Internet cria rede de apoio entre médicos e portadores de doenças raras
Sem tempo, irmão
- Pacientes usam a internet para buscar dados e trocar relatos sobre doenças raras
- Médicos podem usar experiências de pacientes na web para chegar a diagnóstico
- Autodiagnóstico não é solução, mas internet pode ajudar a desvendar mistério
- Cada 65 pessoas em um grupo de 100 mil indivíduos têm doença rara
- Grupos de apoio online dão suporte àqueles que sofrem dessas doenças
Você sabe o que é panhipopituitarismo? Conhece alguém com diabetes insípida? Não se acanhe, pois são duas doenças raras que até mesmo profissionais de saúde penam para entender. A internet pode ser aliada neste cenário: nela, pacientes trocam conhecimento e experiências, e os médicos também ganham mais entendimento sobre esses males e evitam diagnósticos imprecisos.
Aqui vale um reforço. A comunidade médica aconselha ter muito cuidado com buscas na internet sobre saúde, porque o autodiagnóstico não é solução e pode levar à hipocondria e à automedicação errada. O mais correto é sempre consultar-se com um médico profissional.
Mas os relatos na internet ajudam a entender melhor as nuances e circunstâncias das enfermidades mais incomuns. Afinal, a investigação de doenças raras é difícil porque estas têm sintomas que são frequentemente confundidos com os das comuns.
A organização Global Genes, especializada em doenças raras, estima que existam mais de 6 mil desses males no mundo. Já o Ministério da Saúde informa que essas doenças afetam até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos.
O lado positivo
Cintia Cercato, endocrinologista da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Sociedade Brasileira de Diabetes, vê com bons olhos a troca de experiências entre quem sofre de males raros, ou mesmo entre familiares desses pacientes. "Isso pode ser uma coisa válida porque para essas pessoas é um alívio conhecer outra pessoa que está passando pela mesma situação", opina.
"Por exemplo, já atendi mães de jovens com síndrome de Prader-Willi, doença genética caracterizada pela obesidade, que encontraram outras mães na internet e criaram um grupo para trocarem experiências, gerando uma rede de apoio", exemplifica Cercato. Ela também menciona que pesquisas sobre as doenças acabam sendo compartilhadas mais facilmente nesses grupos.
Mas a médica reforça que a internet não deve ser o único canal de informação das famílias. "Falta para a pessoa a crítica para entender que cada caso é um caso, que um tratamento adequado para um nem sempre é para outro, e vale contar com a interpretação do médico, que tem a formação pra trabalhar com essa situação".
Fazendo bom uso, a web ajuda bastante. Um artigo publicado em 2010 por pesquisadores da Universidade de Amsterdã, na Holanda, relatou dois casos de pais que, por meio de buscas no Google, ajudaram os médicos a chegar em diagnósticos corretos para as doenças raras dos filhos.
A conclusão do estudo é de que os próprios médicos podem usar mecanismos de busca na internet para complementar a busca por informação, e assim lidar com casos de difícil reconhecimento. Indo mais além, ele sugere que os profissionais da saúde estejam abertos a valorizar as informações oferecidas pelos pacientes.
Em artigo publicado em 2013, pesquisadoras da UEM (Universidade Estadual de Maringá) e da FURG (Universidade Federal do Rio Grande) analisaram o uso da internet para troca de experiências sobre a fibrose cística, outra doença rara.
O início da etapa do diagnóstico e o desconhecimento da doença foram os principais motivos que levaram pacientes e familiares a buscar informações online. A pesquisa relata que "a internet foi uma válvula de escape para amenizar os medos, dúvidas e falta de informações" sobre a doença em questão.
Roberta Ladeira, 38, de Coimbra (MG), tem as duas doenças raras mencionadas no começo desse texto. O panhipopituitarismo é uma doença que causa a diminuição da maioria ou de todos os hormônios produzidos pela hipófise (glândula no cérebro). Já a diabetes insípida é conhecida pela produção excessiva de fluidos, que podem causar desidratação e crises epilépticas.
A médica dela, Gisele Milagres, sabendo de um grupo no WhatsApp com pacientes, pediu para ser adicionada de forma anônima e, assim, acompanhar os relatos de quem convive com as duas doenças. "Ela fica escondidinha no grupo, vigiando", contou a paciente.
O retorno da médica sobre a experiência tem sido positivo, segundo Ladeira. Ela vê humildade na atitude da médica ao reconhecer que o conhecimento de quem convive com as doenças traz aspectos emocionais e práticos nem sempre vistos no repertório médico. "Ela disse que ajudou muito, porque tem muita coisa que nos livros é de um jeito, mas na vida real não é", explica.
Informação, mas fragmentada
Andréa Soares, 44, foi convidada por pesquisadores da UFF (Universidade Federal Fluminense) para ser coautora de um artigo sobre como os brasileiros têm se informado sobre doenças raras na internet.
Ela tem hepatite autoimune e criou um questionário online que reuniu cerca de 1.500 respostas para entender quais são as principais dificuldades e demandas de pessoas com doenças raras no país.
O estudo tem participação de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade de Aveiro, em Portugal. E concluiu algo que Soares já sabia: informações sobre doenças raras aparecem de forma fragmentada e se perdem muito facilmente em diferentes plataformas, em forma de mensagens em um grupo do WhatsApp ou uma postagem no Facebook.
Por isso, ela lançou uma plataforma, chamada de Crossing Connection Health, em que pessoas com doenças raras podem se cadastrar e interagir entre si, garantindo que as informações permaneçam salvas em fóruns de discussão.
Reforçando a rede
Quando recebeu os diagnósticos em 2013, Roberta Ladeira começou a postar vídeos no YouTube. "Queria encontrar outras pessoas para trocar ideia sobre o assunto, saber como elas se sentiam. É muito ruim ficar sozinha", lembra.
Em 2017, ela fundou a PanDi (Associação Brasileira de Panhipooituitarismo e Diabetes Insispidus), o que fez com que outras pessoas com doenças raras a encontrassem. "A ferramenta mais gloriosa que temos é a internet", diz. Hoje, tem mais de 300 pessoas com panhipopituitarismo no Brasil cadastradas.
A troca de experiências com outros pacientes foi algo que ajudou Soares com o cuidado pessoal. "Entendi como viver com a doença de uma forma melhor, e o resultado é menos internação, passar menos mal, ter uma qualidade de vida melhor", diz. Segundo ela, não é algo que substitui o trabalho dos médicos e outros profissionais de saúde, mas vê como forma de apoiá-los na busca por melhores tratamentos.
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