Após 57 anos de uso, telescópio de Arecibo será demolido para não desabar
O icônico telescópio do Observatório de Arecibo, em Porto Rico, enfrenta uma catástrofe iminente. Falhas recentes fizeram a estrutura entrar em colapso, sem possibilidade de um reparo seguro. Agora, engenheiros correm contra o tempo para demolir o enorme radiotelescópio, antes que ele desabe.
Dois cabos de suporte se romperam inesperadamente nos últimos meses e, se um terceiro quebrar, a plataforma receptora suspensa de 900 toneladas irá cair em cima do disco refletor de 300 metros do telescópio, possivelmente puxando suas três torres de sustentação junto. Um estrago e tanto.
A National Science Foundation (NSF), organização norte-americana que administra o observatório, concluiu, após diversos estudos de engenharia, que o telescópio não pode ser estabilizado sem arriscar a vida dos trabalhadores. A estrutura está tão instável que os técnicos não podem nem se aproximar muito para avaliar o tempo previsto até o desabamento e a maneira mais segura de desconstruí-la.
"Tentativas de estabilização ou mesmo testes nos cabos poderiam resultar na aceleração da falha catastrófica", disse Ralph Gaume, diretor da Divisão de Ciências Astronômicas da NSF, em entrevista coletiva.
Descobertas
Assim, se encerrará uma história de quase 60 anos. A perda do telescópio é um grande golpe para a busca da humanidade por vida extraterrestre e para nossa capacidade de defender o planeta.
O "prato gigante" (na verdade uma antena) é a marca registrada de Arecibo, que até 2016 ocupou o posto de maior radiotelescópio do mundo - foi ultrapassado pela Fast, na China, de 500 metros. Diferente de um telescópio óptico, que produz imagens a partir da luz visível, um radiotelescópio observa as ondas de rádio, por meio de uma ou mais antenas parabólicas, sem lentes ou espelhos.
Inaugurado em 1963, incrustrado na floresta caribenha, Arecibo contribuiu para estudos de radioastronomia e ciências atmosféricas, buscou asteroides ameaçadores à Terra, procurou sinais de tecnologia alienígena, descobriu o primeiro planeta além do nosso Sistema Solar.
Em 1974, emitiu a primeira e mais poderosa transmissão que a Terra já enviou para se comunicar com possíveis aliens. Em 2016, detectou as primeiras rajadas rápidas de rádio repetitivas - sinais espaciais misteriosos, que talvez venham de estrelas mortas.
Ele é fundamental na investigação de rochas espaciais perigosas, apesar de não as observar diretamente. O telescópio faz um "ping" com radar (sinal que vai e volta), para decifrar sua forma, rotação, características de superfície e trajetória através do espaço - variantes que a luz visível, por si só, não oferece. Sem esses dados, é muito mais difícil saber se um asteroide está se movendo em direção à Terra.
Cultura pop
O telescópio é tão icônico que faz parte da cultura pop. Ele apareceu nos filmes "Golden Eye" (1995), da série James Bond, e "Contato" (1997), baseado no livro de Carl Sagan, um romance de ficção científica sobre vida inteligente fora do nosso planeta.
Sagan tem outra conexão com Arecibo. Na década de 1970, junto com outros cientistas, ele criou uma mensagem codificada para civilizações extraterrestres. Na época, ela foi enviada ao espaço de duas maneiras: em uma placa banhada a ouro, colocada na sonda Pioneer 10, e em ondas de rádio, disparadas de Arecibo em direção ao aglomerado de estrelas M13, a 25 mil anos-luz da Terra. Essas ondas ainda estão ecoando pelo espaço-tempo.
Você também já deve ter visto a icônica capa do disco Unknown Pleasures (1979), da banda Joy Division, provavelmente em uma camiseta por aí. A ilustração que parece uma cadeia de montanhas, na verdade, representa 80 pulsos de rádio (cada um é uma linha) emitidos pelo pulsar PSR B1919+21, uma estrela de nêutrons a 51 anos-luz da Terra. Seu sinal foi captado pela antena de Arecibo.
Catástrofe em etapas
Com o fim de Arecibo, os Estados Unidos e o mundo perdem grande parte de sua capacidade de realizar pesquisas interplanetárias com sinais de rádio. Ele e o Fast eram os dois grandes olhos da Terra na radioastronomia.
"Se você está monitorando uma fonte tênue de sinal de rádio, precisa de dois grandes radiotelescópios: um apontando para ela durante o dia e outro durante a noite", disse Abel Mendez, astrobiólogo da Universidade de Porto Rico em Arecibo, ao Business Insider.
"Não conseguiremos mais monitorar 24 horas por dia. Agora, só temos um olho", acredita Mendez, que está em campanha para salvar o telescópio. Segundo ele, "sempre há alguém disposto a assumir estes ricos".
Diversos furacões e tempestades tropicais causaram danos leves à estrutura na última década. Mas o trágico destino do telescópio começou a ser selado em 10 de agosto deste ano, após a passagem do furacão Isaías sobre a ilha de Porto Rico. Um cabo de aço auxiliar, de 3 polegadas de espessura, se soltou de uma das três torres e chicoteou o disco abaixo, abrindo uma fenda de 30 metros nos painéis.
Em 7 de novembro, antes que os reparos pudessem começar, um segundo cabo, mais grosso e principal da mesma torre, quebrou e também atingiu o prato. Os engenheiros decidiram que não podem mais confiar na estrutura. As torres com cabos de aço sustentam uma enorme plataforma de metal, que fica pendurada sobre a antena côncava. Se outro cabo da mesma torre se romper, tudo cairá dentro do prato.
Agindo o mais rápido possível, a NSF espera ao menos salvar um conjunto de edifícios que ficam abaixo de uma das torres. Assim, o Observatório de Arecibo poderá permanecer aberto - apesar de sem seu principal instrumento e marca registrada.
Deve levar entre um e dois meses para que os engenheiros tracem o plano de demolição controlada, com a ajuda de imagens aéreas feitas por drones. Também estão considerando maneiras de ganhar tempo extra, como inclinar as torres alguns centímetros para reduzir o peso nos cabos restantes.
Se os engenheiros conseguirem desmontar o telescópio antes que ele colapse, o Observatório de Arecibo ainda será capaz de conduzir algumas pesquisas científicas. O sistema de lasers Lidar, por exemplo, pode estudar a alta atmosfera e a ionosfera da Terra. Uma instalação na ilha de Culebra coleta dados sobre nuvens e precipitação.
Além disso, pesquisadores ainda poderão analisar dados arquivados do telescópio. Mesmo sendo demolido, Arecibo deixará um grande legado para a ciência e para a humanidade.
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