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Por causa da pandemia, humanidade viveu período mais silencioso da história

Homem com máscara facial atravessa a rua quase vazia em Vilnius, Lituânia, durante "lockdown" - Paulius Peleckis/Anadolu Agency via Getty Images
Homem com máscara facial atravessa a rua quase vazia em Vilnius, Lituânia, durante "lockdown" Imagem: Paulius Peleckis/Anadolu Agency via Getty Images

Mirthyani Bezerra

Colaboração para Tilt

27/07/2020 12h29

Sem tempo, irmão

  • Trancados em casa, produzimos menos barulho sísmico no mundo todo
  • Das 268 estações de monitoramento espalhadas no mundo, 185 verificaram redução
  • O país mais silencioso foi Sri Lanka, que reduziu 50% do seu ruído
  • Pela 1ª vez, pesquisadores conseguiram ouvir sons naturais sem interferência

Em casa por causa do isolamento social para combater a pandemia de covid-19, nunca antes na história recente ficamos tanto em silêncio. Sem gente e com menos carros nas ruas dos grandes centros, com a proibição de partidas e cancelamento de grandes torneios, houve uma queda substancial no volume de barulho no mundo todo, entre os meses de março a maio.

Essa redução foi registrada por 268 estações de monitoramento sísmico; descobriu-se que em 185 (ou 69%) houve redução significativa no ruído sísmico de alta frequência, aquele produzido por humanos. Os resultados da pesquisa assinada por 76 autores foram publicados nesta segunda (27) na "Science".

"Podemos dizer com segurança que na sismologia moderna nunca vimos um período tão longo de silêncio humano", diz Raphael de Plaen, um dos autores do artigo e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México.

Geralmente o ruído sísmico está mais associado a terremotos. Por isso essas estações, ao analisar os sons vindos do nosso planeta, conseguem identificar quando um terremoto está prestes a acontecer e qual seu epicentro.

Mas as funções da sismologia vão muito além. Os pesquisadores também lidam com sons que vêm da interação da terra com a água, como ondas do mar e mudanças de pressão atmosférica, e com os produzidos por humanos —a terceira maior fonte de barulho sísmico.

Atividades diárias como deslocamentos e estádios cheios de torcedores também causam ondas sísmicas e são registradas pelos sismógrafos. "É o transporte, como carros, trens, tráfego, ônibus. É varejo e recreação —não apenas as pessoas que fazem compras, mas também os parques. São locais de trabalho e residências", explica Paula Koelemeijer, pesquisadora da Royal Holloway University de Londres.

Sri Lanka teve a maior redução

A coleta de dados abrangeu vários tipos de sismógrafos, desde os mais técnicos em instituições acadêmicas até os chamados Raspberry Shakes, sismógrafos pessoais que são construídos e usados por amadores (cerca de 40% do volume total dos dados coletados). Os pesquisadores verificaram que a quietude começou no final de janeiro, na China, e só na metade de março se espalhou pelo mundo.

O Sri Lanka teve uma redução de 50% no ruído, a maior medida encontrada pelo mundo. No Caribe, o barulho caiu 45% depois do lockdown até abril. Os dias de domingo no Central Park, em Nova York (EUA), ficaram 10% menos barulhentos. A pesquisa não traz dados sobre o Brasil.

Até os sensores enterrados no fundo da superfície conseguiram captar a súbita falta de atividade humana. Um observatório alemão, com medições a mais de 152 metros de profundidade, conseguiu detectar uma queda nas vibrações causadas por humanos quando o lockdown começou.

Por que ouvir melhor a Terra é importante?

O barulho produzido por humanos atrapalha o monitoramento das atividades sísmicas naturais, segundo os especialistas, porque ele se funde e abafa os outros tipos de sons. Por isso, esse longo período de lockdown apresentou uma oportunidade única para os pesquisadores não apenas para quantificarem o impacto da atividade humana, mas para ouvir melhor dentro da Terra.

Isso é importante aumenta o conhecimento que temos sobre terremotos, principalmente os mais fracos, imperceptíveis, que acontecem em centros urbanos e são mascarados pelo ruído sísmico humano. Terremotos menores são essenciais para ajudar a prever terremotos maiores. Os cientistas agora dispõem de um conjunto de dados maior para trabalhar.

"Podemos [agora] estudar as relações entre atividade humana e sismologia. Agora podemos entender com um alto nível de resolução o que está gerando ruído: a terra ou os seres humanos", diz de Plaen.