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Qual a lógica por trás do app que promete corrida de até 10 km por só R$ 6?

Aplicativo Sity, usado para transporte de passageiros como o Uber - Foto: Sity/ Divulgação
Aplicativo Sity, usado para transporte de passageiros como o Uber Imagem: Foto: Sity/ Divulgação

Renata Baptista

De Tilt, no Recife

05/11/2020 04h00

O aplicativo brasileiro de caronas Sity criou a categoria Sity X, em que oferece viagens a um preço muito abaixo do que sua principal rival Uber pratica. Seu valor fixo é de R$ 6 para trechos de até 10 quilômetros de distância, em qualquer horário. Uma corrida similar na Uber em São Paulo, em horário comercial, custa mais de R$ 25. Mas como isso é possível?

O foco da Sity com o novo formato é ganhar mais mercado, conquistando mais usuários e motoristas para a plataforma. Em conversa com Tilt, o executivo-chefe e fundador da Sity Inc, Fernando Ângelo, informou alguns dos fatores de seu modelo de negócio que permite a "mágica" dos R$ 6 em 10 km.

Comportamento do usuário: Ângelo afirma que pesquisas constataram que a maioria dos clientes percorre trechos de dois a quatro quilômetros, então o valor da corrida não seria muito diferente do cobrado por outros aplicativos.

Taxa mais baixa: a Sity retira dos motoristas uma taxa de 20% sobre o preço de cada corrida. A empresa diz ser a menor do mercado —o que é contestável, pois o InDriver diz cobrar até 10%, por exemplo. Mas, de fato, a Uber cobra mais que isso; sua taxa é dinâmica, mas segundo motoristas não sai por menos de 25%. Com um modelo que estimula viagens curtas, a ideia da Sity é que os condutores façam mais viagens, e com isso lucrem mais.

Incentivo aos motoristas: caso o motorista da categoria Sity X faça dez corridas em um mês, ganhará um bônus de R$ 100. Se realizar 100 viagens no mesmo período, ele será de R$ 1.200. Esse dinheiro é pago por meio de parcerias. A maior delas é a com o Banco Pan, que permite o motorista ficar três meses sem pagar taxa à empresa se abrir uma conta no estabelecimento. Caso não queira, a taxa cobrada segue como 20%.

Criada em 2017 e com operações iniciadas no final do ano passado, a Sity conseguiu algo difícil: crescer durante a pandemia. Hoje atua em todas as capitais nacionais, chegando a 104 cidades. O número de usuários é de quase 200 mil, mas a expectativa é chegar a 2 milhões até o fim do ano. A Uber diz ter 1 milhão de motoristas e entregadores e 22 milhões de usuários no Brasil.

Repercussão

Desde que a plataforma anunciou a categoria Sity X, alguns comentários surgiram nas redes sociais da empresa. Alguns posts de usuários comemoravam o preço mais baixo. Outros, que parecem ser de motoristas de aplicativos, questionavam a iniciativa.

"Se vocês encherem o tanque de gasolina do meu carro todos os dias, aí sim dá para aceitar este valor", disse um usuário do Instagram. "Vocês estão malucos? Quem em sã consciência vai correr? Somente quem não sabe fazer uma mínima conta, é lógico que não fecha a conta", questionou outro.

É viável?

Como a taxa sobre o motorista é de 20%, o motorista fica com R$ 4,80 dos R$ 6 da corrida sem considerar os bônus. Ainda tem que descontar o preço do litro de gasolina usado no percurso. O restante ainda deve ser aplicado para pagar os impostos do carro ou, muitas vezes, o aluguel do automóvel usado pelo motorista.

"Fica difícil constatar se há viabilidade ou não para o motorista, uma vez que precisamos saber da frequência de passageiros, lembrando que quando não há clientes, continua existindo custo", explica o professor de economia Sandro Maskio, da Universidade Metodista de São Paulo.

Para Leandro da Cruz Medeiros, presidente da Stattesp (Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte Terrestre de São Paulo), que diz reunir cerca de 5.000 trabalhadores, a nova categoria criada pela Sity é mais um exemplo do que chama de "escravidão moderna".

O motivo apontado é uma crítica antiga dos motoristas da Uber, 99 e outros apps de serviços terceirizados: como eles ganham por corrida, se arriscam ao trabalhar por muitas horas ininterruptas, se expondo à covid-19 e à falta de segurança nas ruas. Além disso, gastam do próprio bolso com manutenção e combustível do veículo.

"Para os passageiros é bom, pois o preço é baixo, mas nossos motoristas estão morrendo. É preciso que as empresas estejam dispostas a conversar com os sindicatos", afirma.