'Sempre fui a única preta ali': caçadora de mistério do Universo é premiada
Caçula de oito irmãos, Rita de Cássia dos Anjos é apaixonada por ciências desde criança. Mas, pobre, só virou cientista porque uma irmã mais velha pagou um cursinho preparatório para ajudá-la a ingressar na universidade, já que conteúdos de física e química eram raros na escola pública. Hoje, ela tenta desvendar os mistérios do Universo estudando a luz que chega até o nosso planeta.
Na quinta-feira passada (20), o esforço deu certo, e a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) teve o trabalho reconhecido com o prêmio "Para Mulheres na Ciência 2020" —programa promovido pela empresa de cosméticos L'Oréal, Unesco Brasil e Academia Brasileira de Ciências (ABC)— na categoria Ciências Físicas, após duas tentativas.
O Observatório de Pierre Auger, na Argentina, identificou uma correlação entre a direção de partículas altamente energéticas que chegam na Terra e a direção de algumas starbursts —nome dado a galáxias com taxa elevada de formação de estrelas, alta luminosidade e fortes ventos. A pesquisa de Rita de Cássia usará os dados do observatório para analisar se as starbursts são possíveis fontes de raios cósmicos de alta energia e se elas têm condições de acelerar partículas.
Isso é importante porque a aceleração de partículas é um dos campos mais avançados da ciência moderna. Pode levar a várias inovações no campo da saúde, energia e agricultura, como análises de solo mais eficientes, pesquisas sobre vírus e novos materiais. Um exemplo de grande acelerador brasileiro é o Sirius, em Campinas (SP).
Receber esse prêmio foi uma emoção muito grande, porque você sabe que o seu projeto é avaliado por pesquisadores renomados do Brasil todo e isso impulsiona o seu currículo. Quando um pesquisador de alto nível de excelência olha para você e fala que você merece ganhar um prêmio como esse, de reconhecimento nacional e internacional, mostra o quanto você evoluiu na sua carreira e o quanto você tem feito pela ciência
Rita de Cássia dos Anjos
Interesse pela ciência
A docente, de 36 anos, conta que a curiosidade para desvendar os mistérios do Universo surgiu na infância pobre, vivida em Olímpia, sua cidade natal no interior de São Paulo. "Como minha mãe é enfermeira, ela sempre falava que eu tinha que questionar e procurar entender como as coisas funcionavam e não só aceitar que aquilo era daquela forma", diz. Foi quando ela pensou que poderia seguir a profissão de cientista.
Apesar de ser apaixonada por biologia e de contar com o incentivo da mãe, ela sabia que o caminho não seria fácil. "Como sempre estudei em escola pública, não tive acesso às matérias de física e química. Só fui descobri-las quando fui prestar vestibular", diz.
Para isso, a caçula de oito irmãos frequentou um cursinho preparatório, pago por uma das irmãs mais velhas, para realizar o sonho de cursar física biológica na Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Representatividade é essencial
Rita só ingressou na faculdade após a segunda tentativa. Imediatamente, se tornou a única pessoa preta da sua turma. À medida que progredia na carreira, rumo aos títulos de mestre e doutora em ciência, a discrepância aumentou.
Eu sempre fui a única pessoa preta ali
A pesquisadora também já foi vítima de racismo, mas de forma velada. "Não tem como uma pessoa preta falar que nunca sofreu racismo. Apesar de todas às vezes terem sido casos velados, eu sempre percebi. Sabemos quando não nos tratam bem por causa da nossa pele."
Mulheres na ciência
Mas não é só a cor da pele que a fez ser tratada de forma diferente. "As mulheres ainda são minoria em comparação aos homens no ramo da ciência. Ser mulher nessa área é sempre estar lá naquele lado que não é tão acolhido e ter que provar por A + B que você é capaz e merece ser reconhecida."
Para ela, esses prêmios são importantes porque mostram o valor de sua pesquisa para a comunidade científica. "Por outro lado, acaba sendo triste você sempre precisar provar que é capaz enquanto nenhum homem é questionado."
Pensando em atrair jovens para o mundo das ciências exatas, a professora universitária participa semestralmente de projetos para professores e alunos do ensino médio da rede pública de Palotina, no Paraná, cidade onde vive e trabalha há seis anos. "Focamos em experimentos que é justamente a área que as escolas não têm: experimentos de eletromagnetismo, termodinâmica e mecânica", explica.
Além do reconhecimento pelo prêmio, Rita recebeu uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil. Parte do dinheiro será usada para ampliar o processamento do seu cluster (rede de computadores), onde ela e seus alunos fazemos simulações. Outra parte vai pagar os estudos dos seus alunos de mestrado ou de iniciação científica que estejam sem condições financeiras.
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