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Made In Brazil

Os cientistas que brilharam na pandemia


Ester Sabino, a médica que agilizou o sequenciamento do novo coronavírus

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

07/12/2020 04h00

Logo no começo da pandemia, quando ninguém sabia com precisão o que estava acontecendo, com o que estávamos lidando, para onde tínhamos de olhar ou como deveríamos reagir, um grupo de mulheres brasileira saiu na frente e trouxe respostas importantíssimas —para nós e para o mundo.

O sequenciamento genético do novo coronavírus realizado no Brasil aconteceu no tempo recorde de 48 horas, e ganhou destaque por usar uma metodologia de baixo custo. As responsáveis foram as pesquisadoras do IMT (Instituto de Medicina Tropical) da USP (Universidade de São Paulo), coordenadas pela médica Ester Sabino.

Sabino destaca-se por sua longa experiência com estudos de DNA dos vírus da dengue, zika e chikungunya, que foi fundamental para encarar o novo inimigo, o Sars-CoV-2 (vírus da covid-19).

O trabalho da equipe dela:

  • Levou à identificação da origem das primeiras contaminações: o primeiro caso confirmado de covid-19 no Brasil veio da Itália, mas o vírus possuía estrutura parecida com o micro-organismo registrado na Alemanha, já o segundo caso foi contaminado com um vírus geneticamente parecido com o sequenciado na Inglaterra;
  • Permitiu descobrir se os primeiros casos confirmados no país eram de infecções ocorridas durante viagens internacionais ou de transmissão comunitária (quando o vírus evolui e se espalha entre a própria população);
  • Forneceu dados mais aprofundados sobre potenciais mutações genéticas do vírus que se espalhava pelo Brasil e que caminhos ele percorria, o que ajuda na rastreabilidade da doença.

"Na época [entre fevereiro e início de março], pouca gente estava sequenciando rápido assim e foi por isso que chamou a atenção. O que fizemos foi melhorar a tecnologia para ela se tornar mais barata e mais acessível em um país como o nosso", explica Sabino

Até julho deste ano, mais de trinta mil sequências haviam sido feitas. O processo contínua para acompanhar as possibilidades de mutações e rastrear geneticamente a evolução do vírus pelo país.

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Imagem: Arte/UOL

Assim que o Brasil registrou o primeiro caso confirmado de covid-19, no dia 26 de fevereiro em São Paulo, pesquisadoras do IMT tiveram acesso a amostras nasofaríngeas (secreção entre a traqueia e o nariz) da pessoa contaminada, disponibilizadas pelo Instituto Adolfo Lutz.

A equipe então iniciou o sequenciamento do SARS-CoV-2 no laboratório, com a extração do RNA (ácido ribonucleico, molécula formadora de organismos) do novo coronavírus a partir da quebra da célula, para expor o material genético.

Em seguida, cientistas usaram um aparelho portátil chamado MinION (menor que um celular), que faz a leitura do genoma de diferentes tipos de vírus. O equipamento recebeu o RNA e começou a identificar suas bases por meio de nanoporos (proteínas com nanômetros de diâmetro). Um computador conectado ao aparelho processou os resultados e montou o genoma do vírus com base nos dados que possuía.

Imagine que o DNA é uma fita com 30 mil letras em uma ordem específica, explicou Sabino em sua entrevista a Tilt. O processo todo conseguiu identificar a ordem em que essas letras estavam organizadas no vírus da amostra. Esse resultado foi comparado com 127 genomas completos do novo coronavírus, que já haviam sido sequenciados em 17 países diferentes.

"Não imaginávamos que fosse ter tanta repercussão, mas é uma oportunidade de popularizar a ciência no Brasil. Me formei na universidade pública e entendo que existe uma necessidade de retorno [de devolver para a sociedade o que recebeu na formação acadêmica]. Quem for fazer ciência no Brasil tem que saber que é uma carreira difícil, falta verba para o aluno sequer se manter. Mas, gente como eu não conseguiria fazer outra coisa", afirma.

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A força tarefa do sequenciamento do novo vírus incluiu, no início, as biomédicas Jaqueline Goes de Jesus (que liderou o estudo), Ingra Morales e Flávia Sales, e a farmacêutica Erika Manuli.

Morales foi quem desenvolveu um novo protocolo de utilização do equipamento MinION, capaz de sequenciar várias amostras ao mesmo tempo e reutilizando o seu chip eletrônico. Isso permitiu que a pesquisa brasileira gastasse menos que o trabalho feito na mesma linha em outros centros de pesquisas no exterior.

Ao longo de 2019, as pesquisas avançaram e as cinco focaram no sequenciamento genético do vírus da dengue no grupo multidisciplinar Cadde (Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), em parceria com cientistas da Universidade de Oxford.

"O impacto [da pesquisa] é que outros grupos daqui já fazem o sequenciamento usando a tecnologia do MinION, como Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], a UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]", acrescenta Sabino, o que ajuda a compreender geneticamente a expansão do vírus pelo país.

Além do sequenciamento genético, ela tem participado de outros estudos sobre o coronavírus. Em setembro, um artigo assinado pela médica e outros pesquisadores trouxe dados sobre a imunidade de rebanho na região da Amazônia brasileira. Observou-se que a transmissão do novo coronavírus em Manaus aumentou rapidamente durante março e abril. Entre maio e setembro, esse fluxo diminuiu mais lentamente.

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A médica acredita que o maior problema enfrentado no setor é a inconstância de apoio financeiro. Muitos estudos começam, dão resultado, mas caem no desafio de sobreviver. "A ciência no Brasil sofre demais: ela é subfinanciada e feita de forma inconstante. Como isso, parece que estamos sempre começando de novo", afirma.

Mas o que chama atenção dela neste momento é o negacionismo da ciência. Negar fatos concretos é um movimento antigo, lembra, mas que vira mais grave quando interfere em políticas públicas. "É o problema de agora: você ter pessoas que decidem o que fazer com a ciência baseada na negação. É muito triste e ruim para todos", conclui.

Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 10 cientistas de ponta brasileiros que atuaram brilhantemente no combate ao coronavírus durante a pandemia.

Tilt, o canal de ciência e tecnologia do UOL, acredita no trabalho dos cientistas brasileiros, que conseguem fazer pesquisa de ponta mesmo com falta de recursos, estrutura e apoio. Para valorizá-los e conseguir que recebam o apoio que merecem, trazemos aqui uma curadoria dos nomes "made in Brazil" que impressionaram a nós e à comunidade científica internacional.