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Made In Brazil

Os cientistas que brilharam na pandemia


Marilda Siqueira, a cientista que preparou a América do Sul para a covid-19

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

07/12/2020 04h00Atualizada em 18/05/2022 09h11

Não é exagero dizer que Marilda Siqueira, pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) do Rio de Janeiro, preparou a América do Sul para o pior. Tudo aconteceu muito rápido, lembra. Era começo de janeiro quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) deu as primeiras orientações sobre o coronavírus, e o Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo da Fiocruz, onde ela trabalha, começou a correr atrás de tecnologia para identificar a doença e a comprar insumos.

O pior veio, de fato. E Siqueira e sua equipe se tornaram responsáveis pelo país conseguir lidar minimamente com a pandemia. O pioneirismo do laboratório fez com que ele virasse um dos grandes centros de inteligência das Américas para o coronavírus —quem disse isso foi a própria OMS, que em março colocou a Fiocruz-RJ como um dos 12 laboratórios de referência internacional na pandemia. No continente, só ele e o norte-americano CDC (Centro de Controle de Doenças) apareceram na lista.

A pedido da OMS e da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Siqueira passou a preparar outras instituições, como o Instituto Adolfo Lutz (São Paulo) e o Evandro Chagas (Pará), e treinar equipes de nove países sul-americanos.

"Foi um início bastante intenso de trabalho", conta. A Fiocruz-RJ recebia quase todas as amostras de casos suspeitos do país, porque poucos tinham treinamento para fazer os testes.

Em um mês, a equipe do laboratório conseguiu produzir um kit nacional de diagnóstico. Dois meses depois, já tinha descentralizado o trabalho para cada estado. "Se ficasse só aqui, ia demorar muito mais tempo para que as ações fossem feitas", aponta.

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Imagem: Arte/UOL

Com longa experiência em tratamentos de outras doenças como Mers, Sars-CoV-1, ebola e sarampo, Marilda Siqueira é referência na luta contra os vírus no Brasil. Seu trabalho com o diagnóstico de covid-19 ainda não terminou, mas as pesquisas foram ganhando outros caminhos. O foco passou ser o aprofundamento dos seguintes pontos:

  • Análise genômica: estudo para entender o coronavírus ao longo do tempo, usando protocolo para gerar sequências genômicas e entender suas mutações, algo essencial para prever possíveis resistências a remédios e vacinas;
  • Busca de remédio: estudo para achar drogas antivirais eficazes contra o vírus, sejam compostos já existentes ou novos;
  • Acompanhamento de infectados: estudo para saber se a reinfecção pode acontecer em pessoas que tiveram exame positivo, assim como entender o quão grave uma reinfecção pode ser.

Para alcançar tudo isso, a equipe de Siqueira vive uma rotina nada glamorosa, que envolve longas jornadas de trabalho. "No início, trabalhamos praticamente todos os sábados e sempre até 21h. Era difícil ter tempo para fazer pesquisas", recorda.

A demanda fez a Fiocruz se organizar e contratar novos bolsistas e funcionários terceirizados, que ajudaram a aliviar a rotina do laboratório. Ao mesmo tempo, as pesquisas eram afetadas pela falta de insumos, que são importados e começaram a faltar.

O dinheiro para a pesquisa e os trabalhos até saiu, mas demorou. Os apoios recebidos pelos fundos do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e pela Faperj [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro] só chegaram ao laboratório entre junho e julho.

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Foi difícil, mas cada vitória do laboratório é motivo de grande orgulho para a coordenadora, que reúne no laboratório uma maioria de pesquisadores jovens. Por exemplo, ela lembra que uma das pesquisadoras da Fiocruz carioca virou curadora do banco de dados da OMS para análises genômicas.

"Lido com uma equipe muito jovem, de gente entusiasmada. Eles viram meio que meus filhos, então perceber esse crescimento deles, tanto profissional quanto pessoal, é muito bom", afirma. "Temos imunologistas, biologistas moleculares, bioinformatas, veterinário, biólogos que investigam como a covid afeta animais. É uma equipe multidisciplinar, que trabalha junta há anos, e é bastante experiente em culturas celulares e detecção de vírus."

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Marilda Siqueira chama a atenção para um fato novo importante na ciência brasileira: a pandemia uniu várias instituições de pesquisa na resolução do problema. Isso já havia acontecido, em menor grau, na luta contra o zika, mas agora havia um problema iminente, que é a falta de dinheiro.

Em meio a cortes de verbas na área, ela já se preocupa com os trabalhos do próximo ano.

"Um país que deixa de investir em pesquisa está retrocedendo. Não é só pesquisa de covid, mas em formas alternativas de energia, por exemplo. São questões que no futuro próximo irão impactar totalmente a sociedade", defende.

Segundo ela, quem lucrou muito em meio a pandemia foram países que exportam tecnologia, como a Alemanha. "O Brasil está deixando de ganhar dinheiro", afirma. "Quase tudo [para pesquisa] do coronavírus é importado, atualmente só o kit [da Fiocruz] não é. Imagina o que essas empresas estão ganhando."

Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 10 cientistas de ponta brasileiros que atuaram brilhantemente no combate ao coronavírus durante a pandemia.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferente do informado, o Instituto Evandro Chagas fica no Pará, e não no Paraná. A informação já foi corrigida.

Tilt, o canal de ciência e tecnologia do UOL, acredita no trabalho dos cientistas brasileiros, que conseguem fazer pesquisa de ponta mesmo com falta de recursos, estrutura e apoio. Para valorizá-los e conseguir que recebam o apoio que merecem, trazemos aqui uma curadoria dos nomes "made in Brazil" que impressionaram a nós e à comunidade científica internacional.