UFPR testa de graça se álcool gel é pirata: "fiquei louca", diz empresária
A procura por álcool gel disparou na pandemia do coronavírus. E não demorou muito para aparecer produtos falsificados e com a composição adulterada. Preocupados com a situação, pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná) decidiram oferecer testes gratuitos do álcool gel para a população de todo o país. Uma amostra de um mililitro de álcool gel é inserida em uma máquina, e o resultado sai em cerca de dois minutos.
A iniciativa ajuda a combater um problema nacional que não é só de direito ao consumidor, mas de saúde pública também. Uma fabrica clandestina de álcool em gel foi interditada em Sorocaba (SP), segundo uma denúncia da prefeitura em março, por não ter licença de funcionamento e nem controle de qualidade da matéria-prima utilizada. A substância química fora das normas de segurança pode provocar ressecamento exagerado da pele e até levar à morte por danos causados ao sistema nervoso.
A reportagem conversou com duas pessoas que submeteram o álcool gel ao teste da UFPR. Em março, a dona de um café de 39 anos*, que pediu para não ser identificada, comprou um frasco de cinco litros do produto. Por seis meses, usou-o para limpar mesas, objetos de contato com os clientes e higienizar mãos. Para sua surpresa, a concentração foi de 40%, bem abaixo do índice recomendado de 70%.
Eu fiquei louca, estava há seis meses exposta ao coronavírus. Eu, minha família, meus clientes. É um absurdo o consumidor final ter que fazer isso, por não confiar no que está sendo vendido
Indignada, ela deixou de usar o produto, passou a servir café em copos plásticos para "eliminar o risco" e a limpar as bancadas com álcool líquido e água oxigenada. Agora, prepara-se para comprar outra marca de álcool gel. Mas antes, vai encaminhar uma amostra para análise na UFPR.
O produto considerado adulterado pela universidade foi fabricado pela Clarilimp, de Colombo (PR). O químico responsável pela qualidade do produto, Christiano Luiz Navarini, disse que esse lote foi feito antes da resolução 350, que define critérios para produtos antissépticos ou sanitizantes contra covid-19 sem prévia autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A resolução define que o álcool gel deve ter concentração mínima de 70%.
Além disso, Navarini explicou que o lote era pequeno e que esse tipo de concentração não foi mais produzido na empresa desde que a norma entrou em vigor.
O lojista Jorge Moises Salome, 59 anos, também encaminhou álcool gel para a análise. No caso dele, não foi identificada adulteração. Comprado há quatro meses, o álcool é usado na sua loja de produtos esotéricos e em sua casa.
Como funciona a análise
Avaliado em R$ 1 milhão, o equipamento chamado espectrômetro de RMN (Ressonância Magnética Nuclear) identifica a composição do álcool gel —e de outras substâncias— a partir da análise de propriedades magnéticas. Segundo o químico e professor da UFPR, Andersson Barison, a máquina precisa ser "abastecida" a cada semana com 50 litros de nitrogênio líquido e, a cada seis meses, com 100 litros de hélio líquido.
Após a amostra ser colocada na máquina, ela gera um campo magnético de alta intensidade. A partir disso, os pesquisadores analisam a velocidade de precessão (giro ao redor de seu eixo) nos núcleos dos átomos da amostra. Barison compara isso ao movimento de um pião que, ao ser jogado no chão, gira de formas diferentes em cada tentativa.
"Vai dar a identidade do composto, que molécula é, independente se é pura ou se tem outros compostos", salienta a professora do departamento de química da UFPR Caroline D'Oca. O aparelho também pode ser usado para diagnóstico de doenças.
A olho nu, a identificação do álcool gel falsificado é praticamente impossível. Só um laboratório é capaz de verificá-lo. "A aparência, o cheiro e a cor podem ser iguais", salienta Caroline.
Teste só mostra concentração
Devido à possibilidade de alta procura pelo teste, os pesquisadores estão informando apenas a concentração do álcool gel encaminhado à universidade pela população. Ou seja, se é ou não 70%. Não será oferecido a análise de outras substâncias colocadas indevidamente no produto.
Além disso, os resultados não têm valor jurídico —ou seja, não podem ser usados em processos— e não vão constar o nome das marcas.
Atualmente o laboratório tem recebido uma média de dez a 15 pedidos de análises por semana. Com a divulgação da iniciativa, os pesquisadores dizem não temer uma "explosão" de solicitações. Atualmente três universitários participam das análises, acompanhados dos professores.
Por enquanto, cerca de 80% das amostras analisadas têm apresentado percentual menor do que o recomendado, não apropriados para uso sanitizante.
Laboratório tem parceria com polícias
Antes de abrir para o público, o laboratório da universidade já realizava a análise a pedido das polícias Civil e Federal. Em apenas uma leva, foram identificadas adulterações nas 12 amostras trazidas pelos investigadores. A equipe do laboratório ficou preocupada, pois em uma delas, o produto era distribuído para órgãos públicos do Paraná.
A parceria da universidade com a PF ocorre há cerca de quatro anos e se estende a outras operações, como a análise de drogas.
Por que disponibilizar o teste gratuito?
Para os pesquisadores, fazer a análise de graça para a população reforça o papel social da universidade pública. "Damos retorno à sociedade pelo investimento feito na universidade, oferecendo um serviço público gratuito, para contribuir com esse momento tão delicado que todos estamos passando", salienta Caroline.
Além disso, o laboratório identificou a procura de empresas que não sabiam para onde encaminhar o produto para análise. Há ainda uma terceira finalidade: o próprio uso do equipamento milionário. Por ano, o custo de manutenção é de cerca de R$ 30 mil. Depois de ligado, ele não é desligado nunca mais.
Para onde mandar?
Para solicitar a análise é preciso encaminhar uma amostra pelos correios (veja endereço abaixo), além de informar dados pessoais e de contato.
Centro Politécnico da UFPR
Endereço: Av. Cel. Francisco H. dos Santos, 100, Jardim das Américas, Curitiba, Paraná
Mais informações: alcoolgel@c3sl.ufpr.br
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