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Briga ideológica e pressão: o que rolou na audiência com chefes de tec

Gabriel Francisco Ribeiro, Felipe Oliveira e Rodrigo Trindade

De Tilt, em São Paulo

29/07/2020 12h13Atualizada em 30/07/2020 17h40

Em uma audiência morna, o Comitê de Justiça da Câmara dos EUA teve poucas oportunidades para pressionar os chefes de quatro grandes empresas de tecnologia dos EUA. Jeff Bezos, executivo da Amazon, Tim Cook, da Apple, Sundar Pichai, do Google, e Mark Zuckerberg, do Facebook, falaram na tarde desta quarta-feira (29), em Washington, sobre práticas anticompetitivas no mercado.

A tática do Facebook em comprar plataformas concorrentes como o Instagram e WhatsApp, a suspeita de que a Amazon usa dados de concorrentes para definir preços e produtos próprios e a alta taxa da Apple para desenvolvedores foram alguns dos pontos mais sensíveis da sessão.

A relação destas empresas com a China —seja de parceria, no caso do Google, ou de concorrência, no caso do Facebook— foi um dos temas abordados.

Grande parte das perguntas, aliás, focou em questões internas e ideológicas, como emails de campanha da direita supostamente irem para o spam no Gmail, o Google colaborar com tecnologia para a polícia e o exército apesar de protestos dos funcionários, ou a campanha do democrata Joe Biden poder ser favorecida no feed, entre outras coisas.

Nos depoimentos lidos na abertura, dos executivos defenderam que têm muita concorrência no mercado e que as empresas são importantes para o crescimento do setor digital. A abertura foi o principal momento em que puderam falar. Ao longo da audiência, foram interrompidos várias vezes pelos congressistas, preocupados em usar o tempo reservado —cinco minutos cada um— para questionar os empresários.

Amazon usa dados de rivais? Bezos diz que não sabe

Em seu depoimento inicial, Jeff Bezos defendeu que o mundo "precisa" tanto de pequenas empresas quanto as grandes. "Não importa quão bom empreendedor você é, você não vai construir um Boeing 787 em sua garagem", afirmou.

Para provar seu ponto, o empresário divulgou estatísticas sobre investimentos da Amazon nos Estados Unidos. Afirma que criou mais empregos no país que qualquer outra companhia na última década e que seus funcionários recebem, no mínimo, US$ 15 por hora —o que seria mais que o dobro do salário mínimo americano.

Um relatório publicado pelo The Wall Street Journal detalhou como a Amazon usa os dados de concorrentes para definir os preços de seus produtos. Questionado sobre isso por um congressista, Bezos diz que essa não é a política da empresa e que não pode garantir que nenhum funcionário tenha de fato violado isso.

"Temos uma política contra uso de dados de vendedores para nosso benefício, mas não sei se ela foi violada. Continuamos a olhar isso de perto. Não estou satisfeito que não chegamos ao fundo dessa questão", alegou Bezos.

Outra saia-justa para a Amazon foi a reprodução de um depoimento de uma vendedora de livros que disse não conseguir mais vender pela plataforma, que passou a boicotar seu serviço. O empresário se esquivou afirmando que não podia comentar do caso específico e que terceiros são bem-vindos no site.

Compra do Instagram pressiona Facebook

Já o executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, afirmou em seu comentário por escrito que sua empresa é "orgulhosamente americana" e ressaltou os perigos das empresas de tecnologia chinesa "exportando" seus pontos de vista para o mundo ocidental —ele não mencionou casos, mas é sabido que o app TikTok, surgido na China, é hoje um concorrente em potencial do Facebook.

O chefão da rede social ainda defendeu o trabalho para tornar o Instagram e o WhatsApp "bem-sucedidos" após serem adquiridos. "Nosso sucesso se baseia em nossa capacidade de criar produtos que agregam valor à vida das pessoas (...) O Facebook é uma empresa de sucesso agora, mas chegamos lá do jeito americano", disse Zuckerberg.

A compra do Instagram foi bastante questionada durante a audiência. A rede social foi comprada por US$ 1 bilhão em 2012 e atualmente tem receitas superiores a US$ 20 bilhões. Emails divulgados nesta quarta (29) pelo site The Verge apontam que Zuckerberg, na época, dizia que a compra era necessária pela rede social ser um rival em potencial.

"Sempre fui claro que via o Instagram como competidor e um complemento aos nossos serviços. Eles competiam com a gente no campo de câmeras para celular. A aquisição foi muito boa. Hoje chegou a muito mais gente que o Kevin (cofundador do Instagram) e eu pensávamos na época", defendeu-se Zuckerberg. Uma congressista disse que uma compra como essa, aprovada pelas entidades regulatórias dos EUA, nunca mais deveria ser permitida.

Em outro momento, foi mostrado um email em que Zuckerberg diz que "eles podiam comprar todas as startups que quisessem, mas levaria um tempo para poderem comprar o Google". O fundador do Facebook disse que estava brincando, mas o congressista respondeu que o monopólio da empresa não é piada.

Zuckerberg foi colocado contra a parede também por supostamente copiar funções de outros apps para eliminar a concorrência, algo que a rede social claramente tentou fazer com o Snapchat. "Certamente adaptamos recursos que outros criaram. Assim como outros copiaram e adaptaram também", admitiu o executivo.

Apple e as taxas da App Store

Tim Cook, da Apple, defendeu em sua fala de abertura que a App Store é uma "alternativa revolucionária" para a distribuição de software, argumentando que "as comissões que a Apple recebe são comparáveis às dos concorrentes" e muito inferiores às que os desenvolvedores pagaram para divulgar programas antes da loja de apps existir.

O executivo foi pouco questionado pela audiência, o que em parte até justificou sua tentativa de não ir ao inquérito para se desprender das outras companhias envolvidas.

Em respostas a questionamentos, Cook afirmou que a comissão de 30% cobrada por desenvolvedores é compatível com o mercado —o Google cobra o mesmo na Play Store— e que os desenvolvedores são tratados igualmente pela empresa. Ele ainda discordou de um questionamento sobre o que impediria a Apple de repente aumentar a comissão para 50%.

"Nunca aumentamos a comissão. Discordo completamente. Existe uma competição por desenvolvedores. Eles poderiam fazer os apps para Android, Windows, Xbox, PlayStation. Compararia isso a uma briga de rua", argumentou Cook.

Google, anúncios e China

Pelo Google, Sundar Pichai argumentou que a empresa opera em "mercados globais competitivos", nos quais "os preços são gratuitos ou estão caindo e os produtos estão melhorando". Tentou minimizar o domínio da companhia nos anúncios digitais, dizendo que a concorrência ajudou a reduzir os custos para os anunciantes em 40% na última década.

Recentemente, o Google também admitiu que acessa dados confidenciais sobre outros aplicativos que rodam no seu smartphone —acusação semelhante a que paira contra a Amazon envolvendo produtos.

"Tentamos entender tendências de dados que conseguimos ver e usamos para melhorar nossos produtos para nossos usuários", alegou Pichai na audiência.

Alguns congressistas questionaram parcerias do Google com a China. Pichai negou fazer serviços ao exército chinês. "Não estamos trabalhando com as forças armadas chinesas. Comparado aos nossos pares, nossa atuação é bem limitada. Temos orgulho de ajudar os Estados Unidos. Fizemos um acordo com o Departamento de Defesa. Temos uma presença bem limitada na China, não oferecemos nossos serviços lá como busca ou mapas", afirmou.

Congressista: empresas têm "muito poder"

Em suas falas iniciais, os congressistas teceram crítica ao poder das empresas no mercado. O presidente da sessão, o democrata David Cicilline, afirmou que as empresas desencorajam o empreendedorismo e "têm poder demais".

"Concentração de poder econômico vira concentração de poder político. Como guardiões da economia digital, essas empresas podem escolher vencedores e perdedores. Não devemos nos submeter aos reis online", apontou.

Já Jim Sensenbrenner (republicano de Wisconsin), que foi criticado por ter ações das quatro empresas, questionou o poder das empresas especialmente na questão da liberdade de expressão, mas aliviou sobre o tamanho delas. "Ser grande não é inerentemente ruim. Nos Estados Unidos, você deve ser recompensado pelo sucesso", afirmou.

Jared Nadler, de Nova York, afirmou que "é impossível usar a internet sem os serviços de uma dessas quatro empresas".

Como esperado, republicanos criticaram as empresas por supostamente mirarem em conteúdos de direita nas suas plataformas. Um congressista citou vários casos recentes de retiradas de posts alinhados com a direita, como o de Twitter contra o presidente norte-americano Donald Trump.

Precedentes e polêmicas

O Google já foi multado em processos antitruste, mas não nos Estados Unidos. Na Europa, o gigante das buscas levou três multas bilionárias.

Na primeira, de 2017, a União Europeia o puniu em 2,4 bilhões de euros por aproveitar o domínio de seu popular motor de buscas para promover outro produto seu: um serviço de comparação de preços. Os reguladores viram que o Google destacava ilegalmente e artificialmente seu próprio produto —em sua plataforma dominante— em detrimento de concorrentes que ofereciam um serviço semelhante.

Um ano depois, o sistema operacional "gratuito" Android motivou uma multa de 4,3 bilhões de euros. A Comissão Europeia julgou como abusivo o fato de que o Google forçava os celulares Android a virem com serviços do próprio Google instalados. A decisão judicial fez com que a empresa passasse a cobrar das fabricantes de smartphone a pré-instalação de serviços como Gmail e Maps.

Já em 2019, a postura considerada abusiva tinha relação com o AdSense, serviço de publicidade da empresa. Esta foi a menor das três: 1,5 bilhão de euros.

O caso da Apple é mais específico. A App Store foi acusada de privilegiar os serviços da Apple em diversas buscas, prejudicando assim desenvolvedores terceiros.

Em 2019, o New York Times fez uma análise extensa para verificar a procedência das reclamações. Aplicativos da Apple apareciam em primeiro lugar nos resultados em pelo menos 700 termos procurados. Em alguns deles, 14 apps da empresa foram listados antes do primeiro serviço rival. A empresa reconheceu o problema e disse ter ajustado os algoritmos que ordenavam os resultados.

Um suposto "monopólio" das vendas digitais também foi alvo de processo para a Apple nos EUA. A reclamação está nos 30% cobrados pela empresa em compras de apps e assinaturas dentro dos serviços, o que levou Spotify, Netflix e Amazon a não oferecerem essa possibilidade dentro do aplicativo —o Spotify, inclusive, entrou com queixa na Europa.

Neste ano, o órgão de controle de concorrência da França multou a Apple em 1,1 bilhão de euros por impor preços aos revendedores premium de varejo, para que os valores ficassem alinhados aos das lojas oficiais, físicas ou na internet.

No caso da Amazon, a União Europeia não chegou a aplicar multas, mas investigou práticas de antitruste na venda de ebooks no continente. Autoridades e empresa chegaram a um acordo em 2017.

A acusação mais recente à empresa de Jeff Bezos diz respeito ao suposto uso de dados de vendas de lojas terceiras na plataforma da Amazon para que a gigante do varejo desenvolvesse seus próprios produtos e, posteriormente, colocasse-os à venda. O caso está sob investigação formal na Europa e gerou reações semelhantes de políticos americanos.

O Facebook é investigado, também na Europa, pelo suposto tratamento de dados de usuários para identificar possíveis rivais. Em 2017, a empresa foi multada em 110 milhões de euros pela Comissão Europeia por fornecer informações falsas quando a aquisição do WhatsApp foi analisada no continente. Na ocasião, a empresa não informou que era possível, tecnicamente, combinar contas de usuários de Facebook e WhatsApp quando o aplicativo de mensagens foi comprado por US$ 16 bilhões.