Gravidez, covid e jobs: ela viu a força da rede de programadoras que montou
A vida da programadora Melanie Miranda, 31, deu um giro ao descobrir a gravidez na mesma semana em que a quarentena começou no Estado de São Paulo. O medo da doença esteve presente nos últimos meses, mas uma rede de apoio formada por mulheres desenvolvedoras, que ela mesma ajudou a fortalecer, tem feito a diferença para ela nesse momento de incerteza.
Miranda é a criadora do site Listas das Minas, que reúne gratuitamente informações sobre cursos, eventos e bootcamps [treinamentos intensivos] exclusivos para mulheres cis e trans que desejam começar na área de programação. O objetivo é ampliar a presença feminina no setor.
Uma pesquisa da Olabi, organização social que estimula a diversidade no mercado de trabalho da tecnologia, mostra que os profissionais são predominantemente homens (68,3%) e pessoas brancas (58,3%). Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2018 apontaram que somente 20% dos profissionais contratados em TI no país eram mulheres.
A gente como desenvolvedora se une em comunidades por isso. Estamos cansadas de ver os mesmos rostos
Melanie Miranda
O site ajudou a fortalecer uma rede de mulheres com apoio técnico e emocional. "Algumas chegam até mim sem acreditar em seus potenciais. E eu digo: 'vamos lá, você consegue. Você pode ir por esse caminho, por aquele. É uma mulher levantando a outra."
"É uma área difícil? É. Mas o mercado está aquecido mesmo durante a pandemia e pode ajudar mulheres, mães solo, meninas que precisam ganhar dinheiro. Porque é uma profissão promissora e que paga bem", acrescenta.
Moradora de Mogi das Cruzes, região metropolitana da capital paulista, Miranda conta que a pandemia ao menos serviu para ampliar essa rede e envolver mulheres de outros estados, já que cursos e eventos passaram a ser feitos todos pela internet.
A inspiração para criar a plataforma surgiu com base na própria experiência. Nascida no Guarujá, litoral de São Paulo, aos 14 anos teve o seu primeiro emprego como auxiliar administrativa. Depois se formou em análise e desenvolvimento de sistemas pela UMC (Universidade de Mogi das Cruzes). As primeiras oportunidades de estágio foram na área de suporte.
Em 2013, Miranda decidiu resgatar um sonho surgido no ano de início da faculdade. "Foi bem na época que eu fiz uma cirurgia bariátrica, pois já tinha o sonho de ser mãe e precisei fazer. Minha saúde e minha autoestima mudaram completamente. Eu fui aprender a programar."
Ao conhecer iniciativas de incentivo a mulheres cis e trans no mercado de TI, ganhou confiança para se desenvolver e buscar vagas de trabalho, mesmo sem experiência.
"Me deparei com comunidades, eventos e pessoas incríveis. É por isso que eu digo para todas elas 'façam cursos gratuitos, participem de eventos. O networking é importante'", ressalta.
A primeira comunidade descoberta por Miranda foi a FemmeIT, que promove conteúdos e eventos técnicos para mulheres. "Ela me abriu os caminhos", conta, ao se lembrar de outras garotas que conheceu também em transição de carreira.
Após fazer um curso oferecido pelo Reprograma, iniciativa que ensina gratuitamente programação para mulheres, Miranda se sentiu ainda mais confiante. "Até me emociono ao lembrar. Hoje sou eu quem consegue indicar a galera para oportunidades de emprego. Antes era o contrário."
Há quase um ano, a desenvolvedora trabalha para um grande grupo de empresas do mercado de construção civil. Mas ela reforça que não dá para se acomodar. A área exige constante estudo.
Mesmo com todas as demandas profissionais e da maternidade, ela planeja continuar participando de programas de capacitação. Se forem gratuitos, melhor ainda.
A tentativa mais recente é a de ser aprovada no processo seletivo para o curso gratuito Maria Vai Com As Devs, oferecido pela Serasa, com foco na linguagem Python. As inscrições terminam neste sábado (15) e dez mulheres serão selecionadas. Apesar de já ter recebido mais de 500 inscrições, Miranda está confiante.
"Limpo casa vendo videoaula e desejo que seja assim com o Augusto [nome de seu filho]. Vou querer assistir lives amamentando, enquanto eu cuido dele", diz.
Aprendendo com os perrengues
Miranda é grata pelas oportunidades que teve, mas não se esquece dos "altos perrengues" pelos quais passou. Com bom humor, a programadora diz ter aprendido o valor do dinheiro na adolescência. Por isso, fala para as jovens que trabalhar com TI ajuda a pagar mais fácil os boletos.
"Minha mãe é minha inspiração. Me criou sozinha e ela trabalhava muito como gerente de supermercado. Quando era criança, ela falava: 'o meu trabalho vem em primeiro lugar para eu poder dar sustento para você", lembra. "Aprendi com ela a não ter tempo ruim e aproveitar as oportunidades de emprego."
Aos 21 anos, Miranda precisou se mudar para Mogi das Cruzes para morar com a avó materna. O motivo foi o aviso de despejo do apartamento que vivia com a mãe no litoral. "Peguei o meu computador, um travesseiro e vim para Mogi", conta.
Depois de a família se reestruturar na nova cidade, Miranda começou a trabalhar na biblioteca da UMC. Por ser funcionária, ela teve bolsa de 100% para a graduação em tecnologia.
Entre os maiores desafios que enfrentou depois de formada, a jovem destaca a dificuldade de ser respeitada como uma desenvolvedora mulher. Ela aguentou ficar apenas três meses em uma empresa por sofrer assédio moral e machismo.
"Além das piadas, os programadores me excluíram, não me chamavam para as reuniões. Eu cheguei a pensar que eu poderia ser culpada de alguma forma. Mas as pessoas e a empresa que não estavam preparadas para ver uma mulher ali", afirma.
São por situações como essas que Miranda diz sempre questionar empresas que chegam até ela em busca de indicação de profissionais com o argumento da diversidade. "Ela pode contratar negro, trans, mães, o que ela quiser. Mas se o ambiente for masculinizado e ela não fizer nada sobre isso, não vai reter os bons profissionais e pode até gerar traumas."
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