Não consegue ficar sem o celular? Você pode ter nomofobia e não saber disso
Sem tempo, irmão
- Segundo especialista, nomofobia é patologia que atinge cerca de 15% da população
- Trata-se do medo de ficar sem tecnologia e causa fobia social, ansiedade e depressão
- Mas há uma diferença entre se sentir viciado e ser incapaz de levar uma vida normal
- Uso excessivo requer reeducação; já a patologia pede tratamento
Você já acordou à noite e correu para conferir as notificações do celular —e teve dificuldade para dormir depois? Já se queixou de cansaço físico e mental diante da enxurrada de informações consumida digitalmente ao longo do dia? Esqueceu o celular em casa e isso acabou sendo um gatilho para uma crise de ansiedade? É preciso ficar atento porque esses "sintomas" podem indicar que você tem mais que um vício, mas desenvolveu uma doença conhecida como nomofobia.
Uma mistura de grego (fobos) com inglês moderno (no mobile), a nomofobia se refere ao medo patológico que uma pessoa tem de ficar longe de seu celular. Com coronavírus e as restrições de contato social como combate à pandemia, especialistas de todo o mundo tem alertado sobre as consequências do aumento do grau de dependência das pessoas a essas tecnologias.
Essa necessidade de estar conectado pode ser resolvida com mudanças de hábitos (evitar dormir com o celular do lado, ter hora para começar e terminar o home office, ficar longe do aparelho durante refeições em família, etc.). No entanto, se esse "detox" vier acompanhado de ansiedade, angústia e até depressão, a coisa muda de figura e entra no campo da patologia.
É o que explica a psicóloga Anna Lucia Spear King, coordenadora do núcleo Delete, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ela é uma das organizadoras do livro "Nomofobia - Dependência do Computador, Internet, Redes Sociais? Dependência do Telefone Celular?" que conta o que é a nomofobia e como ela se tornou um transtorno do mundo moderno.
"A cada cem pessoas, cerca de 15 são consideradas nomofóbicas, com transtornos associados", diz King.
Como em todo transtorno, cada caso é um caso e deve ser analisado sob suas especificidades. Para ser diagnosticado, o paciente precisa passar por uma triagem, com avaliações psicológicas e psiquiátricas.
Assim, a pessoa pode revelar a compulsão de ficar muitas horas em sites de jogos, de compras online e até pornografia. Se ela tem fobia social —isto é, uma dificuldade de se relacionar com outras pessoas — é possível que esteja usando as telas do computador e do smartphone como escudo para não interagir com pessoas próximas.
Existem alguns sinais capazes de indicar que uma pessoa pode estar sofrendo de nomofobia:
- Deixar de entregar trabalhos
- Repreensões constantes por parte do chefe
- Problemas de concentração no trabalho
- Dormir mal
- Brigas durante reuniões familiares
- Dificuldade em se desconectar completamente
"É horrível conviver com pessoas assim, e o tratamento muitas vezes só acontece quando a pessoa cai na real e resolve buscar ajuda. Se as pessoas se afastam, é sinal de que alguma coisa está errada", explica a autora.
As tecnologias, segundo ela, são veículos que canalizam os componentes da nossa personalidade. Assim, quem não se sente inserido em seu grupo social costuma buscar refúgio nas redes, com a ilusão de que ali "tudo é melhor". O problema é que, muitas vezes, isso potencializa o problema, já que há o risco de acreditar que a grama no avatar do vizinho é sempre mais verde.
Eu vivo conectado, será que sou viciado tecnologia?
Não é porque você faz do story do Instagram um diário detalhado da sua vida ou passa uma boa parte do seu dia xingando muito no Twitter que você tem nomofobia. King afirma que é preciso tomar cuidado para não banalizar o termo.
"Todo mundo diz que é dependente e viciado. Muitos são apenas mal-educados no uso e não vão sentir angústia, ansiedade e nervosismo se ficarem sem. Quem tem nomofobia passa mal", diz Anna Lucia Spear King, da UFRJ.
Segundo ela, usar a tecnologia todos os dias, por muitas horas, não significa necessariamente que o usuário tenha desenvolvido esse transtorno. "Hoje todos dependemos do computador, do celular, para lazer e para o trabalho. Se a gente não se dá limite, não é doente por isso", diz ela.
A autora conta que o mundo contemporâneo, muito acelerado, é marcado pela impaciência e que sente isso no próprio trabalho. "Os pacientes querem saber tudo a qualquer horário. Querem ser consultados e receber orientação o tempo todo pelo WhatsApp. A população como um todo precisa de educação digital. Devemos aprender a lidar com essas tecnologias, como um dia nos ensinaram a sentar à mesa e não comer de boca aberta", diz King.
Porque não sabemos lidar com a tecnologia, recebemos muitos prejuízos emocionais e físicos, como lesões de esforço repetitivo e artrite. Apesar disso, ela lembra: "o problema não é a tecnologia em si. Mas sim — vale reforçar — o (mau) uso que fazemos dela".
Onde eu busco tratamento?
O tratamento de doenças relacionadas ao uso da tecnologia é tão antigo quanto a internet. Em 1995, quando a internet dava seus primeiros passos no Brasil, a psicóloga Kimberly Young já aplicava em seus pacientes em Bradford, no Reino Unido, uma avaliação sobre vício eletrônico em um dos primeiros centros dedicados ao tema.
No Brasil, o Hospital das Clínicas (HC), da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, iniciou em 2008 um programa para o tratamento dos chamados usuários abusivos de internet. Já o núcleo Delete, da UFRJ, reúne desde 2013 psicólogos, psiquiatras, pedagogos e pesquisadores em educação e comunicação para investigar as interferências da tecnologia no nosso comportamento.
O atendimento é gratuito e as triagens acontecem às sextas-feiras, a partir das 8h, no Instituto de Psiquiatria. Se interessou? Manda um e-mail para o Delete (grupodelete@gmail.com).
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