Identificar covid por voz? É no que cientistas brasileiros estão investindo
Sem tempo, irmão
- Sistema vai reconhecer, só de analisar a voz, se paciente tem problema respiratório
- Expectativa é que ele contribua para triagem de pacientes com covid-19
- Sistema poderá ser rodado tanto em app quanto em site de internet
- Vozes de 5.300 pacientes foram coletadas; formulário online busca áudio de saudáveis
- A inteligência artificial vai comparar os dois tipos de vozes para criar padrões
Pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) estão trabalhando na criação de um sistema com IA (inteligência artificial) que conseguirá reconhecer se um paciente enfrenta problemas respiratórios só pela análise de voz. Se bem sucedida, a ferramenta poderá contribuir para a triagem de pacientes com covid-19 no sistema de saúde.
O Spira (sigla para Sistema de Detecção Precoce de Insuficiência Respiratória por meio de Análise de Áudio) vai identificar padrões na voz e acelerar a intervenção médica para quem precisar de uma internação de emergência. O sistema poderá ser rodado tanto em um aplicativo quanto em uma ferramenta online de website.
"No consultório, isso é algo que a gente já faz, observando se o paciente está com falta de ar, se tem dificuldades para falar ou alguma alteração da voz", diz a professora Anna Sara Levin Shafferman, corresponsável pela área médica da pesquisa.
Segundo ela, esses são alguns dos sinais de alerta de que o sistema respiratório do paciente está comprometido. Shafferman afirma que a ferramenta de inteligência artificial vai ajudar os médicos a fazerem essa análise de maneira mais rápida e precisa.
Os pesquisadores querem coletar a sua voz
Para criar esse banco de dados, os pesquisadores coletaram informações de mais de 5.300 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
O grupo também criou um formulário para coletar vozes de pessoas saudáveis, que está disponível na página do Spira. Os voluntários devem informar idade, sexo, dizer se apresentam sintomas como febre e tosse, e depois precisam gravar uma frase curta. As informações são anônimas.
O Spira vai comparar as vozes de pessoas saudáveis com as de pacientes com problemas respiratórios graves atendidos no hospital para encontrar padrões. Mas os pesquisadores ainda não sabem quantas vozes mais serão necessárias para que a inteligência artificial identifique se há um padrão na voz dos dois grupos (saudáveis e com doenças respiratórias).
Se você se interessou em participar, os pesquisadores só fazem uma recomendação: escolha um horário tranquilo e um ambiente silencioso para fazer a gravação.
Ferramenta vai te dizer se você deve ou não ir para o hospital
A ideia surgiu de uma conversa entre o professor Marcelo Finger, coordenador da pesquisa e pesquisador do IME-USP (Instituto de Matemática e Estatística), e seus alunos durante as aulas de ciência da computação. Eles discutiam como a IA poderia contribuir diante da pandemia de coronavírus, quando identificaram que a voz seria ser um caminho.
"Um aluno tinha contato com professoras da FMUSP [Faculdade de Medicina], então começamos a conversar e a pensar no estudo. Foi tudo muito rápido e a distância", conta.
Juntos, pesquisadores do IME e da FMUSP concordaram que seria uma boa ideia criar um aplicativo que tornasse automática e mais precisa a percepção dos médicos durante a triagem. "No começo, a ideia me pareceu algo maluco, mas o Marcelo nos explicou, e percebi que seria brilhante que a máquina pudesse nos ajudar a fazer essa análise", diz Shafferman.
Segundo ela, além de ajudar os médicos, a ferramenta vai servir não só para indicar pessoas com covid-19 ao hospital, mas também quem tiver outros problemas respiratórios como falta de ar, insuficiência respiratória ou pneumonia grave.
Os pesquisadores destacam que o programa não fará um diagnóstico. Ele não tem objetivo de substituir o profissional da saúde, mas será uma das ferramentas possíveis na triagem de casos.
"Ainda não sabemos se dará certo, mas ciência é um processo e precisa de investimento contínuo. Essa é uma pesquisa que está na dianteira e, portanto, qualquer resultado pode ser útil para avançar nessa área, onde tudo ainda é muito novo", afirma o professor do IME-USP.
Estudantes usaram celular para gravar na UTI
Estudantes de medicina ficaram encarregados de coletar dados de pessoas com dificuldade para respirar e que estivessem na enfermaria, na UTI (não entubadas) ou no pronto-socorro, pouco antes da internação, do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Neste momento, foram registradas informações como idade, sexo, frequência respiratória e oxigenação do sangue. Em seguida, foi pedido para que o paciente lesse uma frase, que foi gravada pelos estudantes.
Mas captar vozes em um ambiente barulhento, como geralmente são as emergências de hospitais, não é uma tarefa fácil. Sem a técnica adequada, poderia comprometer a viabilidade da pesquisa.
Em condições ideais, essa coleta seria feita com microfones específicos e ambientes acústicos. Como isso não é possível, tudo tem sido feito pelo celular mesmo.
"Antes de começar, pedimos para que gravem o ruído do ambiente, já que hospital normalmente muito barulhento, para que a gente possa tentar eliminar isso em laboratório depois", explica Finger.
Outras iniciativas do tipo
A iniciativa da USP não é a única que usa IA para tentar captar e identificar sons que indiquem covid-19.
Brasil
Pesquisadores da Fiocruz estão coletando registros da tosse de voluntários em todo o país. Qualquer pessoa com mais de 18 anos pode gravar o áudio e enviar pela página do projeto, chamado de SoundCov.
Além do registro da tosse, é preciso preencher alguns dados, como sexo, raça, se tem sintomas e/ou diagnóstico da doença e se viajou nos últimos 14 dias.
Estados Unidos
Um aplicativo chamado Sonde One, em desenvolvimento pela empresa de serviços de saúde Sonde Health, de Boston (EUA), pede que o potencial paciente responda a algumas perguntas sobre sua saúde, meça a temperatura e diga "ahhh" no telefone. O app se encarrega de dar um parecer.
"Quando seu corpo está sofrendo de um sintoma de uma doença, você notará —e é audível para o ouvido humano— que algo fisiologicamente está afetando sua capacidade de falar, sua voz", diz o chefe da Sonde Health, David Liu, ao site Futurism. Segundo ele, seu atual modelo de aprendizado de máquina demonstrou ter uma precisão de mais de 70% para detectar pacientes de doenças respiratórias.
No início deste ano, pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon também lançaram um projeto semelhante. A aplicação se chama Covid Voice Detector e pode ser testada online.
A VocalisHealth, empresa israelense mas sediada em Boston, também está voltando sua tecnologia de voz —que antes era focada em apneia do sono e insuficiência cardíaca congestiva— para sintomas de covid, segundo o jornal Boston Globe.
Espanha
A empresa de tecnologia Biometric Vox, em parceria com o governo Vasco e o Hospital Virgen de la Arrixaca, também está na corrida para criar um aplicativo capaz de identificar pacientes com a doença. Para isso, está coletando vozes de três grupos de pessoas: as saudáveis, as que têm resultado positivo para covid-19 e as que já estejam curadas. O objetivo não é substituir os testes, mas ajudar a equipe médica em um diagnóstico mais ágil.
Inglaterra
Pesquisadores da Universidade de Cambridge estão em busca de voluntários para registrar sons da voz, da tosse e da respiração. Assim como no estudo brasileiro, o grupo inglês busca o maior número possível de dados de pessoas sem e com o diagnóstico da doença. A ideia é compará-las e identificar padrões respiratórios nos pacientes.
A coleta é feita por meio de um aplicativo de celular (disponível para Android e iOS), em que é preciso responder a um questionário em inglês, gravar sua respiração, tosse e voz.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.