Topo

Não queremos clube da Luluzinha na tecnologia, diz líder da Women in Tech

Ayumi Moore Aoki, fundadora e presidente da Women in Tech - Divulgação
Ayumi Moore Aoki, fundadora e presidente da Women in Tech Imagem: Divulgação

Barbara Therrie

Colaboração para Tilt

19/08/2020 04h00

Ayumi Moore Aoki, 45, teve um estalo há alguns anos, quando era diretora de um grupo de hotéis e cassinos. Sentiu que estava infeliz profissionalmente, mudou para a carreira de programadora e abriu uma agência digital. Para muita gente já seria uma grande guinada, mas ela foi além e criou há dois anos a Woman in Tech, uma organização presente em 70 países e dedicada a empoderar mulheres na tecnologia.

Nascida no Brasil e hoje morando na França, Aoki fará palestra nesta quarta (19) no Hacking Rio Talks, evento online de tecnologia e empreendedorismo. Ela afirma em entrevista a Tilt que a sua entidade busca mais espaço para mulheres, mas que homens são bem vindos na causa. "Não queremos fazer um clube da Luluzinha, mas que haja igualdade de gênero", define.

Hoje em dia, o movimento é formado por 95% de mulheres e 5% de homens. "Não é uma guerra dos sexos. Pelo contrário, os homens são super bem vindos. Nós os queremos como aliados para que todos possam trabalhar de uma maneira mais equilibrada", explica.

O começo

Nestes dois anos, a organização se tornou um movimento mundial, com cerca de 30 mil membros e com a abertura de 15 escritórios em cinco continentes. "O movimento está crescendo rapidamente. Nosso objetivo é empoderar 1 milhão de mulheres e meninas até 2030", diz Ayumi.

Quando eu criei a Women in Tech, em 2018, eu não tinha dinheiro, nem apoio, nem conhecia gente influente, mas eu tinha duas coisas: um sonho com um propósito. Eu queria ajudar a capacitar mulheres e meninas em todo o mundo com as habilidades, oportunidades e confiança necessárias para ter sucesso nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática
Ayumi Moore Aoki

Atualmente, a Women in Tech promove cursos, palestras e eventos focados em educação, empreendedorismo, ciência, inovação e inclusão social. As embaixadoras e equipes de cada país escolhem os programas que correspondem às expectativas da sua comunidade. Alguns exemplos são:

  • Role Model Programme (Holanda), que ensina mulheres a se tornarem mentoras de outras mulheres;
  • QA School (Rússia), que oferece um ensino técnico com os princípios da tecnologia;
  • Pitch your Project (África do Sul e França), no qual empreendedoras são treinadas a vender seus projetos e falar com investidores interessados em financiar trabalhos na tecnologia;
  • Programas globais que ensinam as mulheres a programar, como o Coding Camp, que em 2018 foi finalista no European Digital Skills Awards --prêmio que reconhece iniciativas que melhoraram as competências digitais dos europeus.

Os programas não têm financiamento privado. "Como não possuímos fundos, tudo o que fazemos é graças à energia, à determinação e ao amor das nossas voluntárias. Não movimentamos nenhum dinheiro, nosso lucro é zero, nem eu nem as outras colaboradoras temos um salário no final do mês", explica.

Em dois anos, Aoki diz ter investido cerca de 50 mil euros do próprio bolso. Às vezes, consegue parcerias com patrocinadores que financiam parte do evento, pagando locação de espaço, coquetel e troféu.

Além de ter acesso a internet, o único pré-requisito para as mulheres participarem dos programas é ter comprometimento. "Não é necessário ter formação técnica ou superior, o que buscamos são mulheres comprometidas e dedicadas que possam somar ao movimento", afirma.

Sem mulheres chefes no Brasil

Ayumi nasceu no Brasil, mas foi embora do país aos 12 anos. Já adulta e morando na Europa, percebeu que não via sentido em usar sua energia no trabalho para "fazer as pessoas jogarem e gastarem dinheiro na máquina" [de cassinos].

A mudança profissional para a programação, diz ela, permitiu ter não só mais realização como mais controle da vida pessoal e familiar. Ela é mãe de quatro filhos e pôde dedicar-se mais a eles, além de viajar e ser mais independente. "Eu queria fazer algo útil e com propósito. Eu percebi que, tendo um computador e internet, eu poderia trabalhar de onde eu quisesse e na hora que eu quisesse".

À distância, ela tem acompanhado a desigualdade de gênero por aqui por meio de pesquisas e dos relatos das amigas brasileiras que trabalham com tecnologia. Percebeu que aqui há falta de oportunidades em cargos de chefia mesmo sendo capacitadas, além de não serem levadas muito a sério.

Tem o caso de uma amiga que, durante uma reunião, deu uma ideia sobre um programa e ninguém comentou nada. Pouco tempo depois, um rapaz sugeriu algo bem parecido e a equipe o elogiou. Ou seja, quando a ideia sai da boca de um homem as pessoas escutam e dão mais credibilidade do que quando sai da boca de uma mulher

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), só 20% dos profissionais que atuam no mercado de TI são mulheres. Para Aoki, essa desigualdade de gênero está enraizada na sociedade e já começa na infância, com os pais presenteando meninas com bonecas e casinhas, e meninos com robôs e jogos de Lego, dando a eles um contato com a ciência desde cedo.

Além disso, para ela faltam representantes femininas no setor. "Quando pensamos nos grandes nomes da tecnologia, lembramos do Bill Gates, Mark Zuckerberg e Steve Jobs", destaca.

A Women in Tech deve chegar ao Brasil até o final deste ano. A primeira ação da ONG será uma pesquisa para saber quais as necessidades e expectativas do público local. A embaixadora será Lindalia Junqueira, fundadora do Hacking.Rio. Se alguma brasileira quiser se tornar membro, é só entrar em contato pelo site www.women-in-tech.org. Até dezembro, há planos de abrir escritórios em cinco cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Porto Alegre e Brasília.

Em outubro, deve entrar no ar a plataforma Women in Tech, que será uma rede social da entidade com localização dos membros, perfis, ofertas de trabalho, fórum, busca de currículos e agenda de eventos. Haverá também um aplicativo com as mesmas ferramentas.