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Pólvora virtual: como agem os perfis do Brasil que operam ataque a Biden

Perfis brasileiros espalham fake news sobre EUA no Twitter - HenrykDitze/Shutterstock
Perfis brasileiros espalham fake news sobre EUA no Twitter Imagem: HenrykDitze/Shutterstock

Lucas Carvalho*

De Tilt, em São Paulo

17/11/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Brasil é um dos quatro países que mais espalham fake news sobre eleição nos EUA
  • Entre 1.500 e 2.000 perfis brasileiros possivelmente falsos contestam vitória de Biden contra Trump
  • Estratégia tem relação com militância bolsonarista nas redes

Os perfis brasileiros, provavelmente forjados para espalhar notícias falsas, estão entre os que mais atacam no Twitter a eleição do democrata Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos. A análise é do Bot Sentinel, um monitor de inteligência artificial que identifica e cataloga contas com alta probabilidade de serem geridas por um robô no Twitter, que coloca o Brasil no quarto lugar entre os que mais postam boatos desta temática.

A maioria dos ataques vem de perfis que se comportam como bots (contas automatizadas que se passam por usuários reais) e são assumidamente bolsonaristas —empregam até o nome do presidente brasileiro em sua identificação, além de seguirem políticos brasileiros como o então candidato à prefeitura Celso Russomano (Republicanos-SP) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República.

A onda de ataques foi registrada justamente na semana em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que é aliado do presidente norte-americano Donald Trump, se recusou a comentar a vitória de Biden e ameaçou com "pólvora" os EUA em caso de interferência americana na Amazônia.

Segundo o desenvolvedor e pesquisador norte-americano Christopher Bouzy, criador do Bot Sentinel, China, Irã e Rússia são os outros países que mais espalham notícias falsas sobre a eleição dos EUA. A diferença é que os brasileiros não fingem ser americanos.

"A maioria dos agentes estrangeiros que interferem na política dos EUA tenta se passar por alguém dos Estados Unidos, mas as contas brasileiras conduzem suas atividades à vista de todos", explicou Bouzy a Tilt.

O desenvolvedor não tem números exatos, mas estima que há entre 1.500 e 2.000 perfis brasileiros engajados em espalhar notícias falsas sobre a eleição americana, como, por exemplo, acusações sem fundamento de que votos a favor de Trump foram adulterados.

Os supostos bots foram identificados usando hashtags como "#BidenWasNotElected" ("Biden não foi eleito", em português), em sintonia com o discurso de Trump, que não reconhece a sua derrota nas eleições.

Muitos desses possíveis bots interagem com perfis americanos, compartilham posts da mídia conservadora dos EUA e também de aliados de Trump, além de defender Bolsonaro e espalhar boatos.

Um desses perfis, com cerca de 300 seguidores, compartilhou em 4 de novembro uma imagem que acusava o estado americano do Michigan de ter computado 138 mil votos consecutivos para Biden e nenhum para Trump, como sinal de que a eleição teria sido manipulada. A imagem mostra, na verdade, um erro de digitação que não foi contado na apuração oficial dos votos.

"É incomum ver tantas contas brasileiras disseminando abertamente informações falsas sobre uma eleição presidencial dos EUA, mas, recentemente, temos observado um bom número de contas do Brasil interessadas na política dos EUA", diz Bouzy.

É bot ou não é?

Para definir quais perfis são reais e quais são falsos, o Bot Sentinel usa as próprias diretrizes do Twitter, que classifica como "comportamento inautêntico" atitudes como o uso excessivo de hashtags, fotos de perfil tiradas da internet, a publicação repetida de Tweets idênticos, entre outras.

Tilt apurou que os perfis identificados pelo Bot Sentinel são assumidamente bolsonaristas porque usam o sobrenome Bolsonaro, fotos do presidente na capa ou palavras-chave relacionadas na bio, como "conservador" e "patriota".

Bot bolsonarista no Twitter - Reprodução/Tilt - Reprodução/Tilt
Perfil brasileiro identificado como possível bot diz "não sou robô" (sic) na bio
Imagem: Reprodução/Tilt

Em comum, todos esses perfis seguem, majoritariamente, outros militantes bolsonaristas, e são seguidos de volta por eles. As contas classificadas como prováveis bots não falam de outro assunto que não seja política, sempre pelo viés de apoio ao presidente.

Alguns dos perfis identificados pelo Bot Sentinel postam repetidamente as mesmas imagens em respostas a tweets; dão RT nos próprios comentários, até mais de uma vez; repostam o mesmo conteúdo várias vezes, publicados por contas diferentes; e a maioria foram criados entre maio e junho de 2020.

Bot - Reprodução/Tilt - Reprodução/Tilt
Perfil apontado como bot compartilhou duas vezes o mesmo vídeo
Imagem: Reprodução/Tilt

Além disso, é frequente o compartilhamento de links para sites e blogs como o Jornal da Cidade Online e Terça Livre, criado por Allan dos Santos, investigado pela Polícia Federal em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre fake news.

Tilt tentou entrar em contato com alguns dos perfis classificados como "problemáticos" pelo Bot Sentinel, mas não tivemos resposta até o fechamento desta reportagem.

É importante destacar que não há como garantir sem sombra de dúvida que esses perfis são realmente forjados e não pessoas de verdade que se comportam como bots. A não ser que o próprio Twitter os tire do ar.

O que explica esses ataques

Segundo o brasileiro David Nemer, professor de estudos de mídia na Universidade da Virgínia, nos EUA, a ação de bots brasileiros contra as eleições americanas não tem a intenção de interferir na política estrangeira, como sugere Bouzy, mas sim na política nacional.

"Existem dois interesses [em jogo]: a guerra de narrativa e o financiamento", explica Nemer a Tilt. Segundo o pesquisador, a máquina de notícias falsas opera estimulando o ódio, com a intenção de gerar engajamento e tráfego para redes de notícias falsas.

Nemer afirma que essas redes, que incluem blogs, canais no YouTube e perfis nas mídias sociais, ganham dinheiro exibindo anúncios automatizados, vendendo cursos e com financiamento coletivo. Segundo ele, quanto mais ódio essas plataformas estimulam, mais audiência elas têm. E, consequentemente, mais dinheiro ganham.

Os alvos desse ódio, segundo Nemer, já foram rivais políticos de Bolsonaro, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro.

Em razão da proximidade ideológica entre Bolsonaro e Trump, o inimigo agora é outro.

"Joe Biden virou o inimigo do momento. Uma derrota de Trump é uma derrota para o Bolsonaro, não tanto política, mas uma derrota na retórica. Porque as pessoas já estão falando [nas redes sociais] que o próximo é o Bolsonaro", diz Nemer.

Ainda de acordo com o pesquisador, o outro campo em que a máquina de notícias falsas opera é na "guerra de narrativa", supostamente comandada pelo "gabinete do ódio" —uma equipe de assessores e aliados de Bolsonaro que usaria as redes sociais para espalhar a ideologia bolsonarista, muitas vezes através de notícias falsas e bots.

A operação foi denunciada por deputados que deixaram a base aliada do presidente no Congresso, como Alexandre Frota (PSDB) e Joice Hasselmann (PSL), e pela imprensa. O governo federal, porém, nega a existência do tal gabinete.

*colaborou Helton Simões Gomes