Topo

Juíza dos EUA suspende bloqueio ao WeChat enquanto compra do TikTok avança

De Tilt, em São Paulo

20/09/2020 13h03Atualizada em 21/09/2020 11h08

A juíza Laura Beeler, da Califórnia, suspendeu a proibição emitida pelo Departamento de Comércio de se baixar o aplicativo WeChat nos Estados Unidos, depois que um grupo de usuários questionou a medida na Justiça. Neste domingo (20), os apps chineses TikTok e WeChat deixariam as lojas de aplicativos do Android e do iPhone nos EUA —isso só afeta quem usa os apps no país e não tem consequências diretas para os brasileiros.

Ontem, a aplicação da medida referente ao TikTok já havia sido adiada para 27 de setembro, depois de um anúncio de acordo sobre a gestão das atividades do aplicativo nos EUA com a Oracle e com o Walmart. A negociação recebeu o aval do governo Donald Trump.

Muitos usuários do WeChat temiam não conseguir mais se comunicar com amigos e familiares nos dois lados do Pacífico. Os requerentes demonstraram que a decisão do Departamento de Comércio levantou "sérias dúvidas" sobre o cumprimento da Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que garante a liberdade de expressão, disse a juíza.

"O WeChat é de fato o único meio de comunicação para muitos membros da comunidade, não apenas porque a China proíbe outros aplicativos, mas também porque os falantes de chinês com fluência limitada em inglês não têm escolha a não ser o WeChat", disse ela.

  • TikTok (ByteDance): app para vídeos curtos, com muita música, dança e desafios, é sucesso entre os jovens e possui 2 bilhões de downloads em todo o mundo. É a versão internacional do Douyin (nome em mandarim).
  • WeChat (Tecent): começou como um app de mensagens semelhante ao WhatsApp, mas virou uma plataforma que inclui serviços de pagamento com celular, notícias, reserva de hotel ou viagem, videogame ou finanças. Já tem mais de 1 bilhão de usuários ativos por mês, a maioria na China e 19 milhões nos EUA.

Venda do TikTok agrada Trump

O presidente americano comemorou o possível acordo entre TikTok, Oracle e Walmart e disse que "a segurança será de 100%", já que as empresas usarão "servidores separados".

"Acho que será um negócio fantástico", disse o republicano. "Eu dei minha aprovação ao negócio. Se eles conseguirem, melhor. Se não, tudo bem também."O TikTok confirmou logo em seguida que prepara um projeto que envolve a Oracle como parceira de tecnologia nos EUA, e o Walmart, como parceiro de negócios —a Oracle seria responsável por hospedar todos os dados do usuário no país e pela segurança dos sistemas de computador associados, enquanto o Walmart prestaria seus serviços de venda online, gestão de pedidos e serviços de pagamento.

O acordo estabelece ainda que as duas empresas americanas podem comprar até 20% das ações da chinesa numa futura oferta pública. A Oracle poderá comprar até 12,5% das ações antes de uma futura oferta pública inicial, e o Walmart, 7,5%. Seu CEO do Walmart, Doug McMillon, seria um dos cinco membros da junta diretora.

Está prevista também a contratação de 25 mil pessoas nos Estados Unidos e a manutenção da sede da empresa no país. As empresas envolvidas também farão "uma doação de cerca de US$ 5 bilhões" para "a educação dos jovens americanos", disse o presidente republicano, que havia insistido para que o governo fosse pago por autorizar o acordo.

A ByteDance, matriz do aplicativo TikTok, porém afirmou que desconhece o fundo de educação e que esta é "a primeira vez" que escuta que o acordo contempla isso.

Caso se materialize, o acordo poderá encerrar uma das muitas batalhas travadas atualmente entre Washington e Pequim. Também pode permitir que os americanos continuem usando este aplicativo, muito popular entre os jovens.

No mercado, há quem veja a parceria como suspeita de favorecimento político, uma vez a Oracle pertence a Larry Ellison, um raro executivo do Vale do Silício que é próximo ao presidente americano.

A questão tem sido bastante criticada por analistas de segurança, porque, com a saída do TikTok das lojas de aplicativos, mas com uso permitido até novembro, a ByteDance não poderá mais enviar atualizações de segurança para os usuários. Caso uma brecha que permita ataques hackers seja descoberta, será difícil resolvê-la de forma rápida sem o uso das lojas de aplicativos —e assim, ao tentar proteger os americanos, a medida do governo Trump pode deixá-los sem proteção.

Retaliação da China

O endurecimento das relações com a China tem sido um dos pilares da campanha de Donald Trump, que buscará a reeleição em 3 de novembro. Em meio a uma campanha eleitoral, o presidente americano descreve as medidas como essenciais para evitar a possível espionagem chinesa através dessas plataformas.

"As ações de hoje [que levaram ao bloqueio dos apps] provam mais uma vez que o presidente Donald Trump fará tudo ao seu alcance para garantir nossa segurança nacional e proteger os americanos das ameaças do Partido Comunista Chinês", disse secretário de comércio, Wilbur Ross, em nota.

Depois de chamar de "intimidação" a ordem do governo dos EUA, a China lançou no sábado (19) um mecanismo de retaliação, que lhe permitirá sancionar empresas estrangeiras. Ao mesmo tempo, o TikTok, subsidiária da empresa chinesa ByteDance, pediu à Justiça americana que revogue a decisão.

"A China incentiva os EUA a abandonar seus atos repreensíveis e suas intimidações e a respeitar escrupulosamente as regras internacionais, justas e transparentes", diz comunicado do Ministério do Comércio. "Se os EUA insistirem em seguir seu próprio caminho, a China tomará as medidas necessárias para preservar firmemente os direitos e interesses legítimos das empresas chinesas."

O anúncio, feito em plena escalada entre Pequim e Washington, não aponta diretamente para nenhuma empresa estrangeira, mas faz alusão, de forma geral, a sanções e multas contra entidades estrangeiras e restrições às atividades e entrada de material e pessoas no país.

A lista incluirá as empresas cujas atividades "ataquem a soberania nacional da China e seus interesses em termos de segurança e de desenvolvimento" ou que violem "as regras econômicas e comerciais internacionalmente aceitas". Segundo o ministério, podem afetar "empresas estrangeiras, outras organizações e indivíduos".

De acordo com a ação apresentada na sexta-feira à noite a um tribunal de Washington, o TikTok alega que "as razões são políticas" e a proibição viola os direitos constitucionais à liberdade de expressão e a um julgamento justo. Se mantida, a proibição vai encerrar "irreversivelmente" a atividade do aplicativo no país com 100 milhões de usuários, diz o processo.

Espionagem é real?

Desde o início do imbróglio, em julho, o governo americano não apresentou provas concretas da espionagem de Pequim nos dois apps.

O que se sabe é que um estudo feito pela Universidade de Toronto mostrou que a plataforma censura o conteúdo de todos os usuários registrados com um número de telefone chinês, mesmo que viajem para o exterior ou mudem para um número internacional, e que contas que não foram registradas na China ficaram sujeitas a uma "vigilância de conteúdo generalizada".

Na China, é comum que os gigantes da internet suprimam conteúdo politicamente sensível em nome da estabilidade e bloqueiem sites ocidentais como Facebook, Twitter e New York Times. A política de confidencialidade do WeChat indica que as informações do usuário podem ser compartilhadas "se [for] necessário", especialmente com o Estado, para "cumprir uma obrigação ou procedimentos legais".

Mas, para alguns críticos, esses riscos não são claros e a proibição generalizada de plataformas levanta preocupações sobre a capacidade do governo de regulamentar a liberdade de expressão garantida na Primeira Emenda da constituição dos EUA.

"É um erro pensar que esta é (apenas) uma sanção ao TikTok e ao WeChat. É uma restrição séria aos direitos da Primeira Emenda consagrados para os cidadãos e residentes americanos", disse Jameel Jaffer, diretor do instituto Knight First Amendment no Universidade Columbia.

Hina Shamsi, da American Civil Liberties Union, admite que a decisão levanta questões constitucionais e a chamou de "abuso de poderes de emergência" por Trump, que cria mais problemas de segurança do que realmente resolve.

O apetite do governo americano para investigar companhias chinesas, porém, não vai parar. Nesta semana, uma reportagem da Bloomberg disse que os EUA agora investigam empresas que têm relação com a Tencent no mercado de games. É uma medida que pode afetar toda a indústria de jogos: hoje, a chinesa é dona ou acionista de marcas como League of Legends, Clash of Clans e Fortnite, populares no mundo todo.

A Tecent é avaliada em mais de US$ 600 bilhões, comparável ao Facebook em peso de mercado. Possui ações em várias empresas dos EUA, incluindo a fabricante de carros elétricos Tesla, a rede social Snap e desenvolvedores de videogames como Riot Games, Epic Games e Activision Blizzard.

Em 2019, Trump proibiu companhias americanas de negociarem com a ZTE e a Huawei —esta última é uma líder global em infraestrutura para o 5G, considerado estratégico para os próximos passos da economia global.

No campo de batalha com a China, Trump visa suas empresas mais inovadoras. (Com agências internacionais)