Coworking da favela: ela prepara jovem preto e periférico para mercado tec
"A minha intenção é mostrar para o jovem preto, pardo, favelado, periférico que ele pode sonhar e ser um programador de uma grande empresa de tecnologia." A declaração de Zoraide Gomes —mais conhecida como Cris dos Prazeres— resume bem o Vai na Web, projeto de sua autoria que desde 2017 já ajudou mais de 200 pessoas nas comunidades em que atua, no Complexo do Alemão e do Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro.
Zoraide, ou Cris, foi uma das palestrantes do Hacking Rio Talks, evento de tecnologia e empreendedorismo. O Vai Na Web surgiu a partir do contato de Cris com um casal de empreendedores de tecnologia, Aline Fróes e Igor Couto —atualmente trabalham na empresa de análise de dados 1STi. "Eles me conheceram em outro programa que eu coordeno no Morro dos Prazeres e viram a chance de conectarem com os jovens periféricos", explica a cofundadora do projeto a Tilt.
"A gente quer desconstruir esse discurso de que você não pode porque não pertence aquele lugar", diz. Ela brinca que vem "hackeando esse sistema mental" e "quebrando códigos" impostos pela sociedade aos jovens de periferias.
Para dar conta da demanda, atualmente os ex-alunos do projeto são quem ajudam os novatos. "A gente percebeu que a linguagem de jovem para jovem tem um impacto muito maior, porque eles estão vivenciando os mesmos desafios e também são uma geração de nativos digitais. Então, pegar um profissional, que já está no mercado com os seus vícios e não comunga da mesma realidade daquele jovem, ficaria muito distante."
Lugar de mulher é, também, na programação
Inicialmente projetado para jovens entre 16 e 29 anos, Cris conta que hoje o programa ajuda pessoas de 14 até 58 anos a entrarem no mercado de programação ou que queiram se reciclar. O principal critério é que a pessoa seja moradora da periferia. Depois é feita uma entrevista para entender melhor o que o aluno pretende.
A faixa etária, hoje, já não é mais tão importante porque temos gênios de 14 anos querendo programar e pessoas de 58 querendo se atualizar para essa linguagem nova da tecnologia
De acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apenas 20% dos 580 mil profissionais da área de Tecnologia da Informação (TI) são mulheres. Embora os cargos sejam mais ocupados por homens, o projeto da ativista vai na contramão disso.
"Hoje, temos mais meninas. Muitas delas são pretas e, no que depender de mim, esse número vai continuar aumentando. Trazer essas jovens para o Vai na Web faz todo o diferencial para muitas famílias e cria espelhos naquela comunidade, porque jovem inspira jovem", relata. "Eu amo ver mulher preta programando. Isso é inovador", diz, emocionada.
Hora de virar a chave
Devido ao novo coronavírus, o Vai Na Web teve que se reinventar. "A gente tem um espaço incrível, um coworking de favela chiquérrimo, mas com a pandemia, nós paramos tudo e viramos a chave para o online, e esse foi o grande acerto nosso", afirma. "É muito mais tranquilo e seguro para quem vem de longe."
Cris conta que 78% da turma que ingressou no projeto este ano está conseguindo acompanhar as aulas a distância, mas pensa na outra porcentagem que não se adaptou por preferir o ensino presencial. Para o futuro próximo, Cris vai tentar modelar o curso para quem prefere voltar às salas de aula.
Mercado de trabalho
Para se profissionalizarem, os alunos precisam concluir os três módulos oferecidos pelo projeto, mas, para aqueles que querem conhecer o mercado de trabalho na prática, tem mais. O Estúdio Vai Na Web é tocado pelos jovens que se destacam logo nos primeiros módulos e que podem prestar serviço para as empresas que quiserem contratar o projeto. Como o curso é todo gratuito, é do estúdio que vem a maior verba para manter a iniciativa.
Feliz com o rumo que o seu trabalho vem trilhando, a pernambucana diz que 70% dos seus alunos conseguiram seus espaços no mercado da tecnologia em diferentes áreas.
Eu acho que os projetos sociais são a grande construção de pontes para trazer esses jovens para uma sociedade onde eles se reconheçam como cidadãos. São esses projetos que mostram para os nossos jovens que eles são o que eles quiserem ser e abre os olhos deles para outras profissões
Por fim, Cris se diz muito honrada em falar de seu projeto para 165 palestrantes e 15.230 participantes no Hacking Rio Talks. "Eu me sinto muito honrada em participar, porque naquele momento estarei representando muitas mulheres pretas, que vieram antes de mim, e também outras que, hoje, estão levantando essa bandeira da importância da mulher no mundo seja ela branca, preta, parda ou indígena. Eu sou muito apaixonada pelo que faço e pela força das mulheres."
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