligado ao gabinete de Alana Moraes
- Vanessa Navarro - funcionária do gabinete de Anderson Moraes
- Jonathan Bennetti - associado ao deputado estadual Coronel Nishikawa (PSL-SP)
5 - Vários países foram alvos
Além do Brasil, outras três redes foram desmembradas pelo mundo:
- No Canadá e Equador, uma rede tinha como alvo ações externas na América Latina em países como El Salvador, Argentina, Uruguai, Venezuela, Equador e Chile. A operação era ativada em torno de eventos cívicos, como eleições.
- Na Ucrânia, a rede visava ações domésticas e entre seus conteúdos estavam discursos de ódio. Segundo o Facebook, a rede foi ativa nas eleições presidenciais e parlamentares de 2019, com memes políticos, sátiras e outros conteúdos sobre a Crimeia, a Otan, política econômica na Ucrânia, política doméstica e eventos como as eleições, crítica e apoio a vários candidatos, como Volodymyr Zelensky (atual presidente), Yulia Tymoshenko (ex-primeira-ministra) e Petro Poroshenko (presidente de 2014 a 2019).
- Nos Estados Unidos, eram usadas contas falsas que simulavam residentes da Flórida. Elas postavam e comentavam seu próprio conteúdo, buscavam evitar a aplicação de políticas do Facebook e administravam páginas, incluindo uma com links para o Proud Boys, grupo de ódio banido em 2018. As páginas também compravam curtidas e seguidores.
6 - Aliado de Trump citado
A operação norte-americana conta com um aliado de longa data do presidente Donald Trump citado: Roger Stone, que é considerado um dos principais conselheiros do presidente.
A rede social removeu 50 contas pessoais e profissionais conectadas a Stone. O Facebook aponta que sua investigação achou conexões a Stone e seus associados.
No último mês de novembro, Stone foi condenado por obstruir um inquérito do Congresso e mentir sob juramento a investigadores. Ele pode ir para a prisão ainda neste mês.
7 - Não foi a primeira vez
Esta não é a primeira ação do tipo do Facebook. De fato, a rede social costuma fazer anúncios mensais sobre ações contra contas falsas na rede social —uma delas resultou na derrubada de bilhões de contas em todo o mundo.
Claro que, desta vez, o impacto é maior porque atrela pessoas ligadas a figuras importantes da política, além de frear estratégias de desinformação sustentada em redes sociais.
Ainda assim, derrubadas de redes já ocorreram anteriormente em países como Estados Unidos, Rússia, Ucrânia e Turquia, entre outros. No Brasil, uma rede ligada ao MBL (Movimento Brasil Livre), que participou ativamente do impeachment de Dilma Rousseff (PT), também sofreu ação semelhante em 2018, antes das eleições presidenciais vencidas por Bolsonaro.
8 - Reação nacional
A presença de figuras importantes da política brasileira na operação do Facebook causou reação nacional. O PSOL pediu ao STF que dados da investigação sejam incluídos no inquérito encabeçado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes sobre fake news.
O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, por sua vez, comemorou a ação do Facebook e se disse um dos alvos da desinformação organizada pela rede bolsonarista.
Após a divulgação do caso pelo Facebook, a relatora da CPMI da Fake News no Congresso Lídice da Mata (PSB-BA) disse que a remoção "não causa espanto". Para ela, as investigações apontam que a desinformação pode ter influenciado as eleições de 2018.
"Entendemos que as plataformas se juntam a todos que lutam por liberdade de expressão, mas também por responsabilidade nas redes, pelo combate à desinformação e contra discursos caluniosos e que espalham o ódio por todo o nosso país", afirmou a parlamentar em nota.
9 - O que dizem os bolsonaristas
Em nota, o senador Flávio Bolsonaro disse que "pelo relatório do Facebook, é impossível avaliar que tipo de perfil foi banido e se a plataforma ultrapassou ou não os limites da censura. Julgamentos que não permitem o contraditório e a ampla defesa não condizem com a nossa democracia, são armas que podem destruir reputações e vidas".
O deputado Anderson Moraes apontou que seu perfil verificado não sofreu remoção ou bloqueio, mas uma conta "real" de uma pessoa de seu gabinete foi removida. Ele chamou a remoção de "absurda e autoritária". Ele apontou ainda que a ação é contra a "liberdade de expressão e princípios democráticos".
A deputada estadual Alana Passos informou que não foi notificada pelo Facebook sobre irregularidades ou violação de regras de suas contas, que "são verificadas e uso para divulgar minha atuação como parlamentar e posições políticas"". Sobre perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, a parlamentar disse: "não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade".
O PSL respondeu que os políticos citados "na prática já se afastaram do PSL há alguns meses com a intenção de criar um outro partido" [o Aliança pelo Brasil] e que "o próprio PSL tem sido um dos principais alvos de fake news proferidos por este grupo". Além disso, o partido não teria tido contas apagadas.
Procurada, a assessoria do presidente Jair Bolsonaro não respondeu. Também foi tentado contato com o gabinete de Eduardo Bolsonaro, que não atendeu às ligações nem respondeu a emails. Mas em seu Twitter, alegou na noite de quarta-feira que o Facebook "vende liberdade dos conservadores por dinheiro", referindo-se ao recente boicote publicitário de grandes empresas que aderiram ao "Stop Hate For Profit".
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